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Capítulo 2: A Construção “Pecadora” da Dívida Externa Brasileira

2.4 A Lógica por trás do Pecado

Em um artigo de 2005, Flandreau, agora acompanhado por Sussmann, explica melhor sua percepção sobre as condicionantes do “Pecado Original”, em detrimento dos empréstimos em moeda local. Parte de da constatação de que a cláusula do empréstimo em moeda estrangeira era imposta, sobretudo, a países periféricos:

Foreign-currency-denominate debts are not randomly distributed throughout the world. They predominate in the liabilities of less-developed nations af Asia and latin America, which tend to be precisely those with the highest risk to run into a serious exchange rate crises. The so-called original sin hypothesis describes this phenomenon and its implications: some countries just do not issue debt denominated in their own currency, and as a result, the array of exchange rate strategies available to them is typically smaller than that available to the western world.115

Tal percepção coloca em cheque a hipótese institucional apresentada na seção 1.4. Se os problemas são as instituições, porque o fenômeno era notadamente percebido sob um viés regional, com forte concentração nos países da América Latina e na Ásia? Esta divisão regional indica que não havia boas instituições nestes países, ou implicaria numa visão eurocêntrica do problema? Para Flandreau e Sussman, Ainda que os países destas regiões da periferia do sistema tenham adotado o Padrão-Ouro, ou legislação que protegesse a propriedade, seria difícil que obtivessem empréstimo em moeda local. O oposto também é verdadeiro, para países europeus, muitas vezes sem estes itens institucionais (sem a adesão ao Padrão-Ouro, por exemplo), o empréstimo em moeda local era uma realidade possível.

Na visão de Flandreau e Sussman, compreender o mecanismo das condicionantes do “Pecado Original” implica em entender as condições do mercado financeiro do século XIX. Para tanto, os autores separam os mercados primários (IPOs 116) e os secundários das dívidas.

No século XIX, sobretudo durante a fase de convivência do Padrão-Ouro inglês com o padrão bimetálico francês, quase todas as ofertas primárias (IPOs) de dívidas originadas vinham da Inglaterra ou França, e eram emitidas em Libras ou Francos, não importando o país de origem, ou seja, independiam da credibilidade do país devedor117.

Alguns países, porém obteriam empréstimos em moedas locais, ou seja, alguns IPOs emitidos na França ou na Inglaterra não eram em Francos ou Libras, mas em moedas correntes nos países tomadores do empréstimo. Tal percepção demonstra que a “cláusula pétrea” de empréstimos em moeda estrangeira, não seria exatamente “pétrea”, ao menos, não para todos os países. O fato destes países serem, notadamente, a Espanha e a Rússia, explica muito sobre a natureza dos IPOs do período.

115 FLANDREAU e SUSSMAN, “Old sins: Exchange Clauses and European Foreign Lending in the Nineteenth Century”, 2005, p. 154.

116 IPO: do inglês (Initial Public Offering) – Oferta inicial de bens mobiliários, a ser comercializado no mercado primário.

117 FLANDREAU e SUSSMAN, “Old sins: Exchange Clauses and European Foreign Lending in the Nineteenth Century”, 2005, p. 155.

Para os autores:

Our hypothesis is that currency liquidity is the underlying cause of our findings. Owing largely to trade finance, some currencies emerged as vehicle currencies commanding international liquidity. As a corollary, states that had internationally accepted currencies could also circulate their debt instruments in secondary markets; having a liquid money market enabled them to issue the dept in their country in the first place.118

A Tabela 4, abaixo, referente aos empréstimos ingleses em 1883, ilustra este quadro. Tabela 4 - Empréstimos concedidos – Inglaterra, 1883:

118 FLANDREAU e SUSSMAN, “Old sins: Exchange Clauses and European Foreign Lending in the Nineteenth Century”, 2005, p. 155.

Observa-se na tabela acima que alguns países conseguiam empréstimos em sua moeda local. Caso de Itália, Espanha, Rússia, Holanda, Estados Unidos, França e Alemanha.

Recordando a Teoria Institucional vista na seção 1.4, o determinante para o país obter empréstimos em sua moeda local é o conjunto de instituições como legislação, direito à propriedade e livre fluxo de capitais.

Porém, segundo Flandreau, alguns dos poucos privilegiados a adquirir empréstimos em moeda local não dispunham destas boas instituições pregadas na hipótese institucional. Em contraparte, todos os países a obter empréstimo em moeda local possuíam em 1883 atributos como um mercado secundário desenvolvido, independente das garantias de propriedade e outras instituições desejadas. E este é o ponto crucial pelos autores levantado.

Possuir um mercado financeiro secundário desenvolvido seria, assim, condição para se obter empréstimo em moeda local. Isto ocorre porque os títulos poderiam ser negociados no mercado interno, oferecendo um colchão de segurança aos credores internacionais.

O empréstimo em moeda estrangeira está, assim, associado à emergência dos centros financeiros mundiais em princípios do século XIX. Com as guerras Napoleônicas e a ocupação francesa da Holanda, a Inglaterra torna-se o centro hegemônico do mercado financeiro e a casa Rothchild, com sede em Frankfurt, Londres, Paris, Viena e Nápoles, os agentes privilegiados a facilitar os empréstimos e garantir os empréstimos em moedas locais. Em 1821, possuidores dos títulos da dívida da Espanha, emitidos na moeda espanhola não conseguiram vender seus títulos no mercado secundário de Londres, o que dificultaria mitigar o risco dos credores. Naquele momento, a Espanha não dispunha de um mercado secundário desenvolvido.

Visando renegociar a dívida, de modo a garantir a negociação dos títulos no mercado inglês, os Rothchilds foram até a coroa espanhola e reemitiram os títulos, agora em Libras. Na mesma década, toda a América Latina, recém independente, solicitava empréstimos (os países, recém criados, necessitavam de capital para alavancar a economia interna). Diante da

experiência com os títulos da Espanha, os empréstimos para a América Latina foram emitidos em Libras. Surgia, assim, o “Pecado Original”119.

A tabela 5 abaixo mostra um retrato deste momento. Nela estão contidos os países latino a obterem empréstimos em Libras junto às casa Inglesas na década de 1820:

Tabela 5 - Empréstimos Ingleses para a América Latina na década de 1820.

Ao longo do século XIX, também Paris e Bruxelas apresentaram forte crescimento e tornaram-se importantes centros financeiros internacionais. Começaram, então a fornecer empréstimos em suas próprias moedas – moeda estrangeira para os tomadores dos empréstimos. Num mundo ainda dividido entre o Padrão-Ouro e o padrão bimetálico (o Padrão-Ouro só passo a funcionar de forma global na década de 1870), países bimetálicos corriam para Paris e Bruxelas, enquanto países com moedas enquadradas no Padrão-Ouro, para a Inglaterra.

Para os autores, de acordo com os estudos do ocorrido na França, Inglaterra e Rússia, há muito baixa correlação entre o tipo de moeda a se criar a dívida e a estabilidade macroeconômica ou reformas institucionais que o país apresente. Para Flandreau e Sussman, países sem credibilidade como Espanha, Rússia e Itália obtinham empréstimos em moeda

119 FLANDREAU e SUSSMAN, “Old sins: Exchange Clauses and European Foreign Lending in the Nineteenth Century”, 2005, p. 160.

local, apesar de não contar com estas instituições, já outros países com boa reputação institucional (sobretudo os escandinavos), não.

Há ainda o caso de países com boa reputação (instituições favoráveis) e mercado local forte terem se inserido no Padrão-Ouro para obter dívidas em moeda local, caso dos EUA. De todo modo, não há correlação linear entre instituições domésticas e habilidade de obter empréstimos em moeda local.

The similarity between the restricted number of countries that could issue bonds denominated in this own currency and the number of ‘key currencies’ led us to decide that the question should be explored more carefully. Specifically, our intuition was that a precondition for the existence of a (secondary) offshore market for domestic –currency-denominated debt was the availability of exchange facilities that would enable investors to price and possibly cover their foreign exchange exposure. The key nonmanageable risk that one faces when holding foreign bonds denominated in a foreign currency comes from the possible inability to trade the long-term bond for short-term asset in that currency120

Esta baixa correlação reforça, na visão dos autores, que o que leva um país a obter empréstimo em moeda local é a capacidade de liquidez de seu mercado secundário, ou seja, o quão desenvolvido é o seu mercado de capitais. Segundo os autores, há uma correlação quase perfeita entre o desenvolvimento do mercado de capitais e o fato do país obter empréstimo em moeda local ou estrangeira121. Rússia e Espanha, países problemas, tinham dívidas em moeda própria, graças ao seu bem desenvolvido sistema financeiro. Em contraste, Suécia e Dinamarca, países excelentes sob o ponto de vista das instituições, tinham dívidas em moeda estrangeira122.

Uma evidência da importância da existência de um mercado secundário para a tomada de empréstimos em moeda local, para os autores, está na correlação entre a disponibilidade de moeda em mercados de câmbio e a obtenção de dívida de logo prazo. Países com mercado de câmbio formado, ou seja, moedas aceitas em outras praças, teriam direito a dívida em moeda própria. A “cláusula pétrea” dos empréstimos em moeda estrangeira não se aplicaria a todos os países, portanto. Um grupo pequeno estaria imune ao “Pecado Original”. Fato, ainda hoje não há mercado de câmbio para algumas moedas.

120 FLANDREAU e SUSSMAN, “Old sins: Exchange Clauses and European Foreign Lending in the Nineteenth Century”, 2005, p. 181.

121 FLANDREAU e SUSSMAN, “Old sins: Exchange Clauses and European Foreign Lending in the Nineteenth Century”, 2005, p. 156.

122 FLANDREAU e SUSSMAN, “Old sins: Exchange Clauses and European Foreign Lending in the Nineteenth Century”, 2005, p. 156.

A Tabela 6, adaptada de Fladreau e Sussman dá uma percepção a respeito:

Tabela 6 – Empréstimos estrangeiros na segunda metade do século XIX - por países:

A tabela 4 acima mostra o acesso de três diferentes países aos empréstimos internacionais. Nela, se observa que o Brasil durante todo o período adquiriu dívida em Libras Esterlinas, à exceção de 1875, quando, dotado de uma moeda lastreada, o “Gold Milreis”, adquiriu um empréstimo no exterior com pagamento em moeda local. Cabe ressaltar que o lastro naquele momento havia sido adquirido com outros empréstimos em Libras, valendo-se do momento

favorável à expansão monetária. Como já foi apontado por Saes123, o período posterior à década de 1860 assinala uma inversão da tendência de anos anteriores, com maior afluxo de capitais para a América Latina, em virtude do surgimento de bases econômicas mais sólidas (economia cafeeira, no caso) e excedentes de capital como resultado dos avanços tecnológicos da Primeira Revolução Industrial na Inglaterra. De todo modo, apesar do afluxo crescente de capital para o Brasil, conforme visto na Tabela 1 acima, o empréstimo em Gold Milreis de 1875 constitui caso raro no mercado internacional.

Os demais exemplos nos mostram Portugal, com amplo acesso a diversos mercados internacionais (Londres, Paris e Amsterdam). Convém lembrar que Portugal possuía mercado de câmbio estabelecido desde 1854 (quando adere ao Padrão-Ouro) obtendo empréstimo em moedas estrangeiras e local. Por fim, a tabela nos mostra os Estados Unidos, que, num primeiro momento, sem moeda lastreada, obtinha empréstimos exclusivamente em Libras e, num segundo momento, após a adoção do Padrão-Ouro (final da década de 1870), obtém acesso a empréstimos ingleses com pagamentos em Dólar – fato que caracterizou paradigma do Padrão-Ouro.

Por fim, Flandreau e Sussman listam os países com acesso ao mercado de Câmbio na Inglaterra e na França em meados do século XIX. Se a explicação institucional fosse procedente, teríamos uma lista de países com sólidas instituições e credibilidade. No entanto, a Tabela 7, abaixo, nos mostra os seguintes dados:

Tabela 7 - Economias com acesso aos empréstimos - Mercados de Londres e Paris – meados do século XIX.

Como se vê, em Londres, em 1844 eram listadas as moedas de diversos países. O Brasil aparece listado, dado que aderira brevemente ao Padrão-Ouro em 1846. De todo modo, sem mercado secundário ou como sustentar o Padrão-Ouro por muito tempo, logo seria retirado desta lista (desapareceria em 1850). Quanto aos demais países listados, vários deles não tinham credibilidade (Rússia, Espanha e Itália). Apesar disto, suas moedas eram negociadas nos mercados centrais, já países escandinavos, com boas instituições, estão ausentes da lista.

It now seems obvious that countries that where able to develop a secondary market for their domestic-currency-denominated public liabilities in foreign centers were precisely those with intense foreign exchange relations with the rest of the world. 124 A conclusão dos autores aponta que no século XIX, a existência de um mercado doméstico com liquidez e de um mercado externo líquido para o câmbio foi uma condição necessária para obter empréstimos em moeda local. A ausência destes mercados por si só, foram condições suficientes para forçar estes países a contrair dívidas (ou emitir bonds) em moeda estrangeira.

No círculo vicioso, países com menos mercado para suas moedas, justamente aqueles com menos moeda ou que sofriam de um mercado de capital local pouco desenvolvido, não tinham as condições necessárias para obter empréstimo em moeda local. Para estes países, como o Brasil, não era dada escolha a não ser aceitar contrair dívida em moeda estrangeira e ainda assim mostrando garantias para que o investidor não sofra maiores perdas, o que significava maiores taxas de juros. Para estes países, o fornecimento de crédito internacional teria a “cláusula pétrea” do “Pecado Original”.

Mais: para estes países que somente podiam obter empréstimos em moeda estrangeira (Francos ou Libras), era dada uma única opção, em nada melhor. Se suas economias fossem inseridas no contexto do Padrão-Ouro, os títulos da dívida poderiam circular no mercado secundário com maior liquidez, pulverizando o risco e garantindo o retorno aos credores. Daí as recomendações para os empréstimos (por si só uma afronta à soberania) insistirem na adesão ao Padrão-Ouro125, não importando o quão prejudicial esta adesão pudesse ser para países com desvantagens nos termos de troca.

124 FLANDREAU e SUSSMAN, “Old sins: Exchange Clauses and European Foreign Lending in the Nineteenth Century”, 2005, p. 183.

125 FLANDREAU e SUSSMAN, “Old sins: Exchange Clauses and European Foreign Lending in the Nineteenth Century”, 2005, p. 155.

In sum, the ability to circulate, internationally, bonds denominated in your own currency was related to the status of your currency in terms of international liquidity. Going for an IPO in a foreign financial center in your own currency was going to cist more than borrowing in that center’s currency, and all the more so if you had a “junior” currency. The result was, and we think still is, that countries with less-developed money markets displayed an exclusive reliance on foreign exchange clauses, while countries with “senior” currencies went farther toward achieving liability diversification.126

Assim, a configuração dos grandes mercados de capitais estaria na raiz do “Pecado Original”, e não a credibilidade do país tomador de empréstimos. Não são as instituições a razão para a impossibilidade para o empréstimo em moeda local, mas sim a história e construção da Economia Mundo ordenada em centro e periferia.

Esta condição específica do século XIX (Padrão-Ouro, inexistência de instrumentos de proteção cambial no mercado financeiro internacional e dimensão limitada dos mercados secundários nos países periféricos) teria determinado a origem das dívidas em moeda estrangeira (o “Pecado Original”), seja sob a forma direta (empréstimos em Libras) seja sob a forma disfarçada, com a adesão ao Padrão-Ouro, o que faria o país periférico adquirir empréstimos estrangeiros para sustentar o lastro.

A visão de Flandreau vai de encontro à visão sistêmica de Braudel e Wallerstein. Um sistema mundo com um centro difusor e uma vasta periferia em círculos concêntricos. Os empréstimos em divisas estrangeiras refletiam um mundo dividido em centro-periferia. Se um país estivesse na borda do sistema, sua condenação seria o “Pecado Original” e todas as dificuldades decorrentes desta condição.

As limitações impostas por estas condições teriam dificultado o desenvolvimento do sistema financeiro dos países periféricos, relegando-os à perpetuidade de sua condição. O círculo vicioso estaria formado. Países periféricos adquirem dívidas em moedas estrangeiras, com maior risco e juros, estrangulando sua atividade econômica. Esta condição inicial perpetua-se porque é tida como normal, sem se considerar que, na verdade, reflete um determinado contexto temporal. Com a economia fragilizada, a condição de periferia se perpetua, levando o país a adquirir cada vez maiores e caros empréstimos.

As recomendações estrangeiras, assim, mais do que garantir o pagamento das dívidas, exibiam um caráter perverso, de condenar as economias periféricas à uma condição perpétua

126 FLANDREAU e SUSSMAN, “Old sins: Exchange Clauses and European Foreign Lending in the Nineteenth Century”, 2005, p. 157.

de periferia. Não havia preocupação com a saúde financeira do país, nem com supostas instituições capazes de assegurar o desenvolvimento. A única preocupação era reduzir o risco das transações, mesmo que para isto, fosse ampliado o risco de default nas nações da América Latina (referindo-se especificamente à Crise das Dívidas na década de 1980) até o limite extremo.

Thus, while institutions and reforms help agents form expectations about future behavior, path dependency has played a much more significant role in selecting the countries that were to suffer from original sin. Only a major change in countries’ ranking in the world trade order (…) can change theses outcomes.127

Diante deste quadro, cabe, por fim uma pergunta proposta por Flandreau e Sussman. Como se livrar do “Pecado Original”?

Para os autores, de nada adianta política macro ou proteção à propriedade privada – estes termos propostos como condições em todos os acordos para contrair os empréstimos são definidos pelos autores como falácia. Somente o crescimento econômico, com grande fluxo de moeda pode solver o problema. Como exemplo, citam o Japão que conseguiu isto pós Segunda Guerra Mundial e os EUA, que conseguiram isto entre 1890 e 1910 128.

Usando o exemplo proposto pelos autores, suponha que o Butão tenha modernas instituições e compactue com os desígnios do tratado de Maastricht – isto seria suficiente para obter empréstimos em moeda local? Flandreau e Sussman propõem que não. Só o crescimento econômico pode fazer isto.

De todo modo, durante o século XX, a manutenção na crença da credibilidade do Padrão- Ouro (O Padrão Dólar-Ouro), teria criado condições para que os países em desenvolvimento mantivessem a prática de endividamento em moeda estrangeira. O regime de câmbio fixo favorecia este tipo de medida, como veremos no próximo capítulo. Assim, uma norma criada no século XIX teria se mantido por quase todo o século XX. Não obstante as mudanças radicais sofridas pelo sistema financeiro internacional, com o desenvolvimento de mecanismos de proteção cambial (instrumentos de Hedge) e o desenvolvimento de mercados financeiros em países em desenvolvimento (caso do Brasil) a cláusula do empréstimo em

127 FLANDREAU e SUSSMAN, “Old sins: Exchange Clauses and European Foreign Lending in the Nineteenth Century”, 2005, p. 157.

128 FLANDREAU e SUSSMAN, “Old sins: Exchange Clauses and European Foreign Lending in the Nineteenth Century”, 2005, p. 186.

moeda estrangeira se perpetuou, representando pesado ônus às nações periféricas, até o ponto em que a economia destas chegou ao limite, nos anos 1980.

Há que se ressaltar que esta obrigação de empréstimos em moeda estrangeira aplica-se especificamente aos países periféricos, justamente aqueles que não tinham um mercado secundário desenvolvido no século XIX.

Encerrando esta primeira parte da dissertação, cabe aqui retomar a pergunta básica que norteia este trabalho: sabendo que somente 40 meses separam o Plano Baker do Plano Brady, quais fatores levaram o FMI à mudança de postura, e por somente naquele momento, e não antes, abria-se a possibilidade ao Brasil de rompimento do “Pecado Original”?

A análise e reflexão a partir dos conceitos do “Pecado Original” e do Padrão-Ouro aqui realizadas já nos permite especular sobre algumas respostas.

Em 1989, outra era a economia mundial. O câmbio era flutuante, mecanismos de Hedge cambiais já eram bem desenvolvidos e havia mercado secundário para títulos das dívidas em diversos países em desenvolvimento. Neste contexto, algumas cláusulas “pétreas” do século XIX não fariam mais sentido. A “conjuntura” internacional havia se alterado. Uma resposta sob o prisma amplo “conjuntural” parece, portanto, óbvia. Ocorre que estas mudanças tinham ocorrido muito antes de 1989. Por que somente em 1989 o FMI muda sua postura, lembrando que ainda em 1985 sua posição permanecia irredutível?

Podemos, neste momento, inferir que a mudança de postura do FMI entre o Plano Baker e o Plano Brady seria motivada pelo colapso econômico das nações devedoras na década de 1980. Neste sentido, a Crise da Dívida teria agido como um “stress test”, levando os credores a