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Parte II – O Plano Baker e o Plano Brady

Capítulo 3: A Crise da Dívida

3.4 As Negociações entre Brasil e FMI na primeira metade da década de

3.4.3 Negociações com o FMI – 1983 a

Como vimos, nos últimos dias de 1982, o Brasil toma uma atitude unilateral de moratória parcial. Naquele momento, 70% da dívida externa do Brasil era pública, e o Estado recusava- se a pagá-la integralmente. A moratória parcial, porém, não foi levada adiante. As condições propostas pelo FMI em 20 de dezembro de 1982, que sofreram resistência no primeiro momento, foram, após novos e rápidos contatos, finalmente aceitas já nos primeiros dias de 1983.

O procedimento padrão para a liberação da política de assistência financeira condicional do FMI fora formalizada pela Diretoria Executiva do Fundo em 1979290. Implicava na combinação de quatro elementos: cartas de intenções, parcelamento do crédito, consultas periódicas e medidas prévias. Nas palavras de Sampaio:

- Carta de Intenções: “Para aprovar um pedido de auxílio financeiro, o FMI exige que o país membro se comprometa a executar um programa de ajustamento compatível com os objetivos mais gerais da instituição e que possa ser acompanhado pelos técnicos da instituição. O programa de ajustamento deve ser formalizado em uma Carta de Intenções a ser apresentada à Diretoria Executiva do Fundo, responsável pela sua avaliação e eventual aprovação. A Carta de Intenções é formulada pelo governo de cada país requisitante sob a supervisão técnica de uma missão do fundo, a qual cabem fundamentalmente duas tarefas (i) apresentar alternativas

289 PEREIRA, “Da Crise fiscal à redução da dívida”, 1989, p. 26 e 27. 290 SAMPAIO JR., Padrão de Reciclagem da dívida externa, 1988, p. 53.

de políticas econômicas para enfrentar os desequilíbrios da economia, e (ii) avaliar a consistências interna do programa de ajustamento”291.

-Parcelamento do Crédito: “A liberação parcelada de recursos dos programas negociados com o Fundo visa a vincular, a partir da primeira quota, a assistência financeira ao cumprimento da Carta de Intenções”292.

- Consultas Periódicas: “Além de ser a ocasião em que os técnicos do Fundo podem avaliar o andamento do programa de ajuste, a prática de consultas é a forma pela qual o país-membro e o FMI renegociam os termos da Carta de Intenções durante o andamento do programa”293. - Medidas Prévias: “(...) a exigência, como precondição para a assinatura final do acordo de certas medidas prévias consideradas indispensáveis para o sucesso do ajuste”294. Dentre estas medidas prévias temos o pacote ortodoxo: desvalorização do câmbio, redução dos gastos do governo e elevação dos juros.

Na primeira semana de 1983, após rápidos entendimentos e um grande esforço por parte do FMI, o Brasil assina sua primeira Carta de Intenções junto ao Fundo. Começava a se definir um programa de ajustamento da economia brasileira para o período 1983-1985. Uma missão do Fundo fora designada para vir ao Brasil e acompanhar as negociações de perto.

Iniciou-se, então, uma fase que durou vários meses, compreendendo processo de negociações e diversas cartas de intenção com o FMI, as quais contemplavam metas para a economia doméstica. Nos dois anos que se iniciaram em 6 de janeiro de 1983 (data da primeira carta), foram enviadas ao FMI sete cartas de intenção, todas descumpridas.295

As negociações do Brasil com o Fundo não foram rápidas nem fáceis. Alongaram-se por quase uma década no total, onde ocorreram diversas reuniões e acordos. No geral, o FMI obrigava o Brasil a seguir uma série de determinações que seguiam a cartilha ortodoxa liberal, novo padrão internacional estabelecido com o fim do Fordismo. Dentre as recomendações impostas, temos a liberalização da economia e o controle do déficit público. Mediante o cumprimento das determinações, o esforço brasileiro seria premiado com novos empréstimos junto aos bancos credores, o que permitiria a rolagem da dívida.

291 SAMPAIO JR., Padrão de Reciclagem da dívida externa, 1988, p. 53 e 54. 292 SAMPAIO JR., Padrão de Reciclagem da dívida externa, 1988, p. 58. 293 SAMPAIO JR., Padrão de Reciclagem da dívida externa, 1988, p. 59. 294 SAMPAIO JR., Padrão de Reciclagem da dívida externa, 1988, p. 60. 295 PEDRAS, “História da dívida pública no Brasil”, 2009, p. 72.

A dívida externa brasileira em 1982 compreendia credores privados e credores oficiais (países). O FMI seria o intermediador entre o Brasil e seus credores quaisquer que fossem a natureza destes. A maior parte da dívida era com credores privados, reunidos num Comitê Assessor dos Bancos, já os credores oficiais eram representados pelo Clube de Paris296.

As negociações ocorreram em rodadas, segundo Cerqueira297. Para os credores privados, foram necessárias 5 rodadas de negociação entre 1982 e 1992. Para o Clube de Paris, ocorreram 4 rodadas, acordos firmados entre 1983 e 1992

Um resumo destas rodadas pode ser visto na tabela abaixo:

Tabela 17 – Rodadas de negociação do Brasil junto aos credores internacionais: 1982 - 1992.

Para esta seção, nos ocuparemos do período entre 1982 e 1985, tendo em vista que são as negociações que ocorreram durante o Governo Figueiredo e são negociações anteriores ao Plano Baker, de 1985. Como se vê, neste período, as negociações junto aos credores privados foram mais intensas. É possível identificar padrões nas três rodadas de negociações que ocorreram com os credores privados neste período. Monica Baer298, num texto de 1988,

296 Clube de Paris, ou Clube dos Credores ou, ainda, Grupo dos Dez, consiste num mecanismo para discutir os refinanciamentos multilaterais das dívidas dos países que não são membros da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). SANDRONI, Dicionário de economia do Século XXI, 1999, p. 102. 297 CERQUEIRA, Dívida Externa Brasileira, 2003, p. 117 – 137.

identificava duas fases nestes três anos, a primeira de resistência às propostas (em 1983) e uma segunda de enquadramento (1984 e 1985). Mais detalhista, Sampaio identifica quatro fases de negociação com os credores do FMI entre 1982 e o final do Governo Figueiredo299. Para esta explicação, ficaremos com a subdivisão proposta por Sampaio.

A Fase 1 inicia-se em meados de 1982 e dura até junho de 1983. Caracteriza-se pela tentativa fracassada do Brasil em manter a linha de crédito junto aos bancos internacionais no último trimestre de 1982 e pelo acordo fechado com o FMI já nos primeiros dias de 1983.

A Primeira Carta de intenções, assinada pelo Brasil sob orientação do Fundo na primeira semana de 1983 foi aprovada pela Diretoria Executiva do FMI somente no final de fevereiro de 1983. O diagnóstico externo era o já apontado em setembro de 1982. A crise era fruto de um problema de liquidez e teria caráter temporário. Naquele momento, o FMI acreditava que o Brasil não era capaz de cumprir seus compromissos com os credores por causa do excesso de gastos do Estado. Assim, as condições do ajuste proposto na carta mostraram-se extremamente duras, com forte redução da demanda doméstica (com implicações na política salarial), política fiscal restritiva, redução de gastos (dentre os quais redução aos subsídios à agricultura), inclusive em investimentos, liberalização da economia e redução do Estado300. Apesar de tão pesado ajuste, Sampaio sustenta que o acordo previsto na Primeira Carta seria insuficiente301. Antes mesmo da Carta de Intenções ser submetida à apreciação da diretoria Executiva do Fundo, o governo brasileiro realizara uma maxidesvalorização do Cruzeiro (em 30%) em 21 de fevereiro. O objetivo era dificultar as importações e incentivar o setor exportador, elevando as receitas na Balança Comercial. A desvalorização do Câmbio, no entanto acelerava o processo inflacionário, o que tornou necessário um aperto ainda maior nas políticas salarial, fiscal e monetária. A nova situação exigia novos ajustes no acordo com o FMI. Assim, um adendo à Primeira Carta foi elaborado, que acabou ficando conhecido como 2ª Carta de Intenções. A “nova” Carta apontava para um esforço de ajustamento interno ainda maior do que o previsto na Primeira Carta.

Com as Cartas aprovadas, o Brasil obteve crédito stand-by do FMI e fechou a negociação com bancos privados internacionais. Tanto Sampaio302 como Baer303, porém, relatam que as

299 SAMPAIO JR., Padrão de Reciclagem da dívida externa, 1988, p. 105. 300 SAMPAIO JR., Padrão de Reciclagem da dívida externa, 1988, p. 127. 301 SAMPAIO JR., Padrão de Reciclagem da dívida externa, 1988, p. 122. 302 SAMPAIO JR., Padrão de Reciclagem da dívida externa, 1988, p.151.

autoridades brasileiras demonstraram grande resistência para cumprir os compromissos assumidos nas cartas de intenções. Em abril de 1983, diante do estouro de várias metas, o governo Figueiredo procurou implementar algumas resoluções, focadas somente no setor externo, porém de forma isolada e que não surtiram o efeito esperado. A situação só não foi pior porque o Brasil obteve significativo superávit na balança comercial – fruto da maxidesvalorização – que reduziu em 20% as importações ante 1982.

Em suma o Brasil aceitou o acordo e recebeu o crédito esperado, mas não cumpriu, talvez acreditando que não seria necessário. A prática era até comum – fazia parte do jogo anterior, de rolagem da dívida - mas desta vez, o desfecho seria diferente.

“Isso fez com que, já em maio de 1983, o FMI suspendesse o desembolso de seus recursos, o que provocou a cessação da entrada dos empréstimos privados”304. A Fase 1 chegava ao fim como um total fracasso. O Brasil acabaria por atrasar os pagamentos externos aos credores privados. As negociações caminharam para um impasse e ao final do mês, o fundo e os bancos privados suspenderam a liberação da segunda parcela de seus empréstimos, precipitando uma nova rodada de conversações. Uma nova carta fazia-se necessária.

Na classificação proposta por Sampaio, a Fase 2 das negociações ocorre entre junho de 1983 e novembro do mesmo ano. O período, basicamente de negociação por um novo acordo, fora marcado por uma grave crise política e de estrangulamento cambial. Ao final desta fase de crise, o Fundo havia enquadrado totalmente o Brasil ao seu receituário ortodoxo – começa em novembro de 1983 o real programa de ajustamento.

No início de junho de 1983, estava claro ao governo brasileiro que a resistência ao compromisso assumido junto ao Fundo não era uma atitude prudente.

A estratégia de aceitar a formalidade do processo de negociação com os credores externos e com o FMI, menosprezando o seu conteúdo e acreditando que os compromissos firmados não teriam de ser cumpridos rigorosamente, havia fracassado. Não restavam mais ilusões em relação à possibilidade de no curto prazo, recuperar a confiança dos credores e normalizar o fluxo de recursos do exterior. Tampouco havia ilusão em relação à rigidez dos procedimentos do Fundo e de sua importância estratégica nos entendimentos com os bancos privados.305

303 BAER, “Dívida externa brasileira”, 1989, p. 186.

304 BAER, “Dívida externa brasileira”, 1989, p. 186.

No início de junho de 1983, sem espaço para agir e com a capacidade de determinar a própria política econômica bastante comprometida, só restava às autoridades brasileiras retomarem as conversações com o FMI. O Fundo, por sua vez, retomou as conversações com o Brasil, ampliando os acordos para os credores oficiais (o Clube de Paris) e instruindo sua missão em terras brasileiras a fazer algumas exigências: a redefinição das metas fiscais e monetárias referentes ao acordo de janeiro de 1983, agora com a compensação dos desvios verificados desde o início do ano e, além de ajuste na área fiscal, o fim dos subsídios às empresas estatais, corte dos gastos e aumento das tarifas públicas.

A inflação, reflexo da maxidesvalorização de fevereiro de 1983, exigia medidas extras: O combate à inflação exigiria, no entanto, medidas adicionais. Para estabilizar a inflação de 1983 em torno de 125% - a novamente exigida pelo FMI – o governo teria de adotar uma política de rendas austera, reajustando os salários abaixo da inflação.306

Em meados de julho, o governo cede à pressão do FMI, atacando a questão salarial:

Em meados de julho o governo decidiu encampar a recomendação de modificar a política salarial. Em uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, sob um clima de forte tensão política, foi promulgado o DL 2045. Esta nova lei salarial determinou que, de agosto de 1983 a 31 de julho de 1985, os reajustes ficariam limitados a 80% da variação semestral do INPC mais um acréscimo de produtividade, decretado pelo próprio governo, que não poderia ultrapassar a variação do produto per capita do ano anterior.307

As medidas “impostas” naquele momento mostraram-se extremamente pesadas e geraram forte retração na atividade econômica. No campo interno, a base de apoio político ao governo foi drasticamente reduzida, levando o Executivo nacional a um isolamento que minou sua credibilidade. Como resultado, até novembro, a política econômica foi turbulenta e inconsistente. O ajuste era muito severo e a falta de apoio dentro do país dificultava sua implantação. Para complicar ainda mais, “pressionada pelo impacto dos reajustes de preços do setor público e pela elevação dos preços agrícolas, a inflação voltava a acelerar-se, alcançando em junho o patamar de dois dígitos.”308 No setor externo, o resultado mostrava-se dúbio. A maxidesvalorização da moeda nacional começava a proporcionar excelente desempenho da balança comercial, porém o “estrangulamento cambial” asfixiava a capacidade de importação, e com isto, de investimento produtivo.

306 SAMPAIO JR., Padrão de Reciclagem da dívida externa, 1988, p. 167. 307 SAMPAIO JR., Padrão de Reciclagem da dívida externa, 1988, p. 178. 308 SAMPAIO JR., Padrão de Reciclagem da dívida externa, 1988, p. 177.

Apesar da adoção das medidas propostas, as negociações com o FMI arrastaram-se por um período maior do que o inicialmente esperado e uma Terceira Carta de intenções só foi apresentada em 15 de setembro de 1983. Nas palavras de Sampaio:

A 3ª Carta de Intenções deve ser entendida como um marco que simboliza a capitulação final do governo brasileiro ante o FMI. Além de legitimar as exigências do Fundo, reconhecendo a correção da estratégia de ajustamento por ele estabelecida e o atraso em sua implementação, as autoridades aceitaram novos e mais eficazes mecanismos de monitoramento. Isto significava, na prática, que, nos últimos meses de 1983 e em 1984, o ajuste interno deveria ser intensificado e que o governo havia cedido, quase que totalmente, o seu atributo de determinar os rumos da politica econômica.309

A Terceira Carta previa um enrijecimento do ajuste financeiro ainda maior, com um maior aperto no crédito interno, objetivando a redução da inflação já em 1984 e a elevação da transferência de recursos para o exterior.

Como se não bastasse a total submissão às propostas do FMI, a Terceira Carta ainda trazia alguns mecanismos de monitoramento. Não houve um novo aporte de imediato, o desembolso dos recursos por parte dos bancos comerciais internacionais e a entrada de financiamento externo adicional ficou condicionada ao cumprimento das metas do balanço de pagamentos e dos limites de crédito interno líquido.

A debilidade do Executivo nacional e a deterioração da conjuntura econômica fizeram do período entre julho e dezembro de 1983 um momento de intensa luta política no Brasil, além de grande dificuldade para o governo, com a permanente aceleração da inflação, o que forçou o governo a novo arrocho salarial em novembro de 1983. Ao final do período, porém, as autoridades conseguiam alinhar a política econômica ao ajustamento proposto pelo FMI. A consolidação do programa ainda dependeria da conclusão das negociações com os bancos privados e do aval da Diretoria Executiva do Fundo.

Para acelerar a conclusão das negociações, em novembro de 1983, o ministro da Fazenda do Brasil (Delfim Netto) viajou a Washington para renegociar algumas metas da Terceira Carta – tendo em vista as dificuldades enfrentadas no segundo semestre de 1983. O resultado veio em 22 de novembro, com a aprovação definitiva da Terceira Carta e de seu adendo, relacionada ao acordo com o Clube de Paris (uma Quarta Carta de Intenções) – a Fase 2, segundo a subdivisão proposta por Sampaio, a mais difícil, chegava ao final com a liberação da parcela

negociada e suspensa ao final da Fase 1, no valor de US$ 4,5 bilhões. O Brasil estava devidamente enquadrado no programa proposto pelo FMI.

Esta Quarta Carta aprofundava a intensidade do ajustamento, com maiores apertos no crédito interno para conter a inflação, e reforçava os mecanismos de monitoramento do FMI, ao transformar o déficit operacional e a taxa de inflação em critério de desempenho, aumentando a abrangência das variáveis sob fiscalização do fundo, ante pena de não obtenção de novos recursos.

Por fim, é importante ressaltar que embora a Fase II tenha sido costurada com maior cuidado e realismo, não houve mudanças na política de empréstimos da comunidade financeira internacional. Ao contrário, os credores externos mantiveram a política de ‘rédeas curtas’ na concessão de dinheiro novo”310.

Para o FMI, o ano de 1983 fora interpretado como uma fase de ajustes e negociações. Ainda que em seu relatório anual, de abril de 1984, o Fundo mostrasse grande preocupação com o processo inflacionário nos países em desenvolvimento, o tom era de relativo otimismo:

This is especially true for the Western Hemisphere region, which continued to experience the highest inflation, with the weighted average rate accelerating sharply from 78 percent in 1982 to 123 percent in 1983. However, the median inflation rate for this region showed only a modest rise, from 9/1/2 percent in 1982 to 11/1/2 percent in 1983, with serious inflationary problems being confined to Argentina, Bolivia, Brazil, and Mexico (…). Adjustment Measures. In order to improve prospects of domestic and external financial stability, many developing countries have now embarked on programs incorporating measures in areas such as government finance, monetary and banking policy, the exchange rate, and trade liberalization. In addition, structural adjustment efforts included policies relating to subsidies and prices, public enterprise management, and the level and distribution of development expenditures.311

Como adiantado na citação a Monica Baer, os anos de 1984 e 1985 foi de enquadramento do Brasil ao programa de ajustamento proposto pelo FMI. Mantendo a classificação de Sampaio, a Fase 3 inicia-se em dezembro de 1983 e alonga-se ao terceiro trimestre de 1984.

Devidamente enquadrado no Programa Ortodoxo proposto pelo FMI, durante o início do ano de 1984, o governo brasileiro empenhou-se em cortar as despesas e elevar as receitas do setor público. Num contexto de inflação alta e deterioração do padrão de vida da população, o governo priorizou o combate à inflação com a intensificação do aperto monetário e de restrições à liquidez. Apesar do empenho, dificuldades internas marcaram o período, como a

310 SAMPAIO JR., Padrão de Reciclagem da dívida externa, 1988, p. 212. 311 INTERNATIONAL MONETARY FUND, Annual report 1984, 1984, p. 12.

paralisação do mercado financeiro e a própria permanência da inflação. A missão do FMI a tudo observava de perto. O mau desempenho da inflação não passou despercebido:

Antes mesmo que as medidas adotadas pudessem surtir efeito, na segunda metade de fevereiro, dois fatores levaram o governo brasileiro a retomar os entendimentos com o FMI: o descumprimento de alguns critérios de desempenho recentemente acordados e a necessidade de negociar as metas dos dois próximos trimestres. O rápido desfecho das negociações tornava-se particularmente estratégico porque os credores privados condicionavam a liberação dos recursos negociados na Fase II ao desembolso da primeira tranche do FMI em 1984.312

As negociações correram rapidamente. Ainda que o desempenho econômico não tenha sido como o esperado, o empenho brasileiro e uma nova crise na Argentina apressaram as negociações. Em março de 1984, o Fundo dava o sinal verde para a liberação de recursos referentes ao desfecho da negociação da Fase 2 junto aos bancos privados (no total de US$ 6,5 bilhões). Dias depois, fruto destas negociações, o Brasil apresentava a Quinta Carta de Intenções, contendo metas para o desempenho de nossa economia para os três primeiros trimestres de 1984.

Nesta Quinta Carta, o controle inflacionário era a prioridade, o que pressupunha que o esforço de ajustamento seria ainda maior do que o fora nos meses anteriores, com uma contração adicional no mercado interno, através de uma política fiscal ainda mais restritiva. Novos empréstimos seriam liberados ante o cumprimento de novas metas estabelecidas pelo Fundo. A esta altura, o Brasil estava nas mãos do FMI, fazendo tudo o que era por este esperado. O resultado imediato foi o aprofundamento da crise econômica, a persistência da inflação elevada e uma autêntica convulsão social nas ruas, o movimento das “Diretas Já”. Na visão de Sampaio, para o governo, o movimento social, mais do que um problema, representava uma alternativa à situação de submissão ao FMI em que se encontrava:

Por fim, ainda que possa parecer paradoxal, a própria mudança na conjuntura política do país acabava aumentando o poder de barganha do governo Figueiredo. O forte respaldo popular da campanha das "diretas já" constituía uma evidência irretorquível da grande insatisfação da população com a politica de ajustamento do Fundo e, portanto, da imprudência que significaria intensificar as medidas fortemente recessivas. Diferentemente da situação vivida no segundo semestre de 1983, a submissão incondicional às exigências do Fundo não representava mais a única alternativa para evitar uma ruptura institucional e um colapso da economia.313

312 SAMPAIO JR., Padrão de Reciclagem da dívida externa, 1988, p. 227.