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CAPÍTULO 2 – AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS: NA FORMAÇÃO DA CRIANÇA

2.4 Laing – Relações E Inter relações De Qualidade

Ao me deparar com a obra de Laing (1972) – psiquiatra britânico que se destacou por sua abordagem inovadora da doença mental, com a experiência na psicose – pude refletir sobre como as professoras, especificamente da educação infantil, poderiam enriquecer suas relações com as crianças no cotidiano da instituição e nos contatos mais simples de suas relações. Laing aborda conceitos como “confirmação” e “negação”. Esses conceitos, incorporados ao toque, podem deixar marcas na vida das crianças. Marcas negativas ou positivas, mas, sobretudo, favorecem uma reflexão sobre a prática nas relações entre professora e criança.

O autor afirma que a confirmação pode acontecer de várias intensidades e maneiras. Diz que “reagindo sem entusiasmo, com frieza, tangencialmente, etc., a pessoa não endossa certos aspectos do outro”. Segundo Laing, “a confirmação pode ser através de um sorriso receptivo (visual), de um aperto de mão (táctil), ou de uma expressão de simpatia (auditiva).” (LAING, 1972, p.95).

Por meio da confirmação e da negação as pessoas podem ser percebidas ou despercebidas. Isso se dá de forma sutil, tangencial. Conforme diz Laing, “ser despercebido pelas pessoas é o pior castigo”. Ele diz ainda: “certas formas de “rejeição” sugerem reconhecimento limitando a percepção e a receptividade do que é rejeitado. Uma ação “rejeitada” é percebida e esta percepção demonstra que é aceita como um fato.”.

Nos relatos trazidos pelas alunas estagiárias do curso de pedagogia, muitas vezes observam-se práticas distantes, das professoras das crianças pequenas. As alunas estagiárias observam que as professoras reclamam muito do seu trabalho; parece não ter prazer em estar com as crianças, mostram-se irritadiças e às vezes distantes das crianças e do universo infantil.

A escola não tinha nenhum preparo para receber aquela criança e quando a prefeitura ou o governo coloca esta criança para ser incluída no ensino, eu acho que tem que ter um profissional, por que a criança chegava e ia direto ao livro. A professora o esquecia e ficava só com os demais. Eu que fui buscando, eu fazia “cosquinha” nele e ele olhava pra mim. A professora dizia para eu ficar com ele e ela ficava com os demais. Então eu comecei a buscar, comecei a pesquisar. Eu pensava assim: eu preciso do estágio, então eu comecei a buscar conhecimento, comecei a brincar com ele, então eu comecei a incentivar ele a colar [figuras] e um dia ele chegou a mim e disse: eu te amo! Eu acho que é falta de preparação da escola. Toda escola deve ter um profissional assim, porque o estagiário, a gente aprende o básico aqui. É o básico. A gente não pode dar a cara para bater e dizer “eu sei”. Não, a professora tem que buscar o que não aprendeu na graduação. Você fica com raiva porque não vê uma ação por parte da professora. Nossa, eu chorava, eu saía do estágio, eu chorava em ver aquela situação, por que ninguém ligava.

Às vezes ele ficava mijado, e se eu não chegasse para cuidar dele, ele ficava ali. Então é revoltante ver isso! Eu penso assim: um profissional que se forma pra ser professor, o que ele quer? Um salário ou uma profissão? Ele quer ser reconhecido? Tá faltando muito isso. Igual, você vem aqui, você não perde só tempo, você perde tempo e dinheiro. Por que você vem se formar ou você quer só um certificado e já era! E não é! (A2, CC). (CARVALHO, 2014, p.64).

As alunas estagiárias dizem que parece que as relações entre as professoras e as alunas infantis muitas vezes acontecem de forma mecânica. As professoras envolvidas na dinâmica intensa do cotidiano da educação infantil e com um número absurdo de crianças por classe, tanto nas creches quanto nas pré-escolas, parecem agir mecanicamente, quase de forma automática e não percebem o que estão fazendo, como estão fazendo, por que estão fazendo, com quem estão fazendo, não sabem explicar para o que fazem, e muitas vezes não possuem qualquer reconhecimento da criança com a qual estão naquele momento. Vão vivendo numa evasão em sua realidade.

De acordo com Laing (1972), a evasão é o meio de rodear um conflito sem confrontá- lo diretamente e sem resolvê-lo. “Esquivar-se ao conflito opondo uma modalidade de experiência a outra”. (p. 46).

Refletir sobre a dimensão da percepção e da sensibilidade na formação da professora de educação infantil possibilita à professora pensar sobre a sua verdadeira relação com as crianças e sobre a qualidade dessas relações, entendendo a si mesmo e compreendendo os motivos reais de estar ali, de corpo inteiro com a criança, no verdadeiro estado do relacionamento, numa dimensão até poética que significa “pôr a luz” nessas relações.

Em contato com a obra de Laing, sobre a questão de se perceber a realidade em nosso universo perceptivo, encontrei Paul Tillich, (1952), filósofo cristão que aborda a contribuição da espiritualidade. Segundo Parrella (2004), para Tillich, não se pode separar a vida da espiritualidade. Assim, não se pode separar a vida nem a teologia da espiritualidade. É o que está no centro da espiritualidade de Tillich. Para ele, num sentido antropológico, a espiritualidade é uma “certa qualidade disponível às pessoas que buscam viver a plenitude da vida humana”. (PARRELLA, 2004, n.p.).

Nesse sentido, o autor afirma que para Tillich, plenitude significa “a totalidade da vida da fé e até mesmo a vida integral das pessoas incluindo o corpo e as dimensões físicas, psicológicas, sociais e políticas.” Incluindo o ser e o não-ser.

Acerca deste aspecto, entendemos a importância de nos voltarmos para a identidade da professora de educação infantil, para que ela possa ter um encontro consigo mesma e com aquilo

que pretende ser e fazer em seu trabalho com as crianças, na certeza de que escolheu a profissão, não imbuído por um sentimento romântico de infância e de criança, mas porque busca se conhecer e sabe qual o propósito do seu ser vivendo de forma plena dentro do universo infantil.