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CAPÍTULO 4 ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO COMO TAREFA DO ESTADO

4.4 LBOTPU e RNOTPU

Lei de Bases do Ordenamento do Território e Planeamento Urbanístico – LBOTPU

Com contribuições de TAVARES (2006) apresentamos uma retrospetiva sobre a criação da LBOTPU.

Em 1985 o Estado criou, pela primeira vez, uma lei de bases associada ao Ordenamento do Território e Urbanismo – Lei de Bases do Planeamento Urbanístico (Lei n.º 57/II/85, de 22 de Junho), estabelecendo os princípios fundamentais do planeamento urbanístico (mas não incluindo o regime urbanístico do solo).

Três anos depois, a Regulamentação Geral de Construção e Habitação Urbana (RGCHU) (Decreto-lei n.º 130/88, de 31 de Dezembro) surge com o intuito de fazer face à dinâmica dos setores de habitação e construção, carências de alojamentos e de serviços urbanos. Revogou o DL 1043, de 13 de Junho de 1950.

Mais tarde é regulada a elaboração e aprovação dos Planos Urbanísticos referidos no artigo 11º da Lei n.º 57/II/85, de 22 de Junho (Decreto n.º 87/90, de 13 de Outubro e Decreto n.º 88/90, de 13 de Outubro).

Em 1993, a Lei n.º 85/IV/93 de 16 de Julho, que estabelece as Bases do Ordenamento do Território e Planeamento Urbanístico (LBOTPU), revoga o diploma de 1985 (lei Urbanística). Esta lei surge na sequência de uma Missão a Cabo Verde de especialistas portugueses do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) (Vítor CAMPOS e Fernando GONÇALVES), no âmbito dos estudos de legislação e regulamentação urbanística (1992). Segundo TAVARES (2006), esses especialistas detetam problemas diversos, com destaque para: legislação urbanística desfasada da realidade social; indefinições da legislação em matéria de propriedade e uso do solo; conflitualidade entre proprietários e municípios dada a cedência, pelo município, da posse de terrenos sem a expropriação estar consumada; legislação demasiada exigente nos seus formalismos; dificuldade de expropriação para melhoramentos urbanos (dotação de equipamentos, infraestruturação e disponibilização de solos); elaboração de loteamentos sem apoio em Planos Urbanísticos Detalhados (PUD).

Nessa altura, a Direção Geral do Ordenamento do Território e do Ambiente (DGOTA) tinha grandes limitações em termos de técnicos. E a aplicação da lei era acompanhada por

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consultores estrangeiros que garantiam uma fraca permanência em Cabo Verde. PEREIRA (coord.), GONÇALVES, CAMPOS (1992).

Com a dinâmica territorial e a aplicação da lei de 93, constatou-se um conjunto de problemas, como a ausência de um quadro eficiente de sanções, para além de questões insuficientemente tratadas como sejam os planos especiais, a problemática do loteamento, os planos turísticos e industriais de iniciativa particular, incorreções técnicas, conceitos errados ou desatualizados (ALMEIDA, 2005). A necessidade de rever a lei veio à discussão com a realização do 1º Fórum sobre Ordenamento do Território, em 2001.

O poder público reconheceu que o quadro não era satisfatório e que os reflexos provocados no território não eram desejáveis. As autoridades começaram a tomar consciência que a persistência da falta de medidas eficazes em termos de Ordenamento do Território poderiam estar a comprometer o futuro de Cabo Verde. Falou-se em definir políticas, mudar tendências e discutir soluções.

É nesse quadro que surgiu a LBOTPU (Decreto-Legislativo n° 1/2006, de 13 de Fevereiro). No plano teórico a LBOTPU estabelece a articulação espacial dos instrumentos legalmente existentes. Concebe um sistema de ordenamento territorial que possibilita uma ação coordenada, hierarquizada e integrada de diferentes níveis de governo, das ações, planos e investimentos. Porém o sistema estabelecido ainda não foi concretizado plenamente.

Na Lei de Bases de 2006 foram detetadas incongruências e lacunas, o que implicou a sua alteração em alguns pontos em 2010, sem alterar a sua filosofia e conteúdo essencial (quadro 37).

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Quadro 37– Principais alterações à LBOTPU de 2006

Elaboração própria

Fonte: Decreto-Legislativo N 1/2006, de 13 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Legislativo N 6/2010, de 21 de Junho de 2010

Situações anteriores Alterações

O Esquema Regional de Ordenamento do Território abrange um grupo de ilhas vizinhas ou os concelhos de uma mesma ilha

A alteração possibilitou a elaboração de um EROT para uma ilha com um único concelho. Isto seria desejável, dado que o tratamento a nível regional, promovido pelo Governo, não devia excluir ilhas por terem um só Município (caso de São Vicente).

Os conceitos de homologação e ratificação, diferentes, eram utilizados para uma situação material única – a verificação pelo Governo, no quadro dos seus poderes de tutela da legalidade, da conformidade dos planos urbanísticos à lei.

A dicotomia que dava azo a confusões foi eliminada. O termo utilizado passou a ser “ratificação”, pois espelha melhor o sentido da intervenção do Governo que deve somente verificar a conformidade do plano à lei e outros planos de grau hierárquico superior e, estando em conformidade, confirmar a decisão dos órgãos municipais. “Caso se verifique desconformidade ou

ausência de plano diretor municipal, os planos de desenvolvimento urbano e os planos detalhados devem ser ratificados pelo Governo, conferindo-lhes eficácia”.

Suprimiu-se a possibilidade de ratificar/homologar PDU ou PD desconforme com o PDM, uma vez que subverte totalmente a hierarquia entre os planos urbanísticos dando lugar a arbitrariedades.

“A ratificação dos planos pode ser parcial,

aproveitando apenas à parte conforme com as normas legais e regulamentares vigentes e compatível com os instrumentos e gestão territorial eficazes”

Suprimiu-se a possibilidade de ratificação parcial dos planos. Os planos são ratificados na sua totalidade.

“A aprovação final dos PU é da competência

da AM”. De forma diferente dispõe o Estatuto

dos Municípios que confere à Câmara Municipal competência para aprovar os PD (alínea b) do nº 4 do artigo 92º do Estatuto dos Municípios).

Foi revogado a alínea b) do nº 4 do artigo 92º do Estatuto dos Municípios.

“Os instrumentos de gestão territorial

vinculativos dos particulares são

obrigatoriamente revistos no prazo e condições legalmente previstos”.

Entendeu-se que o plano deve ter um prazo de vigência mínima mas eliminou-se a obrigatoriedade de revisão, pois tal pode não ser necessário nem oportuno.

A LBOTPU não distingue claramente o âmbito de intervenção dos planos setoriais e dos planos de natureza especial, dando azo a confusões.

O âmbito de intervenção dos planos setoriais e dos planos especiais foi clarificado.

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Regulamento Nacional de Ordenamento do Território e Planeamento Urbanístico - RNOTPU

A LBOTPU de 2006 estabelece bases, princípios e objetivos gerais, mas não estabelece o regime jurídico dos planos. Assim, delegou na sua BASE XLVIII que no prazo de seis meses a contar da aprovação da mesma, o Governo apresentaria por Decreto – Lei, o Regulamento Nacional de Ordenamento do Território e Planeamento Urbanístico, para possibilitar em cada um dos âmbitos em que se exerce a ação da Administração pública, disciplinar o uso, ocupação e transformação do território. Tal não aconteceu e criou-se um vazio em termos regulamentares. A regulamentação surgiu só em 2010, num processo coordenado pela Direção Geral Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano, mas com subsídios de várias entidades e com apoios da cooperação austríaca e da Direção Geral de Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano de Portugal.

A regulamentação configura-se como um dos pilares fundamentais da nossa arquitetura legislativa relacionado com o território. Entre outras, o Regulamento Nacional de Ordenamento do Território e Planeamento Urbanístico estabelece as responsabilidades de entidades públicas e privadas; define o regime de elaboração, aprovação e execução dos instrumentos de Gestão Territorial bem como o regime de relação jurídica entre os diversos instrumentos; fixa o conteúdo material e documental dos planos; consagra o dever de fundamentação dos planos de Ordenamento do Território; fornece aos municípios instrumentos de atuação e programação da execução dos planos; estipula a repartição dos custos de urbanização.

Estabelece, ainda, o direito de participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de gestão territorial, o direito à informação sobre os instrumentos de gestão territorial em qualquer fase do processo de planeamento. No entanto, o regulamento não prevê a penalização do não cumprimento desta disposição.

Esta disposição legal trouxe novos desafios aos municípios, nomeadamente o de agilizarem o seu processo de contacto com a sua população – com a possibilidade de desenvolver novos serviços digitais, de melhorar a sua eficiência enquanto organização. Mas também constitui um desafio ao próprio organismo central responsável pelo Ordenamento do Território, que deve criar e manter atualizado um sistema que assegure o exercício do direito à informação, designadamente através do recurso a meios informáticos.

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Nesta linha, o Ministério da Descentralização, Habitação e Ordenamento do Território iniciou, em Outubro de 2009, o projeto Sistema de Informação Territorial (SIT). O SIT deve disponibilizar os planos em vigor e criar uma plataforma colaborativa comum de trabalho entre organismos públicos com responsabilidade territorial, permitindo assim a consulta e um melhor acompanhamento dos planos em vigor. No entanto, há desafios que se impõem na criação de um SIT, impõe novos desafio, nomeadamente alterar a cultura das instituições na partilha de informação, o investimento avultado em infraestrutura de suporte e recursos humanos capacitados.

Em termos gerais, não obstante as alterações que possa vir a sofrer, o regulamento apresenta aspetos positivos e constitui um passo importante no sentido de se continuar a aperfeiçoar o regime de elaboração e execução dos planos, os procedimentos de consulta, a concertação e participação dos interessados.

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