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Legislação após a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

3 CONTEXTUALIZAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA

3.4 EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO ATRAVÉS DA HISTÓRIA

3.4.3 Legislação após a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

A Carta Magna de 1988 incluiu, além das ilhas oceânicas, as ilhas costeiras, excluindo apenas àquelas de domínio dos Estados e sede de municípios. Tobias (2017) observa que “[...] em 1988, a Constituição dispôs, no art. 20, VII, que os terrenos de marinha e acrescidos seriam de propriedade da União, ocorrendo pela primeira vez a constitucionalização do direito de propriedade do ente federal sobre essas faixas de terra. [...]”

Assim, os bens pertencentes à União foram definidos no art. 20 da CRFB/88: Art. 20. São bens da União:

[...]

IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)

[...]

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; (BRASIL, 1988)

Tobias (2017) ressalta ainda o art. 49, § 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que estabelece a enfiteuse como regime aplicado obrigatoriamente aos terrenos situados na faixa de segurança. Logo, conclui o autor:

[...] imóveis em zona de marinha situados fora dessa faixa de segurança (nunca demarcada, diga-se de passagem), poderiam ser alienados em concorrência pública (venda da propriedade plena), aforados (também em concorrência pública com direito de preferência para ocupantes em determinadas situações) ou submetidos ao regime de ocupação, tudo segundo os critérios de conveniência econômica, militar e administrativa.

A definição do que se entende por “faixa de segurança” é encontrada no Decreto Lei 9760/1946, em seu Art. 100: “[...] quando se tratar de terrenos situados dentro da faixa de fronteiras, da faixa de 100 (cem) metros ao longo da costa marítima ou de uma circunferência de 1.320 (mil trezentos e vinte) metros de raio em torno das fortificações e estabelecimentos militares;” (BRASIL, 1946)

O art. 134 do Decreto-lei 9.760/1946 foi revogado em 1987, alterando assim as regras de alienação das propriedades da União, descritas agora pelo art.. 23 da Lei 9.636 de 15 de maio de 1998:

Art. 23. A alienação de bens imóveis da União dependerá de autorização, mediante ato do Presidente da República, e será sempre precedida de parecer da SPU quanto à sua oportunidade e conveniência.

§ 1o A alienação ocorrerá quando não houver interesse público, econômico ou social em manter o imóvel no domínio da União, nem inconveniência quanto à preservação ambiental e à defesa nacional, no desaparecimento do vínculo de propriedade. § 2o A competência para autorizar a alienação poderá ser delegada ao Ministro de Estado da Fazenda, permitida a subdelegação. (BRASIL, 1998)

Em 1998, inovações foram introduzidas ao gerenciamento dos bens públicos, incluindo os terrenos de marinha e seus acrescidos, por meio da Lei 9.636/98. O objetivo da lei consistia em regularizar as ocupações e promover a utilização ordenada dos bens da União. (NIEBUHR, 2004).

Entre outras delimitações, a Lei 9.636/98 trata do cadastramento das ocupações, vedando o cadastramento de ocupações ocorridas após 15 de fevereiro de 1997 (data da publicação da Medida Provisória que deu origem a essa lei), ou que:

[...] estejam comprometendo áreas de uso comum, de segurança nacional, de preservação ambiental, das necessárias à proteção dos ecossistemas naturais, das reservas indígenas, das ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos, das vias federais de comunicação, das reservadas para construção de hidrelétrica ou congêneres. (BRASIL, 1998)

A Lei 9.636/98 ainda detalha prazos e condições de pagamento para a aquisição do domínio útil dos terrenos, sujeitando-se assim, ao regime de aforamento ou enfiteuse. Também determina as regras para o direito de preferência aos ocupantes, para o aforamento. Além do que determina a aplicação de contrato de cessão onerosa aos ocupantes que atenderem aos requisitos previstos na lei, passando a ser cessionários. (NIEBUHR, 2004)

Porém, conforme destaca Niebuhr (2004), como são atos precários, tanto a ocupação quanto a cessão onerosa permitem que a União possa imitir-se na posse desses terrenos, a qualquer tempo, para a satisfação de interesse público. Ocorre que, na sua quase totalidade, há construções, acessões, benfeitorias, que conforme a época em que foram instaladas, obedecem a um dispositivo de lei, ora reconhecendo o direito de indenização dessas benfeitorias, ora destituindo quaisquer direitos de restituição sobre essas benfeitorias, por parte da União. Por exemplo, as benfeitorias realizadas após o período de 13 de julho de 1977, não são indenizáveis, conforme o §1º do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1.561 de 13 de julho de 1977, assim transcrito: “A inscrição, ressalvados os casos de preferência ao aforamento, terá sempre caráter precário, não gerando, para o ocupante, quaisquer direitos sobre o terreno ou a indenização por benfeitorias realizadas.” (BRASIL, 1977)

A Lei 9.636/98 também acrescentou a permissão de uso, outra forma de utilização dos bens da União, em seu artigo 22:

A utilização, a título precário, de áreas de domínio da União para a realização de eventos de curta duração, de natureza recreativa, esportiva, cultural, religiosa ou educacional, poderá ser autorizada, na forma do regulamento, sob o regime de permissão de uso, em ato do Secretário do Patrimônio da União, publicado no Diário Oficial da União.

Como já mencionado anteriormente, a Lei 9.636/98 normatiza as formas de alienação dos bens da União. Niebuhr (2004) descreve as três formas de alienação: a venda, na qual se paga o preço certo pelo imóvel da União e é realizada por licitação ou leilão; a permuta, na qual se troca um bem pelo outro e pode ser ou não realizada por licitação, conforme requisitos descritos em lei; por último, a doação, na qual são transferidos para outrem, patrimônio, bens ou vantagens.

Ainda na Lei 9.636/98 foram modificadas as regras de administração da utilização dos imóveis da União, permitindo a participação da iniciativa privada, através de convênios firmados para a realização dessa atividade.

Art. 38. No desenvolvimento do PROAP (Programa de Administração Patrimonial Imobiliária da União), a SPU priorizará ações no sentido de desobrigar-se de tarefas operacionais, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante convênio com outros órgãos públicos federais, estaduais e municipais e contrato com a iniciativa privada, ressalvadas as atividades típicas de Estado e resguardados os ditames do interesse público e as conveniências da segurança nacional. (BRASIL, 1998)

A Lei nº 11.481, de 31 de maio de 2007, determinou, entre outras medidas, a unificação das informações sobre os bens da União, que deveriam conter: a localização e a área; a respectiva matrícula no registro de imóveis competente; o tipo de uso; a indicação da pessoa física ou jurídica à qual, por qualquer instrumento, o imóvel tenha sido destinado; o valor atualizado, se disponível. Além do que determina a publicidade dessas informações na internet e outros meios (Brasil, 2007).

A Lei 11.481/2007 também prevê a regularização e o cadastramento da população de baixa renda que ocupa terras da União em áreas urbanas. Para os demais particulares, a lei determina o cadastramento para cobrança de taxa de ocupação. Porém, conforme o artigo 9º da referida lei:

É vedada a inscrição de ocupantes que: [...]

II - estejam concorrendo ou tenham concorrido para comprometer a integridade das áreas de uso comum do povo, de segurança nacional, de preservação ambiental ou necessárias à preservação dos ecossistemas naturais e de implantação de programas ou ações de regularização fundiária de interesse social ou habitacionais das reservas indígenas, das áreas ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos, das vias federais de comunicação e das áreas reservadas para construção de hidrelétricas ou congêneres, ressalvados os casos especiais autorizados na forma da lei. (BRASIL, 2007)

A normatização da cessão de uso dos imóveis da União também foi alterada pela Lei 11.481/2007. O artigo 18 prevê que os imóveis podem ser cedidos aos Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades sem fins lucrativos das áreas de educação, cultura, assistência social ou saúde; também às pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional. Em relação às pessoas carentes, além de permitir a cessão gratuita de direitos enfitêuticos através do art. 19, a lei segue o dispositivo do art. 7º do Decreto-Lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967:

É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas. (BRASIL, 1967)

A concessão de uso especial para fins de moradia foi uma modalidade incluída pela lei 11.481/2007 para os possuidores ou ocupantes que atenderem a certos requisitos, conforme a Medida Provisória nº 2.220 de 04 de setembro de 2001, como por exemplo renda familiar, área máxima de fração de cada ocupante, podendo a cessão inclusive ser transmitida

inter vivos ou causa mortis. E a venda do domínio útil, no caso de projeto de caráter social

para fins de moradia, obedecerá a critérios de análise de renda familiar, prazos e formas de pagamento (Brasil, 2007).

A doação, que havia sido instituída em 2006, foi modificada pela Lei 11.481/2007, passando a ser autorizada mediante ato do Poder Executivo aos “[...]I - Estados, Distrito Federal, Municípios, fundações públicas e autarquias públicas federais, estaduais e municipais; II - empresas públicas federais, estaduais e municipais.” Ao donatário é vedada a alienação do imóvel, o uso diverso daquele estabelecido. Outrossim, o donatário não deve ter renda familiar acima de cinco salários mínimo e nem possuir outro imóvel, urbano ou rural (Brasil, 2007).

A Lei 13.139 de 26 de junho de 2015 trouxe outras alterações ao regime dos terrenos de marinha, no que diz respeito ao prazo máximo - 10 de junho de 2014 - das ocupações como requisito de cadastramento junto à SPU, aos critérios para os tipos de imóveis sujeitos ao aforamento, aos requisitos para os ocupantes na concessão do aforamento (BRASIL, 2015)

Farto (2018) relata que ao longo da história as ocupações dos terrenos federais foram sendo toleradas pela União, pela ausência de fiscalização. Não há possibilidade de usucapião nesses imóveis, uma vez que os bens públicos são imprescritíveis, conforme a CRFB/88, em seu artigo 183, §3º e artigo 191, parágrafo único.

No regime de ocupação, o bem pertence integralmente à União, ou seja, não há divisão do domínio. “[...] Trata-se, a rigor, de ato administrativo unilateral e precário, realizado, historicamente, sem critério algum, em desalinho ao preceito isonômico, pelo que, através dele, se concedeu uma série de privilégios a apadrinhados.” (NIEBUHR, 2004)

Farto (2018), ainda alerta que, excetuadas as ocupações consideradas de boa-fé, essa relação precária pode ser revista pela União a qualquer tempo, conforme artigos 71 e 132 do decreto 9.760/46:

Art. 71. O ocupante de imóvel da União sem assentimento desta, poderá ser sumariamente despejado e perderá, sem direito a qualquer indenização, tudo quanto haja incorporado ao solo

[...]

Parágrafo único. Excetuam-se dessa disposição os ocupantes de boa fé, com cultura efetiva e moradia habitual, e os direitos assegurados por êste Decreto-lei.

[...]

Art. 132. A União poderá, em qualquer tempo que necessitar do terreno, imitir-se na posse do mesmo, promovendo sumariamente a sua desocupação. (BRASIL, 1946) A Lei 13.465 de 11 de julho de 2017 disciplinou novamente o regime enfitêutico dos terrenos de marinha em relação à remição do aforamento, dentre os quais, podemos destacar a possibilidade de remição do foro mediante pagamento do valor correspondente ao domínio direto do terreno. Diogo Farto (2018) faz uma crítica sobre a possibilidade de remissão do aforamento porque novamente o legislador ignorou “[...] o fato de que a maioria dos imóveis da União é apenas ocupada por particulares, que não têm sequer o domínio útil desses bens, eis que cadastrados na SPU sob o regime de mera ocupação [...], não sendo, portanto, detentores do direito de remição de foro.

É importante salientar que há exceções, tanto para a remição do aforamento, quanto para a alienação dos terrenos de marinha. A Lei 13.465/17 especifica que não poderão ser alienados os terrenos de marinha que estejam em Área de Preservação Permanente e que não estejam situados em área urbana, que devem possuir pelo menos três das seguintes características: drenagem de águas pluviais; esgotamento sanitário; abastecimento de água potável; distribuição de energia elétrica; limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos (BRASIL, 2017).

A mais atual medida de regulamentação dos terrenos de marinha encontra-se na Lei nº 14.011, de 10 de junho de 2020. Sua principal determinação diz respeito à possibilidade de apresentação de proposta de compra desses terrenos por qualquer interessado, desde que o imóvel esteja cadastrado pela SPU, agora Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (ALBUQUERQUE e CUNHA, 2020).

Segundo Cristiana Fortini (2020) o principal objetivo da Lei nº 14.011/2020 é aprimorar os procedimentos de gestão e alienação dos imóveis da União, alterando diversas leis, principalmente a Lei 9.636/98.

A União possui inúmeros imóveis sem finalidade e/ou abandonados e que, além de gerarem despesas, estão descumprindo com sua finalidade social, “[...]flecha obrigacional que também alcança a propriedade pública”. (FORTINI, 2020).

Sobre a importância da Lei nº 14.011/2020 Albuquerque e Cunha (2020) complementam:

Muitos são os casos de imóveis em situação de abandono (alvo de invasões e depredações); imóveis em risco iminente de colapso; imóveis acumulados pela União decorrentes da apreensão de ilícitos, extinção de órgãos e entidades públicas que se poderia dar destinação econômica diversa, gerando renda para o poder público e, ao mesmo tempo, desonerando a União com a manutenção dos referidos imóveis.

Segundo Albuquerque e Cunha (2020), a excessiva burocratização do procedimento de alienação dos imóveis da União leva os potenciais compradores a desistirem da aquisição desses imóveis. Daí a importância da Lei nº 14.011/2020, que propõe modernizar e agilizar o sistema de avaliação dos imóveis, da remição do aforamento, do processo licitatório, da gestão de ocupação e do acompanhamento e monitoramento dos dados patrimoniais.

Para melhor explicitar a referida Lei, tem-se o art. 1º que diz:

Art. 1º É o Poder Executivo autorizado, por intermédio da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, a executar ações de identificação, de demarcação, de cadastramento, de registro e de fiscalização dos bens imóveis da União e a regularizar as ocupações desses imóveis, inclusive de assentamentos informais de baixa renda, e poderá, para tanto, firmar convênios com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em cujos territórios se localizem e, observados os procedimentos licitatórios previstos em lei, celebrar contratos com a iniciativa privada. (BRASIL, 2020).

Na prática, a medida busca facilitar a venda de imóveis da União, através de descontos e leilões. Porém, nas regiões em que ainda não houve a demarcação ou mesmo onde há processos controversos dessas demarcações, essa lei não trouxe nenhuma alteração substancial no que diz respeito às questões de aforamento e ocupação (ASSUNÇÃO, 2020).

Porquanto sejam insuficientes a alterações da última lei em comento, a próxima seção pretende tratar das formas de utilização dos terrenos de marinha como bens da União, bem como de importantes e controversas questões acerca da utilização desses terrenos.

4 AS FORMAS E AS QUESTÕES CONTROVERSAS NA UTILIZAÇÃO DOS

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