• Nenhum resultado encontrado

Legislação nos períodos Colonial e Imperial

3 CONTEXTUALIZAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA

3.4 EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO ATRAVÉS DA HISTÓRIA

3.4.1 Legislação nos períodos Colonial e Imperial

No ano de 1500, com a chegada dos portugueses ao Brasil, todas as terras passaram ao domínio da Coroa Portuguesa. Juliana Maria Cerutti Castro e Rodrigo Reis Pastore (2002) alertam:

Ao aportar onde hoje é o Estado da Bahia, Cabral tomou posse do território encontrado em nome do Rei de Portugal... Desta forma, valendo-se do poderio bélico e científico que detinham, os colonizadores aqui chegados transferiram para a Coroa Portuguesa, de uma só vez, toda a amplidão da “Nova Terra”, recém descoberta. Podendo-se afirmar que da chegada dos portugueses ratificou-se o esbulho da posse indígena em favor de Portugal.

Para que se pudesse explorar economicamente e proteger das invasões estrangeiras, as novas terras foram inicialmente divididas em Capitanias Hereditárias. Nessas terras, cada Capitão donatário poderia conceder a posse de uma porção a quem tivesse interesse de cultivá-la. Tais porções concedidas eram chamadas de Sesmarias (FREDERICO e CARNEIRO, 2016).

As terras próximas do mar, em toda a costa brasileira receberam tratamento diferenciado pela Coroa Portuguesa, o que pode ser observado pelo conteúdo das inúmeras Ordens Régias que tratam das “marinhas”, como a Ordem Régia de 10 de janeiro de 1732, que estabelece ao serviço público a reserva de 15 braças craveiras (33 metros) até onde chegavam as águas do mar para o lado da terra (TOBIAS, 2017).

De acordo com Helzio Mascarenhas (2016), os terrenos de marinha tiveram origem na legislação portuguesa sobre sua propriedade em relação às marinhas de sal, ou salinas, às quais pertenciam ao Patrimônio Real e deveriam ser reservadas ao Estado.

No Brasil, a justificativa para a criação da norma jurídica de reserva sobre essa propriedade, foi “assegurar às populações e à defesa nacional o livre acesso ao mar e às áreas litorâneas”. Além disso, havia a preocupação da Administração da Coroa a respeito das edificações que estavam sendo construídas na orla marítima da cidade do Rio de Janeiro, então sede do Governo (LEIVAS, 1977, apud OLIVEIRA, 2008).

Neste cenário, a Lei Orçamentária de 1831 colocou à disposição das Províncias os terrenos de marinha que fossem reclamados ao Ministro da Fazenda, sendo que destes terrenos, poderiam ser aforados aqueles que se julgassem convenientes, bem como estipular o foro daqueles que já tinham sido concedidos. Então o Aforamento ou Enfiteuse passa a ser aplicado sob os terrenos de marinha, constituindo-se de fonte de arrecadação para os cofres da Coroa de Portugal (TOBIAS, 2017).

Aqui, cabe o esclarecimento do conceito de aforamento ou enfiteuse, adotado pelo Poder Público como forma de controle administrativo da ocupação dos terrenos de marinha. Castro e Pastore (2002) conceituam este instituto, aplicado aos terrenos de marinha, objeto de nosso estudo:

Aforamento ou Enfiteuse é o contrato pelo qual a União, proprietária do terreno, atribui a terceiros, gratuita ou onerosamente, o seu domínio útil, mediante pagamento anual de foro. Desta forma, o foreiro passa a ser titular de direito real

sobre o terreno, transmissível a seus herdeiros e passível de alienação a terceiros, hipótese em que a União, havendo interesse público, poderá exercer seu direito de preferência para a integralização do domínio pleno.

Em 1832 foi estabelecida, através da Instrução de 14 de novembro, a norma jurídica sobre a distância de 33 metros, que seriam medidos a partir da preamar (média entre as marés cheias) do ano de 1831. Esta medida permaneceu inalterada até os dias de hoje (TOBIAS, 2017).

Ensina Santos (1985, p. 122) que: “[...] A linha da preamar média de 1831 é determinada pela interseção do plano horizontal que contém o ponto definido pela cota básica, com o terreno, considerando-se, caso tenha ocorrido qualquer modificação, sua configuração primitiva.”

Segundo Lima (apud OLIVEIRA, 2008), justifica-se a escolha dessa medida de referência pelo provável desconhecimento dos legisladores da época a respeito da variação do nível do mar, tanto no tempo quanto no espaço.

Em 1822, com o Brasil Império independente de Portugal, passaram ao seu domínio eminente todos os imóveis que anteriormente pertenciam à Coroa Portuguesa. A propriedade particular, prevista na Constituição de 1824, foi reconhecida legalmente mais tarde, pela Lei 601/1850, a Lei de Terras. Esta lei extinguiu o regime de sesmarias e mudou substancialmente o sistema de apropriação de terras. “[...] O direito à terra deixou de ser condicionado à efetiva ocupação e aproveitamento. As sesmarias foram reconhecidas e legitimadas com títulos, e as demais terras, sem destinação, foram caracterizadas como devolutas [...]” (PEREIRA e SCHVARSBERG, 2019, p. 02).

A regulamentação da propriedade deu-se pelo Decreto nº 1318-1854. Como afirma Tobias (2017):

Naquele ano de 1850, portanto, se inaugurou formalmente a base da cadeia dominial privada e pública do Brasil. Surgiram os primeiros proprietários de imóveis particulares legalmente reconhecidos como tais. Imóveis públicos também foram legalmente discriminados: Eram os de propriedade do Império aplicados a algum uso público nacional, provincial, ou municipal e os que não foram considerados particulares pela própria Lei de Terras.

Lílian Frederico e Andréa Carneiro (2016), também comentam sobre essa legislação no que concerne à administração dos bens públicos:

No ano de 1854, no período imperial, surge a primeira legislação que determina a administração dos bens públicos. O órgão responsável era a Repartição Geral das Terras Públicas, encarregado de administrar e cadastrar as terras que foram negociadas através do regime de sesmarias, o que não foram utilizadas. Essas terras, que se encontravam sem uso, foram denominadas terras devolutas.

A relevância desses apontamentos reside no fato de que o registro dos terrenos de marinha, bem como os contratos de aforamento se dava de forma apartada dos demais registros públicos imobiliários. Todas as operações cadastrais relativas aos terrenos em área de marinha que tramitavam nas repartições estaduais eram encaminhadas e arquivadas na Corte do Rio de Janeiro (FREDERICO e CARNEIRO, 2016).

Além disso, havia o cadastramento de imóveis e a concessão de títulos sem a prévia demarcação da Linha de Preamar Média. Para Emmanuel Tobias (2017), “[...] no curso da história essa prática se tornou comum com consequências deletérias para todos os envolvidos no parcelamento do solo e na aquisição dos lotes costeiros.”

O Decreto nº 4.105 de 22 de fevereiro de 1868 traz uma justificativa para a existência dos terrenos de marinha, assim transcrito em seu preâmbulo:

Reconhecendo quanto é importante semelhante concessão, a qual, além de conferir direitos de propriedade aos concessionarios, torna os ditos terrenos productivos e favorece, com o augmento das povoações, o das rendas publicas.

Attendendo á necessidade de regular a fórma da mesma concessão no interesse, não só do dominio nacional e privado, como no da defesa militar, alinhamento e

regularidade dos cáes e edificações, servidão publica, navegação e bom estado dos portos, rios navegaveis e seus braços; [...] (grifo nosso)

Apresentadas as situações fáticas que justificaram a criação do instituto dos terrenos de marinha, bem como suas determinações legais, na próxima seção serão apontadas as leis que regem este instituto no Brasil República.

Documentos relacionados