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A segurança jurídica nas formas de utilização dos terrenos de marinha

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Academic year: 2021

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ARIANIS DE SOUZA BARRETO

A SEGURANÇA JURÍDICA NAS FORMAS DE UTILIZAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA

Florianópolis 2020

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ARIANIS DE SOUZA BARRETO

A SEGURANÇA JURÍDICA NAS FORMAS DE UTILIZAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Prof. MSc Deisi Cristini Schveitzer.

Florianópolis 2020

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ARIANIS DE SOUZA BARRETO

A SEGURANÇA JURÍDICA NAS FORMAS DE UTILIZAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Florianópolis, (dia) de (mês) de (ano da defesa).

______________________________________________________ Professora e orientadora Prof. MSc Deisi Cristini Schveitzer

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Nome do Professor, titulação

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Nome do Professor, titulação

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

A SEGURANÇA JURÍDICA NAS FORMAS DE UTILIZAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de Conclusão de Curso.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Florianópolis, dia de mês de ano.

____________________________________

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Dedico esse trabalho à minha mãe, Marilys, minha inspiração de vida, minha amiga, mulher, guerreira, Professora, Pedagoga, Especialista em Educação Sexual, Mestre em Psicopedagogia, que se formou Psicóloga aos 67 anos, ajuda um monte de gente e espalha luz por onde passa.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais que me trouxeram a esse mundo. Agradeço à minha família que me apoia e me ampara nos momentos bons e maus, nas vitórias e nas derrotas.

Agradeço aos meus amigos, aos novos, aos velhos, àqueles que ficaram em algum lugar, mas ainda me têm em seus corações.

Agradeço aos professores que se tornaram meus amigos, e também àqueles que me ensinaram sem serem meus amigos.

Agradeço à professora Deisi Cristini Schveitzer, que mesmo de forma virtual pode me dar todo o seu calor humano.

Agradeço, enfim, ao mundo que se abre para mim a cada dia, ao futuro que chega cheio de oportunidades de ser contribuição a todas as pessoas que vierem.

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“A felicidade não é determinada por aparência, beleza física, fortuna ou bens materiais. É definida pela força interior de realizar a transformação do destino e pela boa sorte, acumulada por si próprio.” (Daisaku Ikeda).

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RESUMO

Esta pesquisa pretende tratar do instituto dos Terrenos de Marinha no ordenamento jurídico brasileiro, com o objetivo de verificar a segurança jurídica nas formas de sua utilização, considerando a legislação no contexto histórico, desde a origem até o momento atual. Para alcançar o objetivo geral, foi utilizado o método dedutivo de abordagem, pois a conceituação parte da relação que o instituto estabelece com as teorias da posse e da propriedade, porque se caracteriza como propriedade da União ao mesmo tempo em que é objeto de posse de quem o utiliza. A seguir foram explicitados os conceitos fundamentais que envolvem os terrenos de marinha, suas características e a evolução histórica que traçou uma linha do tempo na apresentação das alterações legislativas desse instituto. Finalmente foram identificadas as atuais formas de utilização dos terrenos de marinha e discorreu-se sobre as principais questões de ordem jurídica e administrativa acerca da sua utilização, no que tange às dificuldades encontradas pelo Poder Público e pelos operadores do direito em cumprir as determinações legais que regem este instituto. A natureza da pesquisa é qualitativa, com método de procedimento monográfico e técnica de pesquisa bibliográfica, tendo como base a legislação pertinente ao assunto, doutrinas e artigos científicos.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 9

2 OS INSTITUTOS DA POSSE E PROPRIEDADE À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ... 11

2.1 ASPECTOS RELEVANTES DA POSSE ... 11

2.1.1 Conceito e teorias que justificam a posse ... 11

2.1.2 Classificação da posse ... 14

2.1.3 A aquisição da posse ... 18

2.1.4 A perda da posse ... 19

2.2 O INSTITUTO DA PROPRIEDADE E SUAS NUANCES ... 20

2.2.1 Aspectos históricos e teorias que justificam a propriedade... 20

2.2.2 Conceito de propriedade ... 23

2.2.3 Função social da propriedade ... 25

2.2.4 A propriedade dos Bens Públicos ... 27

3 CONTEXTUALIZAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA ... 29

3.1 CONCEITO DE TERRENOS DE MARINHA ... 29

3.2 CONCEITO DE TERRENOS ACRESCIDOS DE MARINHA ... 31

3.3 CONCEITO DE TERRENOS ALODIAIS ... 32

3.4 EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO ATRAVÉS DA HISTÓRIA ... 32

3.4.1 Legislação nos períodos Colonial e Imperial ... 32

3.4.2 Legislação no Brasil República ... 35

3.4.3 Legislação após a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ... 38

4 AS FORMAS E AS QUESTÕES CONTROVERSAS NA UTILIZAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA ... 44

4.1 AS FORMAS DE UTILIZAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA ... 44

4.1.1 A locação dos bens da União ... 44

4.1.2 O aforamento dos bens da União ... 45

4.1.3 A cessão de uso dos bens da União ... 46

4.1.4 A ocupação dos bens da União ... 47

4.1.5 A concessão de uso especial para fins de moradia ... 49

4.1.6 A permissão de uso ... 50

4.2 QUESTÕES CONTROVERSAS ACERCA DOS TERRENOS DE MARINHA ... 51

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4.2.2 Os terrenos de marinha e a proteção ambiental... 53

4.2.3 Os cadastros de aforamento e ocupação ... 54

4.2.4 A segurança jurídica nas formas de utilização dos terrenos de marinha ... 55

5 CONCLUSÃO ... 59

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como por objetivo verificar a segurança jurídica das formas de utilização dos Terrenos de Marinha de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro.

A motivação da pesquisadora se deu pela necessidade de conhecer mais a respeito dessas áreas em razão de sua atividade como corretora de imóveis em cidades litorâneas como Santos e Florianópolis. Mais especificamente, o interesse se deu em relação à segurança jurídica das operações de compra e venda de imóveis localizados em terrenos de marinha.

Por conseguinte, o problema da pesquisa consiste em averiguar a segurança jurídica nas formas de utilização desses terrenos que estão localizados em áreas privilegiadas e de alto valor econômico, além de inestimada importância ao meio ambiente. Desta forma, procurar-se-á identificar as principais dificuldades jurídicas e administrativas na aplicação da legislação acerca do instituto e as soluções já propostas para aperfeiçoar o gerenciamento do Poder Público sobre estes terrenos.

A metodologia utilizada para o desenvolvimento deste trabalho foi a dedutiva, pois partiu-se dos conceitos da posse e da propriedade, para alcançar os terrenos de marinha como propriedade da União. O método qualitativo também foi utilizado, pela técnica da pesquisa bibliográfica, com base nas doutrinas, legislações, trabalhos acadêmicos, jurisprudências e artigos jurídicos atuais dos sites públicos. Por fim, utilizou-se o método de procedimento monográfico.

Esta monografia será dividida em cinco capítulos, em assuntos distintos, porém relacionados. O primeiro capítulo consiste na presente introdução que contextualiza o tema, faz a síntese de cada assunto relacionado a este tema, apresenta o problema da pesquisa, a metodologia utilizada na construção da monografia e a estruturação do trabalho.

O segundo capítulo apresentará os aspectos relevantes dos institutos da posse e da propriedade no ordenamento jurídico brasileiro, abrangendo seus principais conceitos e teorias, características e função social.

No terceiro capítulo serão apresentados os conceitos que envolvem o instituto dos terrenos de marinha e como evoluiu sua legislação ao longo da história, da origem no período colonial brasileiro às modificações da Lei nº 14.011, de 10 de junho de 2020.

O quarto capítulo trará as formas de utilização desses terrenos como bens da União por meio da enfiteuse, locação, cessão, ocupação, permissão e concessão de uso especial para fins de moradia e abordará as principais questões práticas em relação à aplicação das leis que regem este instituto, em seus aspectos jurídicos e administrativos.

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O quinto e último capítulo trará a conclusão desta monografia, onde serão apresentados os principais aspectos abordados no desenvolvimento deste trabalho e as possíveis contribuições encontradas pela pesquisa bibliográfica relacionada na busca da resposta do problema.

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2 OS INSTITUTOS DA POSSE E PROPRIEDADE À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Este capítulo objetiva abordar os institutos da posse e da propriedade, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro.

2.1 ASPECTOS RELEVANTES DA POSSE

O instituto da posse é elemento conceitual indispensável para a compreensão do que se entende por terrenos de marinha. Outrossim, para entender as implicações jurídicas que envolvem os terrenos de marinha, a diferenciação entre posse e propriedade é essencial, uma vez que o que sustenta seu conceito é justamente a propriedade da União e a posse do particular.

Esta seção abordará o conceito de posse e as duas principais teorias que explicam a posse, a teoria subjetiva de Fréderic Carl von Savigny1 e a teoria objetiva de Rudolf von Ihering2, a classificação, a aquisição e a perda.

2.1.1 Conceito e teorias que justificam a posse

Alguns autores defendem a origem da posse nas conquistas romanas. As terras conquistadas eram distribuídas com condições de que fossem produtivas. Em troca havia a proteção do Poder Público e era transferida somente a posse, podendo as terras serem retomadas a qualquer tempo, de acordo com arbítrio do Estado (RIZZARDO, 2016).

Maria Helena Diniz (2014, grifo da autora), observa que a palavra posse muitas vezes é utilizada de forma imprópria, dando sentido de “propriedade”, “condição de aquisição do domínio”, “domínio político”, “exercício de um direito” “compromisso do funcionário público”, ou “poder sobre uma pessoa”.

___________________

1. Fréderic Carl von Savigny – Nasceu em Frankfurt, na Alemanha em 1779 e faleceu em 1861. Foi um dos mais respeitados e influentes juristas do século XIX. Como principal representante da Corrente Histórica, Savigny era contra a codificação e acreditava que o Direito era um organismo vivo, pois o povo vai modificando o Direito e a sua fonte será fundamentalmente o costume do povo. (MACHADO, 2020)

2. Rudolf von Ihering - Nascido em Aurich, na Alemanha, no ano de 1818, Rudolf Von Ihering foi um notável jurista e romancista do século XIX. Foi o paladino da concepção do direito como produto social e fundador do método teleológico. Defende que “a vida do direito é a luta, a luta de povos, de governos, de classes, de indivíduos”. A produção cientifica de Ihering é caracterizada por dois momentos bem nítidos: o primeiro, pela influência da Escola Histórica (Ihering foi aluno de Savigny); o segundo, pela narração de cunho lógico-estrutural, decorrente da influência do positivismo filosófico. (FERNANDES, 2020)

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A fim de justificar a posse como categoria jurídica surgiu na Alemanha no início do séc. XIX, duas teorias: a teoria subjetiva e a teoria objetiva da posse. A primeira teve como principal idealizador Fréderic Carl von Savigny e a segunda teve como expoente Rudolf von Ihering. Assim, para Savigny a posse é um poder físico direto da pessoa sobre um bem com a intenção de o ter para si. Possui dois elementos: corpus, que é o elemento material da posse e

animus domini, que consiste na intenção de ter a coisa para si. Ihering acredita que basta que

se disponha fisicamente da coisa para que seja constituída a posse, dispensando-se, portanto a intenção de ser dono, tendo a posse apenas o elemento corpus (TARTUCE, 2020).

Além disso, para Ihering é irrelevante o animus domini na qualificação da posse pois raramente se pode distinguir se há vontade de possuir em nome próprio ou em nome de outrem (SCHREIBER, 2020).

Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho (2020) observam existir certa convergência entre as ideias de Savigny e Ihering, embora suas linhas conceituais guardem significativas diferenças. Porquanto haja no possuidor o comportamento do possuidor como se fosse proprietário, no intuito de dar à coisa destinação econômica, a posse, segundo Ihering tem uma perspectiva objetiva. Em Savigny, visto que o elemento da intenção seja enfatizado como qualificador da posse, percebe-se ser esta uma teoria subjetiva (DINIZ, 2014).

Anderson Schreiber (2020) explicita, na teoria de Savigny, a diferença entre a posse e a mera detenção: o possuidor tem intenção de ser dono, animus domini, e o detentor não possui tal intenção, o que caracteriza uma das diferenças conceituais importantes entre as duas teorias da posse, pois para Ihering não há distinção ontológica entre a posse e a detenção, ambas exprimem aparência de propriedade.

Com efeito, Diniz (2014) observa que, segundo a teoria de Savigny, os locatários, mandatários, comodatários e depositários são meros detentores, sem animus domini e, portanto, não possuem poder sobre a coisa, ou seja, não possuem proteção possessória. Em contrapartida, o objetivismo da teoria de Ihering permite que se considere possuidor o locatário, comodatário, mandatário e depositário, pois o que importa para Ihering é o uso econômico e a destinação socioeconômica do bem:

Um claro exemplo de tudo nos é fornecido pelo próprio Ihering, quando afirma: se encontrarmos num bosque um feixe de lenha devidamente amarrado, está evidente, devido à situação da própria coisa, que ele está sob a posse de alguém e que não podemos nos apossar dele sem cometermos um furto; diferentemente ocorre, se nos depararmos com um maço de cigarros tombado, que denuncia abandono ou perda porque não é ali o seu lugar adequado, onde cumpre sua destinação econômica. (IHERING,1998, p. 207 apud DINIZ, 2014, p. 50)

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A natureza jurídica da posse também é objeto de debate entre as duas teorias na distinção da posse como fato ou como um direito. Para Savigny, a posse é um fato, mas quando considerada em seus efeitos configura-se em um direito. Como exemplo tem-se a usucapião e os interditos possessórios (SCHREIBER, 2020).

Arnaldo Rizzardo (2016, p. 25) mostra haver situações em que a posse é simplesmente um fato e outras em que a posse é fato, porém revestida de direito preexistente:

Em síntese, há posses emanadas de um direito preexistente, como no caso, v.g., do locatário; ou que se apresentam como uma situação de fato, na hipótese de ocupação por abandono, por invasão, ou por apreensão, não importando a presença de vícios, em que o direito à mesma é relativo, exercitável somente contra estranhos e não contra o titular do domínio, até completar-se a prescrição aquisitiva.

Silvio Venosa (2017, p. 38) afirma que, para Savigny, a posse como situação de fato “[...] é protegida, não somente porque aparenta um direito, mas também a fim de evitar violência e conflito [...] A lei se preocupa em proteger o possuidor, [...] ainda que este não tenha relação juridicamente perfeita e técnica com a coisa.”

Diniz (2014) sintetiza a teoria de Ihering sobre a posse como sendo exteriorização da propriedade:

[...] a posse é condição de fato da utilização econômica da propriedade; o direito de possuir faz parte do conteúdo do direito de propriedade; a posse é meio de proteção do domínio; a posse é uma rota que conduz à propriedade, reconhecendo, assim, a posse como um direito.

Enfim, estas duas teorias esgotaram de tal modo a discussão sobre o tema da posse que se pode afirmar que não houve nada de significativo sobre esse estudo após as obras de Savigny e Ihering. “[...] Todo o estudo contemporâneo da posse é guiado pela contraposição entre os pensamentos dessas duas personalidades.” O Código Civil se utiliza de soluções inspiradas tanto na teoria subjetiva de Savigny quanto na teoria objetiva de Ihering (BESSONE, 1988, p. 224, apud SCHREIBER, 2020, p. 408).

O Código Civil de 2002 manteve o conceito do Código de 1916, definindo a posse segundo a doutrina de Ihering, prevista no art. 1.196: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. (BRASIL, 2002)

Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2019, p. 1036), “[...] a posse é uma circunstância fática tutelada pelo Direito [...]”, não sendo um direito real, porquanto não seja revestida de “tipicidade” e “legalidade”, pois não se encontra listada no artigo 1.225 do Código Civil de 2002.

Mesmo não sendo um direito real, o instituto da posse levou a doutrina a criar, ao longo da história, a Teoria Sociológica da Posse, na qual, o interesse individual é ultrapassado

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pela função social, no plano constitucional que a justifica. Nessa linha funcional, dispõe o Enunciado n. 492 da V Jornada de Direito Civil: “A posse constitui direito autônomo em relação à propriedade e deve expressar o aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais, econômicos e sociais merecedores de tutela” (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2019, p. 1037).

Flávio Tartuce (2016, p. 35), faz uma observação sobre as controvérsias doutrinárias e a função social da posse:

Sem prejuízo dessa confrontação, como mencionado, tendo a propriedade uma função social reconhecida no Texto Maior, o mesmo deve ser dito quanto à posse. Diante desses argumentos, entendemos ser mais correto afirmar, atualmente, que o nosso Código Civil não adota a tese de Ihering, pura e simplesmente, mas sim a tese da posse-social, como defendem Perozzi, Saleilles e Gil (...). Uma mudança de paradigma inegável atingiu também o Direito das Coisas, razão pela qual o debate entre Ihering e Savigny encontra-se mais do que superado.

Embora o debate entre as teorias de Savigny e Ihering esteja superado, ainda constituem-se de importante fonte de conhecimento sobre o instituto da posse, bem como de grande contribuição para a legislação vigente. Após a exposição das teorias da posse, serão verificadas as formas de exercício deste instituto na próxima seção.

2.1.2 Classificação da posse

O objetivo da classificação da posse é facilitar a identificação de suas possíveis formas para que se determinem aquelas que merecem tutela jurídica. Vários são os motivos para haver diferentes maneiras de exercer a posse: “[...] Nem sempre os possuidores são movidos pelas mesmas intenções. Nem sempre a posse tem a mesma origem. E nem sempre, por fim, o possuidor tem a mesma carga de poder de exercício ou inflexão sobre a coisa possuída.” (RIZZARDO, 2016, p. 38).

Dentre as diversas classificações existentes na doutrina jurídica, Tartuce (2020) traz a seguinte classificação da posse: Quanto à relação pessoa-coisa; Quanto à presença de vícios objetivos; Quanto à boa-fé subjetiva ou intencional; Quanto à presença de título; Quanto ao tempo; Quanto aos efeitos.

Quanto à relação pessoa-coisa, a posse pode ser direta ou imediata e também pode ser indireta ou mediata. Na posse direta tem-se a coisa em seu poder imediato, materialmente exercido. “[...] Como possuidores diretos podem ser citados o locatário, o depositário, o comodatário e o usufrutuário.” A posse indireta é caracterizada pelo exercício do direito por

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meio de outra pessoa, sendo exemplos de possuidores indiretos o locador, depositante, comodante e nu-proprietário (TARTUCE, 2020, p. 1317).

Para Venosa, (2017, p. 61), “[...] possuidor direto ou imediato é o que recebe o bem e tem o contato, a bem dizer, físico com a coisa.” Aquele que fica com a posse direta, adquire direito real sobre coisa alheia, sendo sua posse subordinada e o titular do domínio passa a manter sobre a coisa os poderes residuais de defender o bem, por exemplo.

O art. 1.127 do Código Civil prevê que: “A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto” (BRASIL, 2002).

Quanto à presença de vícios objetivos, Paulo Nader (2016) explica que a posse pode ser justa ou injusta. A posse justa é aquela realizada dentro das normas jurídicas; Já a posse injusta é aquela exercida por meio de violência, clandestinamente, ou mesmo de forma precária, sendo ilícita a sua aquisição. O art. 1.200 do Código Civil prevê: “É justa a posse que não for violenta, clandestina, ou precária.” (BRASIL, 2002). A violência mencionada pode se dar de forma física ou mesmo psicológica, como ameaças ou intimidações verbais, a ponto de levar o legítimo possuidor a abandonar o bem. A posse clandestina acontece de modo furtivo, às escondidas, sem que o legítimo possuidor tenha conhecimento. E a posse precária se dá pelo abuso de confiança, numa situação inicial lícita que se torna resistida quando solicitada a retomada do bem pelo legítimo possuidor. (NADER, 2016).

Luiz Antonio Scavone Júnior (2019) exemplifica a posse injusta pela clandestinidade quando o comodatário não restitui o bem no momento determinado no contrato, ou em razão de notificação, caso não haja prazo ou se o prazo inicial se prorrogar.

Quanto à boa-fé subjetiva ou intencional, a posse de boa-fé real está presente quando “[...] a convicção do possuidor se apoia em elementos objetivos tão evidentes que nenhuma dúvida pode ser suscitada quanto à legitimidade de sua aquisição e posse de boa-fé presumida quando o possuidor tem o justo título”. (GOMES apud TARTUCE, 2020).

A posse de má-fé existe quando o possuidor pretende exercer o domínio fático sobre a coisa mesmo sabendo de algum vício que a acomete, não possuindo um justo título (TARTUCE, 2020).

A posse de boa-fé tem como base a intenção do possuidor, convencido de ser legítima a sua posse. Traz em seu bojo a subjetividade como elemento da ação. “[...] Ignora ele o vício ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa ou do direito. Convence-se de não causar prejuízo a outrem.” (RIZZARDO, 2016, p. 40).

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Ainda sobre a posse de boa-fé, é importante a ressalva de Orlando Gomes (apud RIZZARDO, 2016, p. 40) em relação à posse justa. Assim vejamos:

Não há coincidência necessária entre a posse justa e a posse de boa-fé. À primeira vista, toda a posse justa deveria ser de boa-fé e toda a posse de boa-fé deveria ser justa. Mas, a transmissão dos vícios de aquisição permite que um possuidor de boa-fé tenha posse injusta, se a adquire de quem a obteve pela violência, pela clandestinidade, ignorante da ocorrência; Nemo sibi causam possessionis mutare potest. Também é possível que alguém possua de má-fé, embora não tenha posse violenta, clandestina ou precária.

Lafayette R. Pereira (apud NADER, 2016, p. 82) explica que “[...]possuidor de boa-fé é aquele que está na convicção de que a coisa por ele possuída de direito lhe pertence. Ao contrário, de má-fé se diz o possuidor que sabe não lhe assistir direito para possuir a coisa”.

No entanto, conforme observa Rizzardo (2016), a posse pode passar a ser de má-fé, conforme art. 1.202 do Código Civil: “A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente”. (BRASIL, 2002)

As circunstâncias presuntivas da má-fé são ilustradas por Diniz, (2014, p. 76) quando afirma poderem ser estas reduzidas:

[...] à confissão do possuidor de que não tem e nunca teve título; ao fato de ter o possuidor, em seu poder, instrumento repugnante à legitimidade de sua posse, como a venda de pai a filho, sem anuência dos demais e do cônjuge do alienante; à venda de imóvel por instrumento particular levada a efeito por absolutamente incapaz, sem representação; à compra pelo testamenteiro de bens da testamentaria; à violência no esbulho ou a outros atos proibidos por lei; e à nulidade manifesta do título.

Quanto à presença de título, tem-se a posse com título e a posse sem título:

Posse com título – situação em que há uma causa representativa da transmissão da posse, caso de um documento escrito, como ocorre na vigência de um contrato de locação ou de comodato, por exemplo. b) Posse sem título – situação em que não há uma causa representativa, pelo menos aparente, da transmissão do domínio fático. Exemplo: alguém acha um tesouro, depósito de coisas preciosas, sem a intenção de fazê-lo. Nesse caso, a posse é qualificada como um ato-fato jurídico, pois não há uma vontade juridicamente relevante para que exista um ato jurídico. (TARTUCE, 2020, p. 1323)

Sobre a posse com justo título, Schreiber (2020) observa que essa posse está relacionada, não ao título no sentido de documento ou instrumento de validação legal, mas sim, à origem fática da posse, que confere ao possuidor aptidão para constituir e transmitir o direito de posse. “[...] De modo que se alguém possui com justo título a coisa, tem a seu favor a presunção de boa-fé”. Exceto se haja a posse injusta, mesmo sendo de boa-fé (RIZZARDO, 2016, p. 43).

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A presunção de boa-fé deflagrada pelo justo título é uma presunção relativa, podendo ser afastada por prova em contrário. [...] A doutrina dá o exemplo do possuidor que obtém a coisa mediante contrato de doação, mas não ignora que ela não pertence ao doador: haverá aí justo título, mas não boa-fé.

Nas palavras de Rizzardo (2016, p. 48) “[...] a posse formal, ou jus possessionis, é a relação de fato da pessoa com a coisa, mas dissociada do direito que traduz [...] aparentando o conteúdo material de um direito, mas sem o amparo de uma causa jurídica.” “[...] no ius

possidendi há uma posse com título, estribada na propriedade. No ius possessionis, há uma

posse sem título, que existe por si só.” (TARTUCE, 2020, p. 1323).

Quanto ao tempo da posse, esta pode ser nova ou velha. Assim, a diferença entre elas se dá em razão do tempo em que existem, sendo mais ou menos de um ano e dia. Se for menos de um ano e dia, tem-se a posse nova e se for mais, tem-se a posse velha. A diferença entre a posse nova e a posse velha também ocorre no âmbito processual: ambas têm caráter possessório e submetem-se ao rito ordinário; porém, quando a ação trata de uma posse nova, é possível a reintegração e manutenção da posse em caráter liminar (STOLZE E PAMPLONA FILHO, 2020).

O art. 558 do Código de Processo Civil de 2015, dispõe sobre o procedimento das ações possessórias de reintegração e manutenção:

Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial.

Parágrafo único. Passado o prazo referido no caput, será comum o procedimento, não perdendo, contudo, o caráter possessório (BRASIL, 2015)

Quanto aos efeitos, a posse pode ser ad interdicta, isto é pode ser defendida pelas ações possessórias ou interditos possessórios; ou a pose pode ser ad usucapionem, aquela que admite a aquisição da propriedade após um determinado lapso de tempo previsto em lei (TARTUCE, 2020).

Conforme Rizzardo (2016), existe ainda um tipo de posse que se dá em nome alheio e não em nome próprio ou proveito próprio. Esse tipo de posse é chamado de detenção. É o que ocorre com empregados ou prestadores de serviços em geral como por exemplo o motorista, a empregada doméstica, a cozinheira, a faxineira e funcionários subordinados como almoxarifes, caseiros, administradores, diretores de empresa, bibliotecários, amigos hospedados numa casa etc., que são considerados detentores de bens sobre os quais não exercem posse própria, por presunção juris tantum, (DINIZ, 2014).

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O Código Civil, em seu art. 1.198 prevê: “Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.” (BRASIL, 2002).

Após a exposição dos diferentes tipos de posse serão apresentadas as formas de aquisição da posse.

2.1.3 A aquisição da posse

Segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2017), a posse imobiliária tem sua origem numa relação fática e por isso está excluída de qualquer elemento formal juridicamente previsto, em comparação com a propriedade do imóvel, que nasce a partir dos atos de registro, usucapião e outras formas previstas em lei, que serão abordadas neste capítulo.

A posse de bens imóveis pode ser adquirida de forma originária ou derivada. Venosa (2017, p. 85) explica que a posse originária “[...] ocorre sem qualquer vinculação com um possuidor anterior.”.

Em contrapartida, a posse adquirida de forma derivada necessita que haja uma posse anterior para que seja transmitida ao novo adquirente, por qualquer meio aquisitivo de direito, válido, em conformidade com a lei. (DINIZ, 2014)

A forma originária de aquisição da posse ocorre por meio da ocupação, em que o ocupante age como se fosse proprietário: “Ele cultiva o imóvel, colhe seus frutos, o demarca, ergue benfeitorias, o habita etc., em caráter permanente e duradouro, de modo a criar um consenso favorável ao reconhecimento da propriedade” (RIZZARDO, 2016, p. 53)

Diniz (2014) apresenta dois modos aquisitivos originários da posse: a apropriação do bem e o exercício do direito. O primeiro modo ocorre pela ocupação de coisas abandonadas, mesmo sem o consentimento de outrem; o segundo modo está positivado no Código Civil, no artigo 1.204, que dispõe: “Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade” (BRASIL, 2002).

Venosa (2017) também alerta para a posse como exteriorização do exercício de um direito, não necessitando assim da apreensão material da coisa, bastando apenas o pacto da transmissão do direito de posse.

A forma derivada de aquisição da posse ocorre pela tradição, entrega da coisa, na qual o bem é transferido para outra pessoa; “é bilateral justamente por exigir a transmissão,

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como acontece no negócio jurídico, no testamento, ou inventário, ou na simples transferência da mera posse” (RIZZARDO, 2016, p. 53).

Uma importante diferenciação prática da posse originária em relação à posse derivada, diz respeito à transmissão dos vícios e defeitos da coisa pelo adquirente na situação derivada, o que não ocorre em relação à situação de posse originária, uma vez que não há possuidor antigo e, portanto, encontra-se a posse livre de vícios. (VENOSA, 2017).

Assim como existem as formas de aquisição da posse, também a perda da posse pode ocorrer de diferentes maneiras que serão verificadas na próxima seção.

2.1.4 A perda da posse

O Código Civil de 2002 disciplina a perda da posse no art. 1.223: “Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196.” (BRASIL, 2002).

Nas palavras de Venosa (2017, p. 91) “[...] perde-se a posse por iniciativa do próprio possuidor ou de terceiro, ou por fato relacionado à própria coisa. Perde-se a posse quando não mais se exerce, ou não se pode exercer, poder fático sobre a coisa...”

Embora o Código Civil de 2002 não traga nenhuma discriminação acerca dos fatos que levam à perda posse, Rizzardo (2016) utiliza-se do Código Civil de 1916 para exemplificar situações de perda da posse. São elas: Abandono da coisa, tradição da coisa, perda ou destruição da coisa, posse de outrem e constituto possessório.

A situação de abandono da coisa é constituída pelo aspecto físico e intencional, sendo que estão presentes corpus e animus, para que se configure o abandono. Em relação a um imóvel, se há desocupação do mesmo e ausência por longo período, não havendo a sua utilização, entende-se haver o abandono (FULGÊNCIO apud RIZZARDO, 2016).

A tradição, entrega da coisa, é a forma pela qual se adquire e ao mesmo tempo se perde a coisa. Assim, a tradição é uma das formas de aquisição e perda da posse, para quem recebe e para quem entrega a coisa, respectivamente (DINIZ, 2014).

A perda da posse também pode ocorrer pela perda da coisa, pelo perecimento da coisa ou sua colocação fora do comércio. A perda da coisa pode ser pelo extravio, descaminho ou perecimento. (RIZZARDO, 2016). A perda da posse pela colocação da coisa fora do comércio pode se dar por determinação do Poder Público, por motivo de moralidade, higiene e segurança pública. É o caso da desapropriação e do confisco de produtos em desacordo com determinações legais (MONTEIRO apud RIZZARDO, 2016).

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Rizzardo (2016, p. 68) explica que “[...] a posse de outrem provoca a perda quando, havendo invasão de imóvel ou apropriação de bem móvel, o possuidor se conserva inativo, consentindo tacitamente que se estabeleça uma posse nova.” Em outras palavras, se o possuidor toma conhecimento do esbulho3 e nada faz para retomar a coisa, então se considera perdida a posse.

Segundo Rizzardo (2016), o constituto possessório consiste na transferência da posse, mas conserva-se o antigo possuidor da coisa no uso da coisa transferida, por consentimento do novo possuidor. Significa dizer que ocorre a perda da posse porque o possuidor “[...] altera a relação possessória, passando a possuir em nome alheio aquilo que possuía em seu próprio nome.” (DINIZ, 2014, p. 96).

Ainda obre a perda da posse, Rizzardo (2016, p. 69) conclui: “Como se percebe, a perda da posse se dá com a cessação do poder que exerce o possuidor sobre a coisa. Se o titular desenvolve a posse mediante o uso, com o desaparecimento deste cessa a posse.”.

Na conclusão de Rogério Ribeiro Domingues (2019), perde-se a posse quando não há mais condições de exercer plenamente algum dos poderes inerentes ao domínio.

Após terem sido verificados os aspectos relevantes do instituto da posse, na próxima seção, estudar-se-á o instituto da propriedade.

2.2 O INSTITUTO DA PROPRIEDADE E SUAS NUANCES

2.2.1 Aspectos históricos e teorias que justificam a propriedade

Segundo Rizzardo (2016), a propriedade individual aparece na sociedade ocidental instituída pelo Direito Romano4, que a organiza e delimita em caráter familiar e ao cidadão romano. Porém, conforme Farias e Rosenvald (2017) a propriedade moderna, pouco se parece com a propriedade romana, que era admitida pela simples tradição.

Na Idade Média5

a propriedade passa a ser concentrada nas mãos de poucos que detinham grandes extensões de terras (RIZZARDO, 2016). Os senhores das terras chamadas feudos detinham a propriedade. Havia a “[...] concessão do senhor em favor de seu vassalo de uma porção de terra e proteção militar em troca de respeito e fidelidade.” (FARIAS e ROSENVALD, 2017, p. 261)

____________________

3 Esbulho: Apropriação ilegal de algo; ação de usurpar alguém de alguma coisa que lhe pertencia ou do que estava em sua posse; aquilo que foi usurpado (DICIO, 2020).

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4 Direito Romano: é o nome que se dá ao conjunto de princípios, preceitos e leis utilizados na antiguidade pela sociedade de Roma e seus domínios. A aplicação do Direito romano vai desde a fundação da cidade de Roma em 753 a.C. até a morte do imperador do Oriente Justiniano, em 565 da nossa era. Neste longo período, o corpo jurídico romano constituiu-se em um dos mais importantes sistemas jurídicos criados desde sempre, influenciando diversas culturas em tempos diferentes (SANTIAGO, 2020).

5 A Idade Média foi um longo período da história que se estendeu do século V ao século XV. Seu início foi marcado pela queda do Império Romano do Ocidente, em 476, e o fim, pela tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453 (BEZERRA, 2020).

Segundo Rizzardo (2016), com a Revolução Francesa6, a propriedade tornou-se direito sagrado e inviolável sendo democratizada pelo Código de Napoleão. O liberalismo econômico propagado pela Revolução Industrial7 expandiu a iniciativa privada dando ampla liberdade à aquisição da propriedade. Farias e Rosenvald (2017, p. 262) assim ilustram essa nova visão da propriedade:

[...] A propriedade será alcançada segundo a capacidade e esforço de cada um e, na forma da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, terá a garantia da exclusividade dos poderes de seu titular, como asilo inviolável e sagrado do individuo.

Para contrapor a essa filosofia econômica, o comunismo de Karl Marx8

pregou a supressão da propriedade privada, visando à socialização da propriedade (RIZZARDO, 2016). Percebe-se que todos esses fatos da história da humanidade influenciaram novas ideias acerca da propriedade. Sobre as teorias que explicam a propriedade, observa Bessone (apud RIZZARDO, 2016, p. 170): “O homem se tornou possuidor e proprietário antes que se elaborassem normas coativas e se estruturasse a ordem pública”.

No caso da propriedade imobiliária brasileira, não se pode utilizar como paradigmas os processos ocorridos nos países europeus, uma vez que no não houve estrutura ___________________

6 Revolução Francesa: Em 1789, aconteceu na França a revolução que marcou o fim da Idade Moderna e início da Idade Contemporânea. A Revolução Francesa causou a queda de uma monarquia, o enfraquecimento da Igreja e o fim da aristocracia (CORRADINI, 2019).

7 Revolução Industrial: Foi iniciada na segunda metade do século XVIII e causou profundas transformações para a humanidade, por meio do surgimento da indústria e do capitalismo (SILVA, 2020).

8 Karl Marx (1818–1883) foi um filósofo e revolucionário socialista alemão. Criou as bases da doutrina comunista, onde criticou o capitalismo. Sua filosofia exerceu influência em várias áreas do conhecimento, tais como Sociologia, Política, Direito e Economia (FRAZÃO, 2019).

9 Usucapião: É o direito que o indivíduo adquire em relação à posse de um bem móvel ou imóvel em decorrência da utilização do bem por determinado tempo, contínuo e incontestadamente. Em caso de imóvel, qualquer bem que não seja público pode ser adquirido através do usucapião (SOUZA, 2018).

10 Sesmaria: Terreno sem culturas ou abandonado, que a antiga legislação portuguesa, com base em práticas medievais, determinava que fosse entregue a quem se comprometesse a cultivá-lo. Quem a recebia pagava uma pensão ao estado, em geral constituída pela sexta parte do rendimento através dele obtido. Quando o Brasil foi descoberto, para cá transplantou-se o regime jurídico das sesmarias. O rei, ou os primeiros donatários de capitanias, faziam doações de terras a particulares, que se comprometiam a cultivá-las e povoá-las. Só em 1812 as sesmarias foram oficialmente extintas (DICIO, 2020).

11 Terras devolutas são terras públicas sem destinação pelo Poder Público e que em nenhum momento integraram o patrimônio de um particular, ainda que estejam irregularmente sob sua posse. O termo "devoluta" relaciona-se ao conceito de terra devolvida (NUNES JUNIOR, 2020).

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Apesar disso, Rizzardo (2016) aponta teorias que procuram fundamentar a propriedade quanto sua origem legitimidade, como a teoria da ocupação, a teoria da lei, a teoria do trabalho, a teoria da natureza humana e a teoria individualista ou da personalidade.

A teoria da ocupação diz que uma coisa sem dono - res nullius - foi ocupada pela primeira vez, constituindo-se propriedade de quem a ocupou. Com o passar do tempo, o titular do direito foi sendo modificado pelas sucessivas transmissões ocorridas residindo o fundamento que justifica a propriedade sobre a primeira ocupação. Porém, há controvérsias acerca dessa teoria, uma vez que não há substância jurídica no ato do primeiro a ocupar a coisa, submetida esta ocupação apenas a sua única vontade (RIZZARDO, 2016).

Com efeito, entre os doutrinadores que contrapõem a teoria da ocupação está Washington de Barros Monteiro (apud DINIZ, 2014, p. 130) que afirma:

[...] a ocupação não justifica o domínio, porque este só pode surgir ante uma lei que o organize e que inclua a ocupação entre os modos aquisitivos da propriedade. Além do mais, muitas das propriedades atuais são originárias da violência, quer na esfera interna quer na internacional, e não da ocupação.

Acolhida por Montesquieu12 e por quase todos os escritores do século XIX, a teoria da lei explica que a propriedade só existe porque foi criada e garantida pela lei. Rizzardo (2016) contrapõe essa teoria pela sua fragilidade, pois, se assim fosse, a propriedade deixaria de existir se fosse retirada do direito positivo. Na verdade, o que se admite é a regulação da propriedade através da lei.

A teoria do trabalho foi criada pelo filósofo inglês John Locke13 e diz que “o trabalho constitui a fonte de produção de riquezas. Quem produz deve ser tido como proprietário.” (RIZZARDO, 2016. p. 171). “Para Locke a propriedade deve ser legitimada pelo trabalho do homem, tendo produtividade e não lesando o coletivo, prescrito no ordenamento como atendendo a função social”. (PEREIRA, 2019, p. 60).

Outra teoria que respalda a concepção de propriedade é a teoria da natureza humana, que se baseia no direito natural. Esta teoria precede o direito positivo, porque antes deste, “[...] as pessoas não precisavam da lei, mas viviam espontaneamente, cumprindo os ____________________

12 Montesquieu (1689-1755) foi um filósofo social e escritor francês. Foi o autor de "Espírito das Leis". Foi o grande teórico da doutrina que veio a ser mais tarde a separação dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário (FRAZÃO, 2019).

13 John Locke (1632-1704) foi um filósofo inglês, um dos principais representante do empirismo - doutrina filosófica que afirmava que o conhecimento era determinado pela experiência, tanto de origem externa, nas sensações, quanto interna, a partir das reflexões. Locke se destacou especialmente por seus estudos de filosofia política e deixou grande contribuição ao desenvolvimento do liberalismo, principalmente a noção de Estado de Direito (FRAZÃO, 2019).

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ditames da natureza, impondo os procedimentos de acordo com as necessidades [...]” e assim a propriedade nasceu pelo direito natural, pois era respeitada sem necessidade de lei para garanti-la (RIZZARDO, 2016, p. 172).

Esta teoria é melhor explicada por Planiol e Ripert (1991, apud DINIZ. 2014, p. 132):

[...] a propriedade foi concebida ao ser humano pela própria natureza para que possa atender às suas necessidades e às de sua família. Por todas essas razões, pela sua função social e pelo serviço que presta às sociedades civilizadas, justifica-se, plenamente, a existência jurídica da propriedade.

Rizzardo (2016, p. 173) ainda cita outras teorias como a individualista ou da personalidade, na qual a propriedade da coisa está diretamente relacionada com o uso com a utilidade que é atribuída pelo seu proprietário. “Não encontraria justificação a propriedade, sob esta explicação, no caso das grandes organizações econômicas, como bancos, fábricas, latifúndios, onde predominam as estimativas econômicas e não a afeição entre o bem e seu titular.”

Não obstante, cada uma dessas teorias traz verdade em seus fundamentos, os quais traduzem a necessidade humana de possuir bens para que possa sobreviver e ter segurança (RIZZARDO, 2016).

Nesta seção foram abordadas as teorias que justificam a propriedade enquanto necessidade humana. Na próxima seção será abordado o conceito de propriedade.

2.2.2 Conceito de propriedade

A origem da palavra propriedade deriva de proprius, relacionado ao que pertence a uma pessoa; também pode ser derivada de dominium, indicando todos os pertences do senhor da casa. Porém, apesar de distintos os termos propriedade e domínio ambas podem ser utilizadas para designar a mesma coisa (DINIZ, 2014).

O conceito de propriedade e tudo o que significa constitui-se no mais amplo direito real, sendo um direito fundamental do ser humano (RIZZARDO, 2016).

O direito de propriedade está registrado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) ao lado de outros direitos fundamentais, conforme o caput do artigo 5º e inciso XXII, transcrito a seguir:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

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Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 346), o “Código Civil regula o direito das coisas no Livro III de sua Parte Especial. Trata primeiramente da posse e, em seguida, dos direitos reais. Destes, o mais importante e mais completo é o direito de propriedade.” O conceito de propriedade está relacionado com quatro atributos, previstos no caput do artigo 1.228 do Código Civil de 2002: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (BRASIL, 2002).

Sobre as faculdades relacionadas ao conceito de propriedade, Gagliano e Pamplona Filho (2018), salientam a presença dos atributos de usar, gozar, dispor e reivindicar, para que se caracterize a propriedade.

Na mesma esteira, Valente (2017, p. 381) conceitua a propriedade como:

[...] um direito complexo, que consiste em um feixe de atributos (poderes), consubstanciados nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa de quem injustamente a detenha ou possua (art. 1.228). Dessa forma, quem possui os quatro poderes e o título tem a propriedade. Se não possuir o título, goza do domínio. Segundo lição de Azevedo (2019, p. 50), o atributo de usar, significa: “[...] o de ter a coisa em seu poder, em sua posse, extraindo dela o que for de sua utilidade. O proprietário tem amplo poder sobre o seu bem, podendo, até, destruí-lo”.

Azevedo (2019, p. 50), também conceitua o direito de gozar, como “[...] o poder que tem o proprietário de colher os frutos naturais e civis produzidos pela coisa, explorando-a e administrando-a economicamente, inclusive extraindo dela seus produtos.”

O direito de dispor é entendido por Gonçalves (2017, p. 510) como aquele que consiste no poder de transferir a coisa, de gravá‐la de ônus e de aliená‐la a outrem a qualquer título. Não significa, todavia, prerrogativa de abusar da coisa, destruindo‐a gratuitamente. Tal direito é considerado o mais importante dos três já enunciados, porque mais se revela dono quem dispõe da coisa do que aquele que a usa ou frui.

E por último, o direito de reivindicar a coisa, de reavê-la. Seu exercício é dirigido a quem possua ou detenha a coisa injustamente, sem estar protegido juridicamente (LÔBO, 2019).

Sobre o direito de reivindicar, Valente (2017, p. 381) complementa, argumentando que “[...] é o elemento externo da propriedade por representar a faculdade de excluir terceiros de indevida ingerência sobre a coisa, permitindo que o proprietário mantenha a sua dominação sobre o bem.”.

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Ao analisar os atributos inerentes ao conceito de propriedade, percebe-se que a “a propriedade envolve a sensação e a convicção de ser alguém dono da coisa, abstraída qualquer possibilidade de terceiros interferirem no poder de comando e de soberania sobre a mesma coisa.” (RIZZARDO, 2016, p. 161).

Para Azevedo (2019, p. 49) “[...] propriedade é, assim, o estado da coisa, que pertence, em caráter próprio e exclusivo, a determinada pessoa, encontrando-se em seu patrimônio e à sua disposição.”

A propriedade tem caráter perpétuo, ou seja, é um direito que não se perde ou não desaparece pela falta de uso e impede que terceiros exerçam dominação sobre a coisa (RIZZARDO, 2016).

Farias e Rosenvald (2017, p. 266) afirmam ser a propriedade a titularidade de um bem e esclarecem sobre a propriedade dos bens imóveis:

Nos bens imóveis, nasce a propriedade através do ato do registro, que a tornará pública e exigível perante a sociedade. O objeto da relação jurídica ora decantada é o dever geral de abstenção, que consiste na necessidade de os não proprietários respeitarem o exercício da situação de ingerência econômica do titular sobre a coisa. Paulo Lôbo (2019) complementa que as garantias de inviolabilidade da propriedade estão em consonância com as garantias constitucionais da atualidade, assim como as leis especiais como o Estatuto da Cidade, os planos diretores das cidades, o zoneamento rural e fixação do módulo rural.

Assim, após a definição do conceito de propriedade é alcançada a função da propriedade que será discutida a seguir.

2.2.3 Função social da propriedade

Foi com o movimento solidarista que a necessidade de tutelar interesses sociais se tornou mais acentuada, influenciando as mudanças na legislação que limitou o direito-poder de usar e dispor da propriedade de forma absoluta. Com efeito, “[...] a propriedade deixa de ser uma situação de poder para se tornar uma situação jurídica complexa, que conjuga direitos e deveres (SCHREIBER, 2020, p. 422).

Da mesma forma que o direito à propriedade é um direito fundamental previsto no art. 5º, XXII da Constituição da República Federativa do Brasil, a função social da propriedade é mencionada no inciso XXIII que dispõe: “ A propriedade atenderá a sua função social” (BRASIL, 1988). Tal inciso dá limitação, ao direito de propriedade, uma vez que a

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função social da propriedade visa respeitar igual ou superior interesse social (RIZZARDO, 2016).

Rizzardo (2016, p. 162) assim exemplifica a função social da propriedade:

A propriedade urbana atende a sua função social, na previsão do art. 182, § 2º, quando realiza as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. Quanto ao imóvel rural, prevê o art. 186 que a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, vários requisitos, como aproveitamento racional e adequado; utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições regulamentares das relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Na mesma toada, Diniz (2014, p. 116) esclarece:

O princípio da função social da propriedade está atrelado, portanto, ao exercício e não ao direito de propriedade. Em consonância com o comando constitucional, o Código Civil, no art. 1.228, §§ 1º a 5º, afasta o individualismo, coibindo o uso abusivo da propriedade, que deve ser utilizada para o bem comum.

Destarte, os dispositivos constitucionais privilegiam os valores existenciais sobre os valores patrimoniais e encontram-se em conformidade com a função social da propriedade (SCHREIBER, 2020).

Como medida de cumprimento da finalidade social, a legislação tende a facilitar o acesso à aquisição da propriedade, conforme se verifica pela redução dos prazos da posse para cinco anos nas ações de usucapião rural e urbana, além de vários dispositivos de lei que tratam da desapropriação para fins de reforma agrária (RIZZARDO, 2016).

No Código Civil, a função social da propriedade é especificada pelo cuidado e preservação com o meio ambiente, o respeito ao patrimônio histórico e artístico e sua comodidade e utilidade condicionadas de modo a não causar prejuízos a terceiros (TARTUCE, 2020).

A extensão ou os limites da propriedade são estabelecidos no art. 1.229 do Código Civil:

A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las. (BRASIL, 2002)

Conclui Rizzardo (2016, p. 169) que, em observação aos princípios da função social da propriedade “[...] exige-se que, vivendo o homem em sociedade, seus interesses devem conciliar-se com os direitos superiores do Estado, ao qual cumpre a salvaguarda dos interesses gerais.” Tais interesses, no Estado social garantem a tutela dos mais vulneráveis,

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por meio de mecanismos jurídicos de intervenções legislativas, administrativas e judiciais, a fim de garantir a justiça social. (LÔBO, 2019).

Após a conclusão de Lôbo (2019), a respeito do Estado social como responsável pela tutela dos mais vulneráveis na garantia da justiça social, discorrer-se-á sobre o conceito de bens públicos e como se classificam os terrenos de marinha em relação a esses bens.

2.2.4 A propriedade dos Bens Públicos

Uma vez que os terrenos de marinha são bens pertencentes à União, faz-se necessário entender quais e como são os bens públicos, quanto à sua natureza e especificidade, pelo menos no que diz respeito aos terrenos de marinha, objeto de nosso estudo.

Na constatação de Maria Sylvia Di Pietro (2019, p. 849) “[...] com o Estado Moderno e o desenvolvimento da ideia de Estado como pessoa jurídica, este assumiu a propriedade dos bens públicos, em substituição ao príncipe.”

Assim, ao longo da história, o conceito e a distinção entre os bens públicos e os bens privados foram se estabelecendo, bem como definidos e diferenciados os regimes jurídicos que regem esses bens. (DI PIETRO, 2019).

Para Hely Lopes Meirelles (2016, p. 635), “[...] bens públicos, em sentido amplo, são todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas, imóveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertençam, a qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundações e paraestatais.”

No sistema administrativo, os bens públicos são classificados em federais, estaduais e municipais, a depender do órgão ou entidade política à qual pertencem (MEIRELLES, 2016).

Alexandre Mazza (2019, p. 918) observa que “a legislação administrativa brasileira não apresenta uma definição satisfatória para o instituto dos bens públicos, dando margem para grande divergência na doutrina e na jurisprudência.”

O Código Civil de 2002 traz uma classificação tripartite quanto aos bens públicos. Assim, o art. 99 dispõe que:

São bens públicos:

I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

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Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado. (BRASIL, 2002).

Essa classificação obedece ao critério da destinação ou afetação, sendo que os bens dominicais, citados no inciso III do art. 99, “[...] não têm destinação pública definida, razão pela qual podem ser aplicados pelo Poder Público, para obtenção de renda; é o caso das terras devolutas, dos terrenos de marinha [...]” (DI PIETRO, 2019, p. 850).

Sobre os bens dominiais, Cardinale (apud MEIRELLES, 2016, p.639) explica que estes bens públicos diferem dos demais porque podem ser utilizados para qualquer finalidade, inclusive serem alienados pela Administração.

Assim sendo, “[...] tais bens integram o patrimônio do Estado como objeto de direito pessoal ou real, isto é, sobre eles a Administração exerce „poderes de proprietário, segundo os preceitos de Direitos Constitucional e Administrativo” (CLÓVIS BEVILÁQUA

apud MEIRELLES, 2016. p. 639).

Segundo Mazza (2019) há três artigos presentes no Código Civil que disciplinam os bens públicos em relação à sua alienabilidade, imprescritibilidade e uso comum dos bens públicos:

Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.

Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos à usucapião.

Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem. (BRASIL, 2002).

Como integram o patrimônio público, os bens públicos devem estar sob uma constante proteção e controle, cabendo ao ente público, titular de sua posse ou domínio, a intervenção inclusive judicial contra particulares que estejam em uso indevido desses bens. (CARVALHO FILHO, 2020)

Abordou-se neste capítulo os institutos da posse e da propriedade, considerando que a propriedade dos terrenos de marinha é da União, e a posse de quem o utiliza. Desse modo, no capítulo a seguir será explanada a contextualização dos terrenos de marinha.

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3 CONTEXTUALIZAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA

Para que se efetive o entendimento sobre os terrenos de marinha, faz-se necessária a abordagem deste instituto no tempo e no espaço. A justificativa de sua criação por essas duas abordagens é que proporciona a construção do seu conceito completo, em concepção e finalidade. (OLIVEIRA, 2008)

O conceito de terrenos de marinha confunde-se com sua história e torna-se indispensável, para a compreensão deste, conhecer a sua origem enquanto finalidade. Indispensável também é a compreensão de alguns conceitos que envolvem esse instituto, pois sem isto, não se pode atingir sua definição por completo. Este capítulo pretende tratar dos principais elementos que compõem o seu conceito.

Outrossim, pretende-se estabelecer uma linha do tempo para verificar como evoluiu a normatização acerca dos terrenos de marinha, desde sua instituição pela Coroa Portuguesa, até os dias de hoje com as alterações inseridas pela Lei nº 14.011, de 10 de junho de 2020.

3.1 CONCEITO DE TERRENOS DE MARINHA

O conceito dos terrenos de marinha tem como fundamento uma abstração jurídica, uma norma de restrição e delimitação de uso de um determinado local. Portanto, para explicá-lo é necessário recorrer ao ordenamento jurídico, transcrevendo o seu conteúdo tal como se apresenta, para depois explicitar os seus detalhes.

Nesta esteira, Rosita de Sousa Santos (1985) explicita ser a criação do instituto dos terrenos de marinha, no que tange ao seu contorno, sua mensuração e implantação em nosso Direito, uma construção administrativa que foi sendo dimensionada ao longo dos séculos.

Terrenos de marinha são aqueles banhados por águas marítimas, fluviais ou lacustres em rios e lagoas, que se misturam às águas das marés. Podem ser continentais (localizados no interior do continente), costeiros (situados na costa brasileira) e insulares (pertencentes às ilhas costeiras e oceânicas). De acordo com o artigo 20, inciso VII da CF/88, os terrenos de marinha e seus acrescidos são bens dominicais da União e, portanto, necessitam de autorização federal para sua utilização (MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO, 2011, p. 610, apud BACELLAR, 2017).

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Mas foi através do Decreto-Lei nº 9.760 de 5 de setembro de 1946 que se estabeleceu o primeiro conceito de terrenos de marinha, positivado no ordenamento jurídico brasileiro e que prevalece até o presente momento:

São Terrenos de Marinha, em uma profundidade de 33 metros medidos horizontalmente, para a parte da terra, da linha do preamar médio de 1831:

a) Os situados no continente, na costa marítima e na margem dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;

b) os que contornam as ilhas situadas em zonas onde se faça sentir influência das marés.

Ao deparar-se com as medidas espaciais e temporais contidas neste conceito surgem questionamentos acerca da data base e da medida mensurada – dos 33 metros da linha do preamar médio do ano de 1831 (NIEBUHR, 2004).

Tácio de Oliveira (2008) esclarece que em 1818 era quantificada espacialmente a largura da faixa de terra a partir da borda do mar, que hoje se conhece como terrenos de marinha, medida a partir da preamar máxima, para o lado de terra. Mais tarde, durante todo o ano de 1831 foram realizadas observações das marés, provavelmente para atender às necessidades de navegação e das construções portuárias no porto do Rio de Janeiro. Por este motivo foi utilizado o ano de 1831 como referência de medidas, pois havia registros precisos das marés naquele ano.

A fim de evitar equívocos sobre sua delimitação, Joel de Menezes Niebuhr (2004) salienta que as praias não são terrenos de marinha, no que cita o dispositivo do art. 10, §3º da Lei 7.661 de 16 de maio de 1988:

Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subsequente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.

Prossegue o autor, lembrando que as praias são bens públicos de uso comum, podendo ser utilizadas pelo povo, livre e indistintamente, o que não ocorre com os terrenos de marinha (NIEBUHR, 2004).

José Mauro de Almeida (2008) faz uma importante observação, no sentido de que essas áreas, tanto os terrenos de marinha quanto as praias, foram declaradas como bens públicos, desde as primeiras Ordens Régias, que serão abordadas na próxima seção. Constituem-se um legado de valor social e ambiental inestimável ao país. Comparado ao Brasil, os Estados Unidos, por exemplo, só possui 5% das praias disponíveis para uso público e gratuito.

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3.2 CONCEITO DE TERRENOS ACRESCIDOS DE MARINHA

A Ordem Régia, de 18 de novembro de 1818, determina que tudo aquilo que no futuro venha acrescer sobre a água do mar - de modo natural ou artificial - continua como propriedade da Coroa. Define-se por essa Ordem Régia o que mais tarde seria positivado na nossa legislação, pelo Decreto-Lei nº 9.760 de 05 de setembro de 1946, como terrenos acrescidos de marinha (SANTOS, 1985). O art. 3º determina que são terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha (BRASIL, 1946).

Antes ainda do Decreto-Lei nº 9.760/1946, o Decreto-Lei no 3.438, de 17 de julho de 1941, que esclarece e amplia o Decreto-Lei nº 2.490, de 16 de agosto de 1940, disciplinou os conceito dos terrenos acrescidos de marinha no art. 2º: “São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento nos terrenos de marinha” (BRASIL, 1941).

Mello (1966, apud NIEBUHR, 2004) assim conceitua os terrenos acrescidos de marinha, considerados bens dominicais:

São terrenos que se formam por acréscimo, natural ou artificialmente, para os lados do mar, para as margens dos rios ou para a orla dos lagos, tornando mais ampla a área do terreno a que se somam. São os aterros, os terrenos de aluvião – esses também conhecidos como terrenos aluviais.

Dessa forma, como constata Niebuhr (2004), se o Poder Público construir um aterro de 100 metros para dentro do mar, haverá 133 metros a serem considerados para fins do regime jurídico dos terrenos de marinha e acrescidos.

Nesse entendimento, Di Pietro (2006) complementa que os acrescidos podem se formar para o lado do rio além do acréscimo para o lado do mar, de forma artificial pelos aterros ou por fatores naturais.

No entanto, há situações em que ocorre o contrário, ou seja, o mar avança em direção a terra cobrindo o terreno de marinha. “Nessas situações, o terreno de marinha não avança sobre os terrenos alodiais, mas continua, repita-se, onde sempre esteve, a contar da linha da preamar-média de 1831 [...]”, concluindo-se ser o prejuízo da União e não no proprietário do terreno alodial, se houver (NIEBUHR, 2004).

Obéde Pereira de Lima (2002, apud NIEBUHR, 2004, p. 93) acrescenta ainda a problemática do avanço do mar por completo sobre os terrenos de marinha ao longo dos anos: [...] houve avanço do mar sobre o continente, o que é resultado de fenômenos climáticos como, por exemplo, o efeito estufa, que provoca o degelo de camadas glaciais. Em razão disso, segue o autor, grande parte dos terrenos de marinha, se

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contados rigorosamente - como devido - da linha da preamar-média de 1831, já estão encobertos pelo mar, isto é, já não existem.

Após a abordagem do conceito de terrenos acrescidos de marinha, é imprescindível que seja discorrido sobre o conceito de terrenos alodiais, na próxima seção.

3.3 CONCEITO DE TERRENOS ALODIAIS

Segundo Carvalho Filho (2020, p.1234) A expressão terrenos alodiais “[...]foi cunhada na Idade Média e significava os bens que constituíam a propriedade definitiva – que, por isso mesmo, não estava sujeita a prazo nem a outras condições, além de beneficiar-se de isenções senhoriais feudais.” “Diz-se da propriedade imóvel livre de foros, vínculos, ônus: bens alodiais.” (DICIO, 2020).

Para Saïd Farhat (1996, p. 34), terreno alodial é aquele “[...] terreno livre de encargos, de propriedade direta do senhorio: fora, portanto, das faixas de terrenos de marinha, ilha e outros, cuja ocupação está sujeita à enfiteuse ou a outras restrições do domínio pleno ou direto.” “O terreno alodial é vizinho ao terreno de marinha, de propriedade privada.” (BRASIL, 2020).

Este conceito é importante para a compreensão das questões jurídicas que permeiam a maioria das ações acerca do problema da delimitação dos terrenos de marinha. Pela apreensão do conceito de terreno alodial, percebe-se que um mesmo terreno pode conter uma parte de área de marinha e outra alodial, como acontece em muitos casos que serão apresentados em outra parte deste trabalho. Além das demandas judiciais, na quais, conforme já mencionado, os terrenos de marinha desapareceram em função do avanço do mar sobre esses, gerando conflitos entre a União e os proprietários dos terrenos alodiais (RODRIGUES, 2017).

3.4 EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO ATRAVÉS DA HISTÓRIA

3.4.1 Legislação nos períodos Colonial e Imperial

No ano de 1500, com a chegada dos portugueses ao Brasil, todas as terras passaram ao domínio da Coroa Portuguesa. Juliana Maria Cerutti Castro e Rodrigo Reis Pastore (2002) alertam:

Referências

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