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A segurança jurídica nas formas de utilização dos terrenos de marinha

4 AS FORMAS E AS QUESTÕES CONTROVERSAS NA UTILIZAÇÃO DOS

4.2 QUESTÕES CONTROVERSAS ACERCA DOS TERRENOS DE MARINHA

4.2.4 A segurança jurídica nas formas de utilização dos terrenos de marinha

Por terem sido incluídos pela CFRB/88 como bens da União, os terrenos de marinha não ganharam presunção legal quanto à localização de cada um deles. Se assim fosse, possibilitaria a ideia de que a propriedade decorre de lei, mesmo que não haja o objeto da

propriedade, assim como não há propriedade sem título. Ou seja, “[...] para que o imóvel exista, na forma patrimonial (bem), é preciso que ele esteja devidamente descrito e caracterizado (demarcado) no espaço físico territorial.” (RODRIGUES, 2020).

Com efeito, por uma questão de razoabilidade jurídica, os imóveis particulares, após a promulgação da CFRB/88 não passaram a pertencer à União, pois foram resguardados no texto constitucional “[...] o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada, o direito de propriedade privada, o sistema de registros públicos e a coerência das cadeias dominiais imobiliárias.” (TOBIAS, 2017).

Com essa análise, Tobias (2017) levanta a questão mais complexa e polêmica acerca da regularização dos terrenos de marinha após a promulgação da Carta Magna de 1988:

A grande indagação dirigida ao texto constitucional diz respeito à situação jurídica dos imóveis localizados em terrenos de marinha validamente destacados do domínio público, seja por compra, doação ou permuta feitos diretamente da União em épocas remotas, seja por remição de foro e compra de propriedade na vigência do Decreto Lei 9.760/46.

Na visão de Rodrigues (2020), a Lei de Registros Públicos, Lei 8.935/1994, constitui-se relevante serviço técnico e administrativo com a função de garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Sendo assim, perante terceiros, um imóvel mesmo que localizado em terreno de marinha, é uma propriedade particular, até que se prove o contrário. Inclusive, a própria União deve respeitar a legislação especial efetivando o registro dos seus imóveis. O Registro Imobiliário Patrimonial (RIP), faz as vezes da matrícula no Registro de Imóveis cadastrada pela SPU, com matrícula própria.

Nesse sentido, é indiscutível que as demarcações dos terrenos de marinha sejam efetuadas conforme critérios científicos precisos, para evitar a usurpação da propriedade privada e a insegurança jurídica gerada pela invalidação documental no Registro de Imóveis (GAZOLA, 2004).

Nessa esteira, Nelson Saule Júnior e Daniela Campos Libório Di Sarno (2011) afirmam que a União registrava seus bens imóveis somente pelas vias administrativas até 1973. Isto gerou muitos desencontros acerca da titularidade desses imóveis em relação às informações contidas nos cartórios de registros de imóveis. Os bens da União só passaram a ser registrados nesses cartórios a partir da Lei 5.972 de 12 de novembro de 1973.

Contudo, há o questionamento de Rodrigues (2017) acerca da aplicação Súmula 496 do STJ pelos tribunais, em casos em que o particular possui um título de propriedade

desde os primórdios, sendo informado que seu terreno encontra-se em terreno de marinha e, portanto, de domínio da União. Nos dizeres deste autor:

[...] a referida súmula deixa a desejar ao não reconhecer a existência de imóveis que, mesmo situados em terrenos de marinha, possam estar sob o domínio particular por terem sido alienados pela União Federal ou por conta da remição de um contrato de aforamento, neste caso consolidando-se o domínio pleno da propriedade no foreiro, ou seja, no particular.

Ainda sobre a aplicação da legislação própria aos terrenos de marinha, Angela Romiti (2012) faz a seguinte observação:

Carente de idônea sistematização, a segurança jurídica cede espaço às interpretações arbitrárias e subjetivas, quer dos órgãos públicos, quer dos aplicadores do Direito. Bastante aquém de sua extrema relevância, as poucas passagens encontradas nos manuais e artigos destinados ao tema não condizem com seus reflexos sociais diretos.

Para Gazola (2004), apesar de sua legalidade, grande parte da legislação acerca dos terrenos de marinha é inapropriada aos interesses sociais, pois foram editadas em favor único da União. Sob o escopo de garantia da segurança nacional, seu conteúdo acaba por impedir qualquer modificação no sentido de conferir segurança jurídica aos seus ocupantes. “Tudo isso se soma a um deficitário sistema de controle, ocorrido por conta do sucateamento dos órgãos responsáveis pela fiscalização das leis sobre o tema.” (CASTRO e PASTORE, 2002).

Nessa perspectiva, os bens imóveis da União como recursos estratégicos para a execução das políticas públicas no fomento à produção da habitação e como inclusão socioterritorial acabam não cumprindo muitas vezes com sua função social em detrimento da tradição privatista que rege a utilização das terras públicas. (PEREIRA, e SCHVARSBERG, 2019)

Sobre a segurança jurídica dos moradores dos terrenos de marinha, Castro e Pastore concluem:

Toda e qualquer atitude a respeito da normatização deste assunto será influenciada pela visão política e social de cada cidadão e não se quer aqui afirmar que existe um caminho certo e outro errado. O que se quer é que a insegurança jurídica cesse, tanto para aqueles que estão cientes dos termos em que estão asseguradas suas posses, quanto daqueles que desconhecem totalmente quão instável está a sua situação em relação à, talvez, sua própria residência.

Constata-se a partir dos dados históricos que houve uma omissão legislativa no que tange ao tema dos terrenos de marinha, por não ter sido atualizada, bem como uma omissão do Poder Executivo na administração de seus bens. Apesar disso, considera-se temerária a sua extinção. (ALMEIDA, 2008)

Após analisarem as questões referentes à legislação e à política de gestão dos bens imóveis da União, Saúle Júnior e Di Sarno (2011) constatam a necessidade de uma padronização da interpretação jurídica e administrativa, pois há certa fragilidade neste contexto, causada pela falta de diálogo entre a legislação do patrimônio e os demais textos normativos. Há desconhecimento da legislação administrativa por parte de muitos órgãos e entidades da Administração Pública, causando confusões e ineficiência na gestão desses imóveis, no tocante a interpretações e procedimentos administrativos.

Para que o gerenciamento dos bens imóveis da União possa ser eficiente e atender aos propósitos sociais a que se destinam, deve haver um trabalho integrado na interpretação legislativa e nos procedimentos administrativos entre todos os órgãos da Administração Pública. Assim, para uma completa integração urbanística e ambiental devem ser aplicadas em conjunto a legislação inserida no Estatuto da Cidade, no Código Florestal, na Lei da SNUC (Sistema Nacional de Unidade de Conservação) e na Lei que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (SAÚLE JÚNIOR e DI SARNO, 2011).

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