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3 CONTEXTUALIZAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA

3.4 EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO ATRAVÉS DA HISTÓRIA

3.4.2 Legislação no Brasil República

A Constituição República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, no Brasil Republicano, não fez menção aos terrenos de marinha como bens da União ou dos Estados. Assim sendo, não fica claro a quem pertencem, sendo a seguinte determinação dos bens públicos aos Estados:

Art. 64 - Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais.

Parágrafo único - Os próprios nacionais, que não forem necessários para o serviço da União, passarão ao domínio dos Estados, em cujo território estiverem situados. Outrossim, Castro e Pastore (2002), apontam as controvérsias acerca do arrecadamento dos foros pelas províncias, que revelam o caráter eminentemente fiscalista do instituto da enfiteuse aplicado aos terrenos de marinha, quando abordado pelas leis orçamentárias em lugar da legislação sobre defesa e segurança territorial.

Corrobora para a fixação desta ideia a análise da Lei Municipal nº 339 de 1916, da cidade de Florianópolis. Na época, decidiu-se que as terras doadas por Dom João VI à Província seriam passíveis de serem aforadas aos que nela viviam, sendo que a renda proveniente seria revertida ao erário local. Mas, no entanto, podendo o Poder Público fazer o bem e efetivar a propriedade dos que já tinham a posse, optou pela reedição do nocivo expediente da Enfiteuse com seus foros, laudêmios e “inseguranças eternas”. Não se fala aqui nem em legitimação a título gratuito, mas talvez em alguma forma de utilizar o valor arrecadado nos foros e laudêmios como um instrumento para baratear a compra do imóvel, característica aliás, do próprio instituto da Enfiteuse quando aplicado entre particulares [...]

Tanto a Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934 quanto a Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937 definiram os bens da União pela legislação em vigor, que no caso eram os Decretos 14.595 de 31 de dezembro de 1920, 22.250 de 23 de dezembro de 1932 e o Código de Águas, já citados anteriormente (FREDERICO e CARNEIRO, 2016).

Porém, em 1938, a 2ª Guerra Mundial gerou ameaças de invasão à costa brasileira. Some-se a isso a descoberta de tório, utilizado na indústria nuclear, presente nas areias monazíticas em praias do Espírito Santo. Dois fatos que despertaram a atenção aos terrenos de marinha e a consequente edição de dois decretos: Decreto 710 de 17 de setembro de 1938 e Decreto 2.490 de 16 de agosto de 1940. Estes decretos diziam não reconhecer nenhum título de propriedade particular sobre imóveis localizados em terrenos de marinha e passavam a totalidade da arrecadação dos foros para a União (TOBIAS, 2017).

Castro e Pastore (2002), confirmam que “[...] em setembro de 1946 voltou-se a legislar com profundidade sobre o tema. Foi neste ano que se editou o Decreto-Lei nº 9.760, conhecido também como Lei do Patrimônio e que se encontra em vigor até os dias atuais.” Assim tem-se, somente em 1946, por meio do Decreto-Lei nº 9.760, artigos 2º e 3º, a definição legal de Terrenos de Marinha e seus acrescidos. (BRASIL, 1946)

O Decreto-Lei 9.760, disciplinou as regras do Sistema Patrimonial da União, no que diz respeito à aquisição, uso e alienação da propriedade pública federal, mantendo os terrenos de marinha sob seu domínio, “[...] salvo quando originais em títulos por ela outorgadas na forma do presente Decreto-lei.” (BRASIL, 1946).

Emmanuel Tobias (2017) constata que o aforamento ou enfiteuse como forma de utilização dos terrenos da União previsto no Decreto-lei nº 9.760/46 sofreu várias alterações ao longo dos anos, conforme o contexto e a atenção dada pela administração pública. No entanto, a proibição de novas enfiteuses pelo Código Civil de 2002 não afetou os terrenos de marinha, conforme se verifica no §2º do artigo 2038, onde se prevê regulação por lei especial: Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando- se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916, e leis posteriores.

§ 1o Nos aforamentos a que se refere este artigo é defeso:

I - cobrar laudêmio ou prestação análoga nas transmissões de bem aforado, sobre o valor das construções ou plantações;

II - constituir subenfiteuse.

§ 2o A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos regula-se por lei especial. (BRASIL, 2002)

Consta no referido Decreto que os imóveis localizados em áreas de marinha poderiam tornar-se propriedade do particular em duas situações: mediante a remição do foro, conforme o art. 103, ou mediante alienação da propriedade plena em concorrência pública, conforme art. o 134. As duas situações condicionadas ao juízo de conveniência, oportunidade e interesse nacional, a critério do Presidente da República ou agente delegado. A remição do aforamento foi regulada pela primeira vez pelo decreto-lei 9.760/46 e tem suas regras e procedimentos indicados em diversas instruções normativas da Secretaria de Patrimônio da União - SPU (CASTRO e PASTORE, 2002).

Ainda sobre a remição do aforamento, Diogo Farto (2018) observa que:

A remição do aforamento é forma de extinção da enfiteuse, decorrente da venda pela União (senhorio direto) do domínio direto ou iminente, que corresponde a 17% do valor do imóvel, nos estritos termos do artigo 123 do Decreto-Lei 9.760/46. Consolidado o domínio direto em favor do particular (foreiro), a propriedade plena do imóvel, antes pública, se tornará alodial. Terras alodiais são terras privadas, livres de pagamento de foros.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 incluiu as ilhas oceânicas entre os bens pertencentes à União, indo ao encontro da ideologia militar da época, valorizando a segurança interna e externa do país. A medida trouxe polêmica entre os doutrinadores, na qual parte desses defendia o direito adquirido dos Estados e Municípios na ocupação dessas áreas. “[...] Ou seja, de uma só vez, desrespeitando o direito historicamente adquirido de propriedade, a União tomou para si terras que já não lhe pertenciam, e isso sem nenhuma contraprestação financeira [...]” (CASTRO e PASTORE, 2002).

Em Santa Catarina, a medida constitucional trouxe reflexos sobre o parecer da Procuradoria Geral da Fazenda, estendendo o domínio da União sobre os imóveis localizados na ilha de Florianópolis, quando não possuíssem título legítimo de propriedade. Sobre essa questão, a decisão do STF em 1985 declarou que Florianópolis não se encontrava entre as ilhas oceânicas. Derrubado o nexo causal alegado pela Procuradoria da Fazenda em Santa Catarina, a medida constitucional deixou de produzir efeitos aos moradores da ilha de Florianópolis (CASTRO e PASTORE, 2002).

Nesta seção foram examinadas as constituições dos anos de 1891, 1934, 1937 e 1967 em relação à importância dada ao instituto dos terrenos de marinha. Mostrou-se a sua regulamentação instituída somente no ano de 1946, pelo Decreto Lei 9.760 que traz o

conceito dos terrenos de marinha e outras determinações para o gerenciamento desses terrenos pela administração pública. Na próxima seção serão delineadas as modificações legislativas sobre os terrenos de marinha após a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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