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4. A VIOLÊNCIA NA BAHIA: SUA CARA E ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO

4.2 LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA DE COMBATE VIGENTE NO BRASIL – CARACTERÍSTICAS E

Resultado da pressão dos movimentos feministas, em 7 de agosto de 2006, foi sancionada pelo Presidente da República a Lei Nº 11.340, conhecida por Lei Maria Penha, em homenagem à Maria da Penha Maia, vítima da violência conjugal que lutou por 19 anos contra a impunidade, levando o Brasil aos Tribunais Internacionais por negligência82. Em 22 de setembro do mesmo ano, a lei entrou em vigor, introduzindo no país um novo contexto jurídico de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres.

Com essa lei, o Brasil passou a ser o 18º país nas regiões da América e Caribe a ter uma legislação específica para o combate da violência doméstica e familiar, diferenciando-se das outras legislações - que privilegiam a proteção de

82 “Em 1983, Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de duas tentativasde assassinato por parte do seu então marido, Marco Antônio Heredia Viveros, ficando paraplégica em função da primeira agressão. A conclusão do processo criminal e a prisão do réu só ocorreram quase vinte anos após a data do crime, graças às pressões de Maria da Penha e de entidades feministas e de direitos humanos. Em 1996, o caso foi encaminhado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pelas organizações não governamentais Comitê Latino-Americano e do Caribe pela Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM – Brasil e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL, juntamente com a vítima. Em abril de 2001, a CIDH publicou o relatório sobre o mérito do caso, concluindo que o Brasil violara os direitos de Maria da Penha ao devido processo judicial. Para a CIDH, esta violação constituíra um padrão de discriminação evidenciado pela aceitação da violência contra as mulheres no Brasil através da ineficácia do Judiciário” (CECÍLIA SANTOS, 2010, p.163).

todos os membros do núcleo familiar -, por enfatizar a proteção dos direitos das mulheres, segundo relatou Wânia Pasinato (2007), em seu trabalho “Contribuições para o debate sobre violência, gênero e impunidade no Brasil”. A esse respeito, acrescenta Wânia Pasinato (2011) em artigo “Cinco anos da Lei Maria da Penha”, publicado na Revista Teoria e Debate (2011b, p.1):

Embora sua aprovação seja considerada tardia em relação ao histórico do continente, a Lei Maria da Penha se diferencia daquelas existentes nos demais países da América Latina por duas características: foi a primeira a incorporar a perspectiva de gênero em seu texto e se aplica especificamente à proteção dos direitos das mulheres e o faz a partir da conciliação de medidas na esfera do direito penal e cível, combinadas com políticas intersetoriais.

Adequada à Constituição Federal (artigo 1º), à Convenção de Belém do Pará e à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Lei 11.340/2006 reconhece a violência de gênero contra a mulher como uma das formas de violação dos direitos humanos, e tem como objetivo “criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher [...]” (artigo 1º).

De caráter inovador, a Lei Maria da Penha apresenta uma definição e tipificação da violência doméstica e familiar contra a mulher. Para os seus efeitos, o fenômeno é definido como qualquer ação ou omissão baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: no âmbito da unidade doméstica; no âmbito da família; em qualquer relação de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (artigo 5º). Além de reconhecer e descrever as diferentes formas de violência – física, psicológica, sexual, patrimonial e moral (artigo 7º).

Outras inovações dessa lei são o aumento do tempo máximo de detenção previsto de um para três anos; e a disposição, no seu artigo 14, sobre a criação de um novo e importante equipamento para o combate desse tipo específico de violência - os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, com competências civil e criminal. Como descreve o seu Art. 29, esses Juizados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de

saúde. E, dentre os seus mecanismos, é garantida a proibição da entrega da intimação pela mulher ao agressor.

A proteção às mulheres em relações homoafetivas também se constitui em um aspecto de caráter inovador da lei, ao dizer em seu artigo 2º que “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual [...] goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”, reiterado no parágrafo único do artigo 5º: “As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”. Desse modo, esclareceu Maria Berenice Dias (2007a, p. 35):

Ao ser afirmado que está sob o abrigo da Lei a mulher, sem distinguir sua orientação sexual, encontra-se assegurada proteção tanto às lésbicas como às travestis, as transexuais e os transgêneros do sexo feminino que mantém relação íntima de afeto em ambiente familiar ou de convívio.

Além disso, segundo essa autora, ainda que a lei tenha a finalidade de proteger a mulher, com esse dispositivo, acabou por cunhar um novo conceito de família, independente do sexo dos parceiros:

O conceito legal de família trazido pela Lei Maria da Penha insere no sistema jurídico as uniões homoafetivas. Quer as relações de um homem e uma mulher, quer as formadas por duas mulheres ou constituídas entre dois homens, todas configuram entidade familiar (DIAS, 2007a, p.37).

Para a autora, “[...] não mais cabe questionar a natureza dos vínculos formados por pessoas do mesmo sexo” (2007a, p.36). Apesar das resistências ainda apresentadas pelos/as juristas em suas decisões, há uma nova regulamentação legislativa da família (DIAS, 2007a).

Com a proposta de atender à mulher em situação de violência doméstica e familiar na sua integralidade, uma vez que, pela já sabida complexidade desse fenômeno, não se tem uma maneira única de enfrentá-lo, a Lei Maria da Penha dispõe que:

As ações e medidas previstas em seu texto são de caráter multidisciplinar e necessitam, para sua aplicação, de maior entrosamento entre o Poder Judiciário – em especial com a criação dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar, previstos na lei – e as políticas públicas administradas no âmbito dos governos federal, dos Estados e municípios (PASINATO, 2007, p.6).

Dessa maneira, pode se caracterizar na atuação de três eixos, como sugeriu Wânia Pasinato (2007), em trabalho já citado. O primeiro deles é da punição, que tem nos seus procedimentos a decretação da prisão preventiva e em flagrante dos agressores com base na nova Lei que altera o código de processo penal, a retomada do inquérito policial, a retirada dos Juizados Especiais Criminais da competência para julgar os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, a proibição das penas alternativas ou pagamento de multa como pena isolada, a restrição da representação criminal para determinados delitos, a obrigatoriedade do comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação, entre outros.

O segundo eixo - da proteção – tem como principal objetivo a garantia da integridade física das agredidas e dos seus direitos, oferecendo medidas de urgência de proteção às mulheres, como também que obrigam o agressor. No prazo de 48 horas, recebido o expediente com o pedido da ofendida, cabe ao juiz, entre outras medidas, conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência. Além disso, o eixo protetivo concentra medidas assistenciais, que serão prestadas:

[...] De forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso (artigo 9º).

Essa lei garante assistência judiciária às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, que deverão estar acompanhadas de advogado em todos os atos processuais. O seu artigo 28º descreve o direito ao acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária gratuita a todas as mulheres nessa situação, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado. Dentre as medidas de assistência destacam-se, ainda, as medidas psicológicas e sociais garantidas às mulheres. O terceiro e último eixo é da prevenção83, que tem suas medidas

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Dentre as diretrizes desse eixo, pode-se citar: a promoção de estudos e pesquisa, estatísticas e outras informações relativas à questão da violência doméstica e familiar contra a mulher; a coibição dos papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem esse tipo de violência, nos meios de comunicação social; a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas DEAMs; a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção a esse tipo de violência, como a implementação de programas de erradicação (artigo 8º).

descritas no artigo 8º da lei. Nesse artigo, “[...] Estão as medidas de prevenção e educação, compreendidas como estratégias possíveis e necessárias para coibir a reprodução social do comportamento violento e a discriminação baseada no gênero” (PASINATO, 2007, p.7). Prevê também esse artigo que a prevenção é uma tarefa de todos os envolvidos, como o Poder público e organizações da sociedade civil.

Algumas medidas previstas nesse eixo, também presentes no artigo 8º, são a capacitação permanente de profissionais das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros, entre outros, quanto às questões de gênero e de raça ou etnia; a promoção de programas educacionais com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia; e o destaque, nos currículos escolares para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e, especificamente, ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Com a abordagem integral às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, a Lei Maria da Penha, para a sua eficaz aplicação, necessita do equilíbrio entre o trabalho dos seus três eixos. Nesse sentido, é preciso um enfrentamento multisetorial do fenômeno, através de políticas que estimulem que essas mulheres decidam ir denunciar seus agressores e consigam, de fato, sair da situação de violência.

Para isso, é fundamental considerar que o Brasil apresenta um sistema de governo federalista84, o qual tem influência na formulação, aprovação e execução de políticas públicas, de modo que a divisão de poder em diferentes níveis prevê suas participações em cada um desses processos. Ao mencionar sobre a influência do federalismo no exercício da política nacional, Celina Souza (2010) explica que:

[...] O federalismo se manifesta, de maneira concreta, não só na divisão de poder entre níveis de governo, mas também na atividade legislativa, no papel do Judiciário, na alocação de recursos tributários

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Enquanto forma de Governo do Brasil, o Federalismo caracteriza-se pela difusão da autoridade e do poder, baseada na divisão territorial, com pequeno controle político central. Nesse sistema, a autoridade é partilhada entre dois níveis de governo – federal e estadual, entretanto, em alguns países, como no Brasil, há um terceiro nível - o municipal, que forma a federação (SOUZA, 2010).

e de competências e nas garantias constitucionais dos entes que compõem a federação (SOUZA, 2010, p. 345).

Ainda a esse respeito, relata Souza (2010, p. 349): “[...] Grande parte dessas políticas é constitucionalizada, inclusive a determinação sobre o papel de cada nível de governo na sua provisão”. Nessa perspectiva, é reconhecida a necessidade de uma política integrada nacional, estadual e municipal, nas esferas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, voltada para a concretização e o respeito dos direitos humanos das mulheres (CARREIRA; PANDIJARJIAN, 2003).

No enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, a Lei Maria da Penha apresenta diretrizes para a formulação de políticas públicas. No seu Capítulo I - Das Medidas Integradas de Prevenção, do Título III – Da Assistência à Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, define no artigo 8º: “A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não- governamentais [...]”, tendo por sua primeira diretriz: “A integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação”.

Para Leda Maria Hermann (2007) essa articulação operacional prevista na lei trata-se de objetivo muito desafiador, por exigir articulação cruzada entre as três esferas de governo e destas com organismos não estatais. Para melhor explicar, menciona:

[...] Para exemplificar as dificuldades imanentes a essa integração, basta lembrar que a Justiça Formal competente para o atendimento das situações de violência doméstica e familiar é a estadual; já os serviços públicos de saúde e assistência social são municipalizados, enquanto a educação é de competência concorrente entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios (facultada a atuação do setor privado), o mesmo ocorrendo com a habitação. Esta complexa teia é também integrada pelo setor produtivo privado (comércio, indústria e serviços) e pelos meios de comunicação social (mídia eletrônica, jornais, etc.) (HERMANN, 2007, p.119-120).

Tal articulação é claramente definida na diretriz VI desse mesmo artigo da lei, que determina a necessidade de parcerias:

VI – a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parcerias entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher (Art. 8º).

A lei dispõe sobre a criação de sistema abrangente e amplo voltado para a prevenção, proteção e atendimento integral às vítimas. Com isso, torna-se indispensável “[...] a atuação e intervenção de setores e órgãos estatais, nos três níveis de governo, bem como a cooperação da sociedade civil [...]” (HERMANN, 2007, p.121). Sobre a importância e função das parcerias na operacionalização desse sistema, acrescentou Hermann (2007, p.121-122):

Operacionalizar tão complexo sistema exige definição de papéis e funções, distribuição de tarefas e atribuições e coordenação racional de ações e iniciativas, o que só pode ser alcançado através do estabelecimento de parcerias. A formalização instrumental (conveniamentos, acordos, protocolos) não é propriamente a essência das ações e programas, mas representa articulação organizada dos parceiros, tornando possível a obtenção de resultados satisfatórios, a avaliação e revisão permanentes das estratégias, o incremento e ampliação de iniciativas bem-sucedidas e, acima de tudo, o comprometimento concreto e inequívoco dos atores.

No que diz respeito aos já mencionados Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, “[...] Poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher” (Art.14). A lei define também no artigo 33 que as varas criminais acumularão as competências cíveis e criminais enquanto não estruturados os juizados.

Para Hermann (2007) a lei não cria efetivamente os Juizados de Violência Doméstica e Familiar, nem obriga, pelo menos indiretamente, a sua criação ou instalação. Segundo a autora, isso se deve ao fato da redação do artigo não ser imperativa, nem poderia ser. Assim, explica:

Em princípio, por ser iniciativa exclusiva dos Tribunais de Justiça dos Estados propor ao Poder Legislativo respectivo a criação de novas varas [...] e a alteração da organização e da divisão judiciárias [...]. A competência da União para legislar sobre organização judiciária e administrativa, quando o foro é o da Justiça Ordinária, restringe-se ao Distrito Federal e aos Territórios [...]. Nos Estados a matéria é regulada pelas respectivas Constituições Estaduais, sendo de competência das Assembleias Legislativas, mediante proposta dos

Tribunais de Justiça Estaduais, legislar sobre a matéria (HERMANN, 2007, p.164).

Entretanto, a autora menciona que, “[...] Ao delegar a esses Juizados competência específica, dispondo inclusive [...] sobre competência transitória das varas criminais para atuar nas causas a eles pertinentes, a lei tornou imperativa, mesmo que implicitamente, sua criação [...]” (HERMANN, 2007, p.164-165). Ainda sobre os Juizados, o parágrafo único do artigo 14 da lei determina que os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, respeitada a organização judiciária de cada unidade federativa. Quanto à equipe de atendimento multidisciplinar que poderá ser criada para trabalhar nos juizados, define o Art. 32: “O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias”.

No Art. 35 a Lei Maria da Penha enumera em cinco incisos serviços e iniciativas que poderão ser criados e promovidos pela União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, no limite das respectivas competências, sendo eles: centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres em situação de violência e seus dependentes; casas-abrigo para essas mulheres e seus dependentes; delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados nesses casos; programas e campanhas de enfrentamento a essa violência; e centros de educação e reabilitação para os agressores. Ao discutir sobre o encargo de operacionalização desses serviços elencados nos incisos, Hermann (2007) mencionou que, no primeiro, no segundo e no quinto deles, a obrigação direta é dos municípios,

[...] Nos termos do artigo 30, inciso VII da CR (quanto à saúde) e do artigo 204, inciso I da Lei Maior (quanto à Assistência Social), incumbindo à União Federal e aos Estados a coordenação técnica das ações e destinação orçamentária de recursos financeiros, de acordo com as legislações específicas (HERMANN, 2007, p.221- 222).

No terceiro inciso, a autora afirma ser de incumbência direta dos Estados federados, “[...] Atendido o disposto no artigo 144, § 6º da Constituição, que determina a subordinação das polícias civil e militar e de outras forças e

serviços auxiliares aos governos estaduais” (HERMANN, 2007, p.222). No caso da criação de núcleos especializados de defensoria pública, é também atribuição direta dos Estados, “[...] ressalvada a competência concorrente da União para legislar sobre normas gerais pertinentes, conforme dispõe o artigo 134, parágrafo único da CR” (HERMANN, 2007, p. 223). O quarto inciso prevê ações viáveis tanto em nível educativo-preventivo quanto em nível assistencial. Ainda sobre a lei e as competências distribuídas e compartilhadas entre as diferentes esferas e instituições do Estado, o Art. 36 determina que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta Lei”. No seguinte, Art. 37, é definido que “A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil”. No que se refere às questões orçamentárias, a lei define no seu Art. 39 que:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.

Após explanar considerações acerca da Lei Maria da Penha e sua aplicação, pode-se constatar o seu caráter inovador e até mesmo revolucionário, seja por tratar de uma questão social de reconhecimento relativamente novo, seja pela adoção de novos conceitos e definições e pela necessidade de uma consistente articulação entre os diversos poderes governamentais e setores da sociedade. Desse modo, é preciso que a máquina do Estado, nos seus diferentes níveis, através de seus/as funcionários/as, empreenda novas posturas e formas de encaminhamentos mais “adaptados” para a resolução das medidas dessa lei.

Nos dias atuais, as políticas públicas têm tido um papel muito importante na execução das agendas dos Governos, porém, no caso específico das mulheres e do combate à violência que sofrem, percebe-se que não há uma mudança na estrutura de implementação, nem da consciência dos funcionários públicos

para acompanhar essa nova demanda social. A ausência dessa mudança se expressa, de forma mais marcante, nas resistências encontradas e dificuldade na aplicação da Lei Maria da Penha85.

Com a indevida aplicação dessa lei, há, até certo ponto, uma violência sofrida pelas mulheres por parte do Estado. Para exemplificar, no trabalho de Gina Costa Gomes (2010), - resultado de dissertação de mestrado, intitulado “Aspectos visíveis das violências invisíveis: violência contra a mulher na família nos casos das usuárias do Centro de Referência Loreta Valadares em Salvador-Ba”86

, foi observada a ocorrência de violência institucional87 cometida pelas DEAMs de Salvador/BA, que apresentavam dificuldades de seus atendentes em informar claramente às mulheres sobre sua condição e seus direitos, entre outras falhas no atendimento, que acabam revitimizando suas usuárias.

Muitos são os problemas encontrados na estrutura do Estado para cumprir efetivamente as medidas necessárias para a efetiva aplicação dessa lei. Menciono, primeiro, a falta de vontade política para incorporar a problemática da violência doméstica contra a mulher no âmbito central das políticas públicas. Segundo Virgínia Falcão (2008) em seu trabalho de dissertação “Política de