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Na Espanha, por sua vez, no que tange ao reconhecimento da violência vivenciada pelas mulheres como problema social, a história parece não ter sido muito diferente da brasileira. Na Europa, já no século XIX, surgiram as primeiras denúncias sobre o perigo oferecido pelo casamento como espaço perigoso para as mulheres (DE MIGUEL, 2005). Como alertam (PÉREZ; FIOL, 2007, p.4).

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Em 1825 os cooperativistas William Thompson e Anna Wheeler publicam uma obra intitulada A Demanda da Metade da raça humana na qual se compara a situação das mulheres com a escravidão, considerando que vivem separadas em um estado de absoluta indefensabilidade e submetidas aos desejos e vontades de seus esposos. (tradução nossa).

Enquanto que, especificamente na Espanha, a esse respeito, conforme menciona Defensor Del Pueblo (1998, p.13):

Uma primeira referência no direito espanhol se encontra no Código

de las Partidas, compiladas por Alfonso X o Sábio de Castilla na

metade do século XIII. Os aspectos que então se reuniam eram mais questões médico-legais que jurídicas. Se realizava um estudo das lesões com menção expressa a sexologia médico-legal, sobretudo da violação e do aborto e se fazia referência também a patologia mental. (tradução nossa).

Nesse país, a partir da década de 1960, o movimento feminista começou a se articular com o objetivo de restaurar os direitos civis perdidos e em conquistar o fim da ditadura. Em 1965, foi criado o Movimento Democrático da Mulher, por mulheres do partido comunista da Espanha e da sociedade civil, passando a se chamar, em 1974, Movimento para a Liberação da Mulher. Esse movimento buscava a cobertura legal que ofereciam a diversos grupos de donas de casa (PÉREZ; FIOL, 2007).

Em 1970, aconteceu o Primeiro Congresso Internacional da Mulher, organizado pela Sessão Feminina, que fez com que os grupos feministas mais novos se conhecessem entre si e estabelecessem contato com feministas de outros países. Em 1973 foi fundada a Associação para a Promoção e a Evolução Cultural, que tinha como proposta uma revolução cultural que modificasse o conceito de mulher (PÉREZ; FIOL, 2007). Nesse mesmo ano, pela primeira vez no Código penal da Espanha se regula “[...] A falta de indícios, com a sanção de cinco a quinze dias de prisão” (TATIANA CUÉLLAR, 2007, p.11, tradução nossa).

Ainda sobre as iniciativas de grupos feministas e de mulheres na década de 1970, mencionaram Pérez e Fiol (2007, p.8-9, tradução nossa):

Em 1974 se criou a Plataforma de Organizaciones y Grupos de

Mujeres de Madrid que trabalhou na preparação do ano Internacional

México no ano seguinte. En 1975 se celebraram as I Jornadas de

Liberação da Mulher onde mulheres de diversas províncias, com

pontos de vista diversos sobre o feminismo e com ideologias díspares discutiram sobre a problemática da mulher. Nestas jornadas se perfilou o que chegaria a se converter em duas formas claramente diferenciadas de entender o feminismo e sua relação com a militância política depois da chegada da democracia. Em 1976 se celebraram as Jornadas Catalãs da Dona onde se produziu a cisão definitiva entre os grupos de mulheres católicas e o resto de grupos.

Em 1978, essas autoras mencionaram que a Constituição Espanhola consagrou o princípio de igualdade entre a lei sem discriminação em razão de sexo, raça, religião, entre outras, e abriu o caminho para uma nova situação e para novas leis que se ajustaram a ela, três anos depois da morte de Franco56 e já em pleno processo de transição. Durante a década de 1980, depois do desaparecimento do regime franquista, emerge o feminismo questionando a dicotomia público/privado, através do slogan “o pessoal é político” (ORBORNE, 2009). Sobre a violência praticada contra as mulheres, especificamente, segundo Osborne (2009, p.32, tradução nossa):

Já desde o movimento das mulheres pelo sufrágio feminino a violência masculina contra as mulheres se converteu em um tema de debate porque as feministas denunciaram a existência de maus tratos, a violência sexual, por exemplo, no matrimônio, assim como a violência reprodutiva, presente na gravidez não desejada.

Segundo essa autora, inicialmente, a violência sexista era reconhecida, sobretudo, quando cometida por estranhos nas ruas. A partir daí, começam as campanhas a favor da denúncia pública das violações e, com isso, a elaboração de estatísticas sobre violência e a criação das primeiras unidades especiais de mulheres policiais e os primeiros serviços de atenção a mulheres agredidas.

Em 1983, foi criado o Instituto de la Mujer pelo primeiro governo socialista da democracia, que, junto com os movimentos feminista e de mulheres, foi importante para a sensibilização social e a pressão para introduzir a violência contra mulher na agenda política espanhola (PÉREZ; FIOL, 2007). Ainda segundo essas autoras, apesar de nem sempre estar em sintonia com os projetos do movimento feminista, por se constituir num organismo

56 Para saber sobre o Regime “Franquista” na Espanha, ver o texto de Victoria Pérez e Esperanza Fiol (2007) na íntegra.

governamental e apresentar-se de acordo com o posicionamento político do governo vigente,

[...] As ações deste organismo e muito especialmente, suas campanhas divulgativas, a edição de documentos, a recopilação de estatísticas e o financiamento de estudos, desempenharam um papel nas mudanças acontecidas em nossa sociedade quanto à situação das mulheres em geral e quanto à violência contra elas em particular (PÉREZ; FIOL, 2007, p.9, tradução nossa).

Em 1984, começou a funcionar um serviço de informação e assessoramento57 nos quais as mulheres que sofrem violência podem se informar de como agir e dos recursos que dispõem nesses casos (CUÉLLAR, 2007). Além disso, “Praticamente em todas as comunidades autônomas, desde o ano 1989 se criam seminários de formação para os membros das Forças e Corpos de Segurança em relação aos delitos contra a mulher” (CUÉLLAR, 2007, p.58, tradução nossa).

No ano 1984, a Espanha ratificou a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. E, sobre fins dos anos 1980, mencionou Osborne (2009, p.33, tradução nossa):

Com a Reforma do Código Penal de 1989, os até então denominados ‘delitos contra a honestidade’ passaram a se catalogar como ‘delitos contra a liberdade sexual’, se desterrando da linguagem jurídica o aceitado e sexista conceito de ‘desejo desonesto’.

Com isso, desaparece do Código Penal a importância da mulher como representante da honra na instituição familiar, se protegendo, em seu lugar, a liberdade sexual como bem jurídico. Também nesse ano, tornava-se delito os maus tratos reiterados na família, ainda que em caso de lesão física leve (PÉREZ; FIOL, 2007). Segundo acrescentam essas autoras:

[…] Em 1989, a Comissão de Direitos Humanos do Senado emitiu um informe onde reconhecia que a violência conjugal contra as mulheres é interclassista, se exerce sobre mulheres e infância, os homens que a cometem o faz como una forma de demonstrar sua autoridade no seio da família e seu domínio sobre as mulheres, e se baseia na desigualdade e em concepções ideológicas patriarcais. (PÉREZ; FIOL, 2007, p.11, tradução nossa).

57 Existe, atualmente, nove desses centros e, além deles, “[...]Outros similares que dependem de prefeituras ou de comunidades autónomas, que totalizam 321 em todo o território nacional” (CUÉLLAR, 2007, p.58, tradução nossa).

Graças à Declaração das Nações Unidas sobre a eliminação da violência contra a mulher, em 1993, houve o reconhecimento internacional para que os estados nacionais tomassem para si esse assunto. Todavia, nesse momento, na Espanha, houve uma desmobilização do movimento feminista, quando são as organizações que se dedicavam à problemática das separações e divórcios, também de orientação feministas, como a Federación de Mujeres Separadas y identificação Divorciadas, que assumem esses casos (OSBORNE, 2009). Dessa maneira, nos anos 1990, a violência conjugal “aparece”, através da sua nos processos legais de separações matrimoniais, encontradas cotidianamente. A “descoberta” dessa realidade junto às insuficiências da lei fizeram com que esses setores buscassem formas para denunciar essas violências e para formular demandas para seu tratamento e condenações (OSBORNE, 2009).

Um elemento chave para a visibilização da violência conjugal na Espanha foi o caso Ana Orantes, em finais de 1997. Depois de fazer uma denúncia na televisão de sua situação de violência praticada por seu marido, Ana foi morta pelo mesmo, quem, depois que uma sentença judicial, a havia levado a dividir residência (PÉREZ; FIOL, 2007). Fruto de intensa mobilização, os meios de comunicação começaram a se interessar pelo fenômeno, que passou “[...] A ocupar espaços mais relevantes tanto quanto a sua presença e localização nos meios de comunicação como nas agendas dos/as políticos/as de nosso país” (PÉREZ; FIOL, 2007, p.10, tradução nossa). Por outra parte, a partir de 1999, quando o 25 de novembro foi designado pelas Nações Unidas como “Dia internacional para a eliminação da violência contra as mulheres”, na Espanha, desde 2000, se celebra essa data com atos institucionais, manifestações públicas, entre outras iniciativas (PÉREZ; FIOL, 2007).

O movimento feminista teve papel fundamental nesse processo de sensibilização e reconhecimento social do fenômeno da violência contra a mulher na Espanha. Embora as publicações feministas e a presença desse movimento nos meios de comunicação convencionais não tivessem ampla divulgação, nem espaço próprio, ao longo desse processo,

Tem sido, diferentemente, a irrupção na Internet e, particularmente, de páginas como Mujeres en Red (criada em 1997) ou de lugares como os da Fundación Mujeres (criada em 1994), la Coordinadora

Española para el Lobby Europeo de Mujeres (criada em 1995) ou a Red Estatal de Organizaciones Feministas contra la Violencia de Género (criada em 2002), o que há proporcionado ao movimento de

mulheres um alto-falante para difundir e fazer chegar tanto suas campanhas reivindicativas como suas informações (sobre temas diversos, mas, muito especialmente, sobre violência) a um número cada vez mais amplo de pessoas (PÉREZ; FIOL, 2007, p.10, tradução nossa).

Ainda segundo essas autoras (2007), pela relevância social que adquiriu o tema da violência contra as mulheres na Espanha, é possível se falar na existência de um movimento social contra esse tipo de violência, sobretudo se comparada aos níveis de sensibilização e ação apresentados por outros países vizinhos. Para demonstrar tal afirmação, Victoria Pérez e Esperanza Fiol (2007) citam duas pesquisas, nas quais a Espanha se mostrou mais preocupada com o problema do que os outros países da união Europeia58.

Nesse cenário, a pedido de um grupo feminista chamado el Lobby de Dones de

Mallorca, o escritório do Defensor del Pueblo publicou um informe, em 1998,

sobre a violência conjugal contra as mulheres na Espanha, no qual havia informações sobre sua incidência, causas e as ferramentas necessárias para enfrentar o fenômeno. Além disso,

Neste informe se detectou não só a magnitude do problema, mas também as graves carências assistenciais e de prevenção e se incluíram uma série de recomendações às instituições estatais, autônomas e locais indicando em cada caso quais eram as possíveis medidas a adotar para paliar o problema (PÉREZ; FIOL, 2007, p.11, tradução nossa).

Em 1997, o III Plan de igualdad entre Hombres y Mujeres59 do Instituto de la

Mujer introduziu a violência contra as mulheres como área específica de

atuação. E, a partir do seu extenso desenvolvimento, ocorreu “[…] A aprovação e início de atuação do I Plan de Acción contra la Violencia

doméstica, impulsionado pelo Instituto de la Mujer” (REVISTA DEL

MINISTERIO DE TRABAJO Y ASUNTOS SOCIALES, 2002, p.125, tradução nossa).

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Para saber mais sobre essas pesquisas, ver o texto de Pérez e Esperanza Fiol (2007) na íntegra. 59

Esse plano, que foi elaborado pelo Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales e impulsionado pelo Instituto de la Mujer e abarcava o período de 1998-2000,

nasceu com a pretensão "[...] Por uma parte, de reduzir, em primeira instância, e de erradicar, em última, os atos violentos e, por outra, de ajudar as vítimas a paliar os efeitos que nelas houver produzido” (REVISTA DEL MINISTERIO DE TRABAJO Y ASUNTOS SOCIALES, 2002, p.125, tradução nossa).

No I Plan de Acción contra la Violencia doméstica estavam estabelecidas seis áreas de atuação: sensibilização e prevenção, educação e formação, recursos sociais, saúde, legislação e prática jurídica e investigação60. E, sobre as ações concluídas em seu marco, o informe de sua execução, apresentado pelo

Instituto de la mujer, em 2002, comunicou que incluiu:

[…] A realização de mais de 800 atividades formativas para aumentar a sensibilização social e prevenir o problema; a criação de mais de 200 programas destinados a mulheres vítimas de violência e seus filhos e filhas; a criação de 130 serviços de atenção especializada da polícia (SAM) e a guarda civil (EMUME); a habilitação de 125 centros de acolhida e também centros de informação e oficinas de assistência a vítimas em juizados e promotorias […] (PÉREZ; FIOL, 2007, p.11, tradução nossa).

Essas autoras acrescentam que, no que tange a sua eficácia, embora tenha apresentado avanços no combate ao fenômeno61, esse plano alcançou muito menos do que o previsto (PÉREZ; FIOL, 2007). O II Plan Integral contra la

Violencia Doméstica, vigente no período 2001-2004, tinha como objetivos: […] Incidir na educação como medida preventiva, melhorar a legislação e prática jurídica, maiores recursos sociais e potencializar a coordenação entre os diferentes organismos e organismos sociais que trabalham na prevenção e eliminação da violência doméstica, assim como a assistência às vítimas (CUÉLLAR, 2007, p.13, tradução nossa).

Cabe mencionar que, segundo esclarecem Victoria Pérez e Esperanza Fiol (2007), esses dois planos foram fortemente criticados pelo movimento feminista, uma vez que foram promovidos por governos conservadores e, dessa maneira, possuíam uma abordagem parcial do problema. Além disso,

60

Para saber mais detalhes sobre esse plano, ver em:Revista del Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales, informe 40, 2002).

Disponível em:

<http://www.empleo.gob.es/es/publica/pub_electronicas/destacadas/revista/numeros/40/trabajo40.pdf>. 61

apresentavam insuficiências, tanto em relação às medidas planejadas quanto em relação à dotação econômica para suas execuções. Nesse contexto político conservador, as autoras seguem relatando que, […] Em janeiro de 2002 se constituiu a Red Estatal de Organizaciones Feministas contra la Violencia de

Género com o objetivo de pressionar as administrações para que realizassem

ações tendentes a erradicação desta violência” (PÉREZ; FIOL, 2007, p.12, tradução nossa).

De volta ao âmbito institucional, uma das medidas adotadas pelo II Plano, acima mencionado, foi a criação do Observatorio de Violencia Doméstica, em setembro de 2002, chamado de Observatorio contra la Violencia Doméstica y

de Género, a partir de julho de 2003. Resultado de convênio entre o Consejo General del Poder Judicial e os Ministerios de Justicia y Trabajo e Asuntos Sociales do Governo Espanhol, tinha a iniciativa de contribuir com a

erradicação dessa violência (PÉREZ; FIOL, 2007). Sobre sua atuação, mencionaram ainda essas autoras (2007, p. 12, tradução nossa):

Seu âmbito de atuação tem que ver com o tratamento desta violência na administração de justiça e seu principal objetivo é fazer um acompanhamento das sentenças e demais resoluções judiciais ditadas com o objetivo de apresentar pautas de atuação no seio do Poder Judicial e sugerir aquelas modificações legislativas que se considerem necessárias para conseguir uma maior eficácia e contundência na resposta judicial.

Diante da realidade de insuficiência dos recursos de atenção, que seguiam uma linha mais de assistência do que de recuperação, a Federación de

Mujeres Separadas y Divorciadas, uma ONG feminista, inaugurou, em 1991, na Comunidad de Madrid, o primeiro Centro de Recuperación Integral para mujeres y niños/as víctimas de la violencia de género, que logo passou a se

chamar Centro de Atención, Recuperación y Reinserción de Mujeres

Maltratadas (CARRMM) (PÉREZ; FIOL, 2007). Sobre seu funcionamento: […] Vem desenvolvendo uma intervenção integral, proporcionando, além do acolhimento, um extenso programa destinado às mulheres estruturado em cinco áreas de trabalho (jurídica, psicológica, formativa, trabalho social e convivência) e apoio a seus filhos/as (PÉREZ; FIOL, 2007, p.13, tradução nossa).

Essa abordagem integral do tratamento do fenômeno tem se apresentado como uma clara reivindicação do movimento feminista ao longo dos anos

seguintes. Nessa perspectiva, esses movimentos se empenharam, desde 1991, em apresentar a necessidade de uma lei específica de enfrentamento à violência de gênero contra a mulher, que possuísse a particularidade de atender a todos os aspectos deste complexo problema.

Para isso, apoiaram fortemente o projeto de lei (LO 1/2004 de 28 de

diciembre), originalmente proposto pelos socialistas, em 2002, em vista da

magnitude do problema (PÉREZ; FIOL, 2007). Mas, o projeto foi recusado, pois, estava, na época, um governo conservador e tiveram que esperar as eleições seguintes, quando houve uma mudança de governo, para que essa lei fosse aprovada. Sobre esse processo, contou Tina Alarcón, feminista, presidenta fundadora da Asociación Asistencia Mujeres violadas, em entrevista que me cedeu no ano de 2013, na sede dessa instituição:

Num momento em que havia um candidato socialista, que se chamava Pepe, que nunca chegou a ser presidente, mas, era um candidato. E, aquele candidato pedimos uma entrevista com ele, que se comprometeu conosco. Aquele candidato não deu certo e tivemos que seguir lutando. Chega o Governo Zapatero, não chega um governo […] o secretário geral do partido socialista Zapatero e vem uma mulher da área de Igualdade do partido que se chama Micaela Navarro, que tenho que a mencionar, que se empenha em que essa lei saísse. Estando ao governo, se apresentou a lei no Parlamento e não foi adiante. Foi com Rodríguez Zapatero, quando a lei se aprova (ALARCÓN, 2013, s.p, tradução nossa).

Sobre a participação dos movimentos feministas nesse processo, no qual também esteve presente, continua Alarcón (2013, s.p, acréscimo nosso):

Sim. Participei muitíssimo. Custaram anos, eu podia te dizer que sete anos ou oito. Foi a pressão das organizações feministas da violência, sabíamos que em outros países da América Latina haviam umas leis, não tão completas como esta, mas, na verdade, é que foram anos. Pegamos ideias de outras leis europeias, de leis da América do Sul, foram muitos anos de trabalho e de muita luta para conseguir. Para isso, durante três anos, estava no cargo [Micaela Navarro], nos reuníamos, quase que semanalmente, com as organizações de mulheres e com juristas de prestigio, a elaborar. Escrevendo, escrevendo, horas e horas, eu me lembro, até às 12 da noite na sede do partido socialista, quando também havia juristas independentes e todas as organizações de mulheres, praticamente. Logo se reduziu o grupo às juristas, todas mandamos nossas propostas, todas as organizações mandamos propostas para que se incluíssem na lei. E houve una segunda etapa na qual as juristas elaboraram essa lei.

Em finais de 2004, essa lei, que se intitulou Ley Orgánica de Medidas de

vigor em janeiro de 2005. A seu respeito, Victoria Pérez e Esperanza Fiol (2007, p.16, tradução nossa) acrescentam que:

[…] Se trata da primeira na Europa que abarca de modo integral os diferentes aspectos deste problema, desde como garantir os direitos das vítimas (atenção integral, isto é, jurídica, psicológica, sanitária, social, em matéria laboral ou de moradia, etc.) até o trabalho sobre aspectos preventivos em educação, publicidade, etc.

Para sua implementação, dentre tantas determinações, as mulheres em situação de violência contam com direito a informação, a assistência social integral e a assistência jurídica gratuita. No que se refere à assistência social integral, como consta no Artículo 19.Derecho a la asistencia social integral, da citada lei: “1. As mulheres vítimas de violência de gênero têm direito a serviços sociais de atenção, de emergência, de apoio e acolhida e de recuperação integral […]” (2004, p.14, tradução nossa).

Determina ainda essa lei que a organização desses serviços deve ser feita pelas Comunidades Autônomas e Corporações Locais e que deverão atuar "[…] Coordenadamente e em colaboração com os Corpos de Segurança, os Juízes de Violência sobre a Mulher, os serviços sanitários e as instituições encarregadas de prestar assistência jurídica às vítimas, do âmbito geográfico correspondente […]” (ARTÍCULO 19, p.14, tradução nossa). Dessa maneira, percebe-se que, também na Espanha, é imprescindível o trabalho realizado em rede pelos mais diversos serviços específicos para atender essas mulheres, além de outros, que, não sendo específicos, precisam estar atentos a essa demanda e articular-se também nessa rede de atendimento62.

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Dentre os serviços específicos em atender essas mulheres, que são administrados e funcionam nas Comunidades Autônomas e municípios desse país, podemos destacar: grupos específicos para atender mulheres em situação de violência de gênero nas delegacias; Juzgado de Violencia sobre la Mujer; rede de alojamento protegido, composta por uma Zona de Estancia Temporal e centros redidenciais – centros

de emergencia, centros de acogida e pisos tutelados; Puntos Municipales del Observatorio Regional de la violencia de género; Telefone gratuito de informação e assessoramento jurídico 016; Serviço de atenção

psicossocioeducativa com atenção ambulatorial a mulheres vítimas de violência de gênero no âmbito do cônjuge ou ex-cônjuge e suas filhas/os menores de idade; Centro de Atenção Psicossocial a mulheres e a