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LEI DE IMPROBIDADE E CRIMES DE RESPONSABILIDADE

Estudada a natureza jurídica dos atos de improbidade e de suas sanções, torna-se possível compreender a controvertida relação entre os atos ímprobos e os crimes de responsabilidade. Para tanto, será realizada uma sintética análise dos laços históricos que uniram, e hoje, separam tais institutos.

Fábio Medina Osório disserta que os crimes de responsabilidade surgiram na Inglaterra do século XIII, projetando-se no século XIV dentro da ideia de responsabilidade penal das altas autoridades públicas perante o Parlamento, e possui suas raízes modernas no direito norte-americano91.

A Constituição do Império de 1924 previa, em seus arts. 38 e 47, que os Ministros de Estado poderiam ser responsabilizados, com a possibilidade de serem sancionados por altas infrações funcionais, que eram tipificadas de forma genérica. Em seguida, a Lei Complementar de 15.10.1827 estabeleceu as regras de processamento e julgamento políticos dessas autoridades.

Uadi Lammêgo Bulos registra que:

(…) os crimes de responsabilidade previstos na Constituição de 1824 foram 89 GARCIA, Mônica Nircida. Responsabilidade do Agente Público. Belo Horizonte: Editora Fórum.

2004, p. 246.

90 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa. Comentários à Lei 8.429-92 e Legislação

Complementar. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.113.

91 OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública, corrupção,

repetidos nas Constituições de 1934 (art. 57, caput), de 1946 (art. 89, caput), de 1967 (art. 84, caput, e parágrafo único), com a sua Emenda Constitucional nº 1/69 (art. 82, caput, e parágrafo único), e de 1988, que utilizou inclusive a mesma denominação92.

Segundo Fábio Medina Osório:

Das Constituições republicanas brasileiras se podem recolher pelo menos três grandes consequências em relação ao tratamento dos delitos de responsabilidade: (i) o ilícito é, sobretudo a partir da Constituição de 1946, sempre uma violação da Constituição, sendo esta sua essência histórica; (ii) a conduta é politicamente inadequada ou indesejável, outro ponto rastreável no percurso histórico; (iii) é necessária a previsão legal para sua configuração enquanto ilícito, exigência que tem se assentado e consolidado com a solidificação dos Estados de Direito, contexto no qual o Brasil se insere93.

Na atualidade, há três correntes no que concerne à natureza dos crimes de responsabilidade, os que defendem sua natureza penal, os que advogam pela natureza política e, por fim, há os que sustentam uma natureza híbrida.

O Supremo Tribunal Federal já entendeu que seriam delitos de conteúdo penal, mas com julgamento político94. Esse entendimento pode ser verificado

inclusive pelo teor do enunciado sumular nº 722, segundo o qual, “são de competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento”.

A já comentada Lei nº 1.079/50, que tipifica algumas condutas, para determinadas autoridades, como crimes de responsabilidade, foi recepcionada pela Constituição de 1988 em sua integralidade, e a falta de probidade na Administração permanece sendo um delito de responsabilidade, fruto da tradição republicana.

Não obstante, deve ficar claro que a figura prevista no art. 85, V, da CF, não é igual àquela tipificada pelo art. 37, § 4º, da mesma CF. Referida confusão ocorre em razão da expressão “ato de improbidade administrativa”, no sentido de configurar infração praticada por agente público, ter sido usada pela primeira vez na 92 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 3 ed. Rev. e atual. De acordo com a

Emenda Constitucional n. 56/2007. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 1030.

93 OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública,

corrupção, ineficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 243.

94 STF – MS 21623, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, TRIBUNAL PLENO, julgado em 17/12/1992, DJ 28-05-1993 PP-10383 EMENT VOL-01705-02 PP-00202 RTJ VOL-00167-02 PP- 00414. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp? s1=(MS$.SCLA.%20E%2021623.NUME.)%20OU%20(MS.ACMS.

Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 37, § 4º.

Conforme já foi observado, a previsão do citado art. 37, § 4º, com a novel nomenclatura “ato de improbidade administrativa”, constitui-se em uma esfera autônoma de responsabilidade de todos os agentes públicos, ao lado das já existentes.

Lembre-se ainda que, conforme já observado quando se estudou a importância dos princípios constitucionais da moralidade e probidade, a expressão “ato de improbidade administrativa” é privativa das tipificações contidas na esfera autônoma disciplinada pela Lei nº 8.429/92.

Dessa forma, não se pode confundir a “falta de probidade”, conceito genérico, tutelado por diversas esferas, com o “ato de improbidade administrativa”, que é a conduta do agente que atenta contra a probidade, e que está tipificada pela lei própria (Lei nº 8.429/92), determinada constitucionalmente, e privativo de apenas uma das esferas de responsabilidade, a esfera autônoma da improbidade administrativa (art. 37, § 4º da CF).

Assim, embora com contornos históricos penais, o julgamento pela prática de crimes de responsabilidade está dentro da esfera de responsabilidade política, visto que ocorre um julgamento de caráter nitidamente político. A lesão à probidade administrativa como crime de responsabilidade do Presidente da República tem raízes históricas, e se repetiu no art. 85, V, CF, não se confundindo com a previsão da improbidade administrativa constante no § 4º do artigo 37 da Constituição.

Não obstante esse entendimento, acaso entenda-se pela natureza exclusivamente penal dos crimes de responsabilidade, pela natureza política, ou mesmo pela natureza híbrida, não há que se confundir a previsão do artigo 85, V, da Constituição de 1988 com a constante no artigo 37, § 4º da mesma Constituição.

Importa atentar-se ainda que os incisos I e II do artigo 52 da Constituição Federal preceituam ser da competência privativa do Senado Federal processar e julgar o Presidente da República, e outras autoridades, pela prática de crimes de responsabilidade95.

95 Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;

II processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da

Já o parágrafo único do mesmo artigo determina que condenação limitar- se-á tão somente à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

Com isso, tem-se que, pela prática de crimes de responsabilidade, somente poderá o Senado Federal condenar à perda do cargo e inabilitação temporária para o exercício de outra função pública. O Presidente da República, e outras autoridades, não estão imunes às demais sanções judiciais cabíveis, e conforme já visto, a esfera autônoma da improbidade administrativa, prevista constitucionalmente, somete poderá ser executada pela via judicial.

Tem-se então que a interpretação que exclua qualquer agente público, notadamente os agentes políticos, da abrangência do artigo 37, parágrafo 4º da Constituição Federal, e da Lei 8.429/92, não encontra respaldo constitucional, sendo decorrente de uma verdadeira violência hermenêutica à Constituição.

Nesse sentido, vale ressaltar os ensinamentos de Fábio Medina de Osório:

A improbidade não se esgota, diante desse histórico, nos tipos de crime de responsabilidade, no tocante aos agentes políticos. Entendemos que a improbidade do art. 37, § 4º, não se confunde nem é eliminada por aquela contemplada no art. 85, V, ambas da Magna Carta. Não é o mesmo falar em improbidade no marco da Lei 1.079/50, a raiz do que prevê o art. 85, V, da CF, que falar da enfermidade prevista no art. 37, § 4º, da CF. E isso porque a Constituição Federal previu que a improbidade ali desenhada não é um ilícito penal, sendo distintas e peculiares as conseqüências previstas96.

Dessa forma, preserva-se a máxima efetividade da Constituição, notadamente o princípio da isonomia entre os diversos agente públicos, estando todos submetidos a quatro esferas de responsabilidades.

Os agentes políticos estão submetidos às esferas de responsabilidade civil, criminal, política e pelo cometimento de ato de improbidade administrativa. Já os demais agentes públicos estão submetidos às esferas de responsabilidade civil, criminal, administrativa e pelo cometimento de ato de improbidade administrativa.

República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade;

Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

96 OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública, corrupção,

4.3 A APLICAÇÃO DAS SANÇÕES PELA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE

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