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A doutrina muito se debateu acerca da natureza jurídica da Lei nº 8.429/92, o que implica diretamente em identificar em qual esfera de

qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;

X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

79 Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

responsabilidade ela está inserida, sobretudo quando se tem em mente as várias espécies de sanções que são previstas por ela.

Assim, podemos identificar inicialmente três correntes, que buscam encaixar a citada lei tendo como paradigma a teoria da tríplice responsabilidade, dividida em civil, criminal e administrativa.

Para uma primeira corrente, seria uma lei com natureza e sanções de caráter penal com efeitos políticos, a exemplo dos crimes de responsabilidade:

A simples suspensão de direitos políticos, ou a perda de função pública, isoladamente considerada, seria suficiente para se demonstrar que não se trata de uma ação qualquer, mas de uma ‘ação civil’ de forte conteúdo penal com incontestáveis aspectos políticos81.

Já para uma segunda corrente, seriam sanções de natureza civil com efeitos políticos, pois a previsão constitucional indica que o ato ímprobo, posto possa ter consequências na esfera penal e administrativa, é um ilícito civil, o qual pode acarretar a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos e o ressarcimento dos danos causados ao erário82.

A terceira corrente, por sua vez, defende que os atos de improbidade teriam natureza jurídica administrativa, isto é, pertencentes ao direito administrativo,

material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei;

XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.

80 Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais; V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

81 MENDES, Gilmar Ferreira; WALD, Arnold. Competência para julgar a ação de improbidade administrativa. Revista de Informação Legislativa, Brasília, abr./jun., 1998. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_138/r138-17.pdf>. Acesso em: 06 fev. 2010. 82 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 811.

sendo administrativas as suas sanções, que consistiriam em:

Ato sancionador, jurisdicional ou administrativo, consistente no mal ou castigo imposto ao administrado ou jurisdicionado, em caráter geral e pro futuro, conforme com as regras e princípios do direito administrativo, como conseqüência da prática de um ilícito administrativo, por omissão ou comissão, traduzindo-se como provação de direitos ou imposição de deveres, excluída a liberdade de ir e vir, com a restrição das penas disciplinares militares, no interior do processo administrativo ou judicial, tendo por finalidade a repressão da conduta ilegal, como reação jurídica à ocorrência de um comportamento proibido83.

Conforme pode ser observado, todas as três correntes acima expostas, embora não completamente despidas de razão em certos aspectos, não são suficientes para explicar todo o fenômeno que envolve a aplicação da citada lei.

Inicialmente pode ser descartada a corrente que entende estar a Lei de Improbidade Administrativa incluída exclusivamente dentro da esfera de responsabilidade criminal.

Ainda que muitos dos atos de improbidade também possam ser tipificados como crimes pela legislação penal, e haja a previsão expressa de um crime na lei em análise84, o parágrafo 4º do artigo 37 da Constituição Federal, que foi

regulamentado pela Lei 8.429/92, dispõe que as sanções pela prática do ato de improbidade administrativa serão aplicadas sem prejuízo da ação penal cabível.

A segunda corrente, que defende a natureza civil da Lei de Improbidade Administrativa, bem como das suas sanções, também não merece prosperar. O fato de uma das sanções da citada lei ser o ressarcimento ao erário, bem como o fato de o procedimento utilizado judicialmente tomar de empréstimo supletivamente o Código de Processo Civil, não é o bastante para determinar que sua natureza seja exclusivamente civil.

A responsabilidade civil, conforme já exposto no capítulo dedicado ao tema, determina tão somente que o responsável pelo dano recomponha o patrimônio

83 OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública, corrupção,

ineficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p 277.

84 Art. 19. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.

Pena: detenção de seis a dez meses e multa.

Parágrafo único. Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado.

lesado. Já na lei em análise, esta é somente uma das consequências do ato de improbidade, e se houve dano ao erário público85, isto é, a aplicação das demais

sanções independe da ocorrência de prejuízo patrimonial para o ente público.

Não se está também dentro da esfera exclusiva de responsabilidade administrativa, porque nesta o que se tutela é a boa administração, a disciplina interna da administração, e a lei de improbidade almeja muitos mais que isso, visto que se preocupa com valores caros à toda a sociedade, transbordando os limites administrativos.

Não obstante a multicitada lei disciplinar o procedimento administrativo que visa a apurar a prática de ato de improbidade administrativa por determinados agentes públicos86, as suas sanções não podem ser aplicadas por uma autoridade

administrativa, via processo administrativo disciplinar.

Em face disso, a mesma lei determina que a autoridade administrativa represente ao Ministério Público, ou à Procuradoria do respectivo órgão, para que processem judicialmente o agente pela prática da ato de improbidade87.

85Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

(…)

Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:

I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento;

86Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade.

§ 1º A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assinada, conterá a qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a indicação das provas de que tenha conhecimento.

§ 2º A autoridade administrativa rejeitará a representação, em despacho fundamentado, se esta não contiver as formalidades estabelecidas no § 1º deste artigo. A rejeição não impede a representação ao Ministério Público, nos termos do art. 22 desta lei.

§ 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares.

87Art. 15. A comissão processante dará conhecimento ao Ministério Público e ao Tribunal ou Conselho de Contas da existência de procedimento administrativo para apurar a prática de ato de improbidade.

Parágrafo único. O Ministério Público ou Tribunal ou Conselho de Contas poderá, a requerimento, designar representante para acompanhar o procedimento administrativo.

Ademais, as sanções pela prática do ato de improbidade também podem ser aplicadas a particulares, que são completamente estranhos aos quadros da administração pública, e que por isso não poderiam ser alcançados pela esfera de responsabilidade exclusivamente administrativa88

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Não obstante já oferecidos elementos suficientes que demonstram não está a Lei de Improbidade incluída exclusivamente em nenhuma das esferas de responsabilidade já comentadas, tem-se ainda a literalidade do seu artigo 12, determinando que o responsável pela prática do ato de improbidade administrativa estará sujeito a todas as suas cominações, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica.

Assim, pode-se afirmar seguramente que a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) tem natureza sui generis, constituindo uma esfera autônoma de responsabilização do agente público, a esfera de responsabilidade pela prática de ato de improbidade administrativa.

Essa esfera, ao lados das já existentes formas de tutela da probidade, oferece especial cumprimento ao princípio moralidade administrativa, e constitui uma via autônoma de repressão à improbidade, derivada diretamente do texto constitucional.

Essa é a opção clara do legislador constituinte ao editar o já comentado § 4º do artigo 37 da Constituição, prevendo uma lei específica, e mais uma esfera autônoma de repressão à improbidade administrativa. O poder constituído não negligenciou a vontade do constituinte, e, ao editar a Lei 8.429/92, deixou explícito que essa lei constituiria uma esfera autônoma com sanções autônoma, aplicadas independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica.

Registre-se que essa orientação não é novidade na doutrina pátria, conforme exposto por Mônica Nircida Garcia, citando Francisco Bilac Moreira Pinto, segundo o qual, “o parágrafo 31 do artigo 141 da Constituição de 1946, que foi Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

88 Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

regulamentado pela Lei nº 3.164/57, teria inserido uma modalidade nova de responsabilidade ao impor a pena de perdimento de bens em caso de enriquecimento ilícito do agente público, e que não poderia ser enquadrável na tradicional doutrina da tríplice responsabilização”89

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A toda evidência, a mesma conclusão é perfeitamente aplicável à Lei nº 8.429/92, visto que esta lei, em seu artigo 25, revogou expressamente a Lei nº 3.164/57.

A mesma orientação é seguida por Marcelo Figueiredo, ao afirmar que “o mesmo fato pode ensejar a responsabilização do agente as três esferas – penal, civil e administrativa. Agora, com a lei, o mesmo fato pode ainda, configurar infração à probidade administrativa, nas várias modalidades aqui contidas”90.

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