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Conforme já dito alhures, moralidade e probidade tem previsão constitucional e, não obstante as tênues diferenças existentes, ambas compõem o arcabouço ético da República Federativa do Brasil, razão pela qual, independente de qual dos termos utilizados em determinado artigo constitucional, há que se ter em mente a teleologia de ambos.

A previsão constitucional do princípio da moralidade administrativa demonstrou o compromisso que o constituinte de 1988 assumiu com o povo brasileiro, com o resgate dos valores éticos da República brasileira, mormente quando se tem em conta o momento de transição, e tensão política vivido na época.

A história republicana brasileira, sobretudo a última ditadura militar, que precedeu a constituinte de 1988 e propiciou a convergência de diversos grupos e forças sociais sobre o parlamento, evidenciou o quanto os valores moralidade e probidade foram, e são caros à sociedade, tornando-se indispensáveis à própria sobrevivência saudável do Estado.

A percepção da importância desses valores foi tão mais intensa à medida em que foram sendo violentados, vilipendiados pelo estado brasileiro, de forma a tornar clara a necessidade de mecanismos que os protegessem, que os preservassem.

Esse substrato sociológico foi perfeitamente captado pelas forças políticas que propiciaram o nascimento da Constituição de 1988, e pela própria Constituição Cidadã, que o converteu em substrato jurídico com a constitucionalização dos

princípios da moralidade e probidade.

Nesse sentido, toda discussão que gire em torno a moralidade e probidade administrativa tem que iniciar com a noção que ambos são princípios com hierarquia constitucional, devendo por isso receber interpretação condizente com seu status de informador e base de todo o ordenamento jurídico pátrio.

Essa noção não passou despercebida por José Roberto Pimenta Oliveira que, dissertando sobre o § 4º do artigo 37, manifestou-se nos seguintes termos:

Conhecedor da história político-administrativa brasileira, do longo trajeto histórico da corrupção na máquina estatal, apresentou, em linguagem clara, na forma de regra jurídica constitucional, o conteúdo mínimo que a concretização sancionatória do princípio constitucional da moralidade deveria estabelecer. Conteúdo mínimo que não é dado ignorar, por parte dos Poderes Constituídos (Legislativo, Executivo e Judiciário). Em outras palavras, o próprio Constituinte na matéria já formulou – e expressamente comunicou a todos operadores do sistema jurídico – um juízo de

razoabilidade e proporcionalidade a ser observado na fixação da sanção à improbidade administrativa. O mínimo de mensagem deôntica constitucional que compõe a norma secundária (sanção) já está posta pela própria obra do Constituinte. Este concretizou, em termos sancionatórios rígidos, um dos princípios por ele próprio insculpido no texto. Se permitida a expressão, houve verdadeira “concretização autêntica” do princípio por parte de quem exclusivamente detinha o poder de instituí-lo como fundamento da ordem jurídica. É o próprio Constituinte que, formulando um juízo de ponderação entre os bens jurídicos envolvidos na aplicação da sanção de improbidade (inerente à construção da regra jurídica, no plano constitucional), definiu as medidas a que todos estarão sujeitos, uma vez verificada a prática de improbidade administrativa51.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

A inclusão do princípio da moralidade administrativa na Constituição foi um reflexo da preocupação com a ética na Administração Pública e com o combate à corrupção e à impunidade no setor público.

(…)

Além disso, a inserção do princípio da moralidade na Constituição é coerente com a evolução do princípio da legalidade ocorrida no sistema jurídico de outros países, evolução esta que levou à instituição do Estado Democrático de Direito, consagrado no preâmbulo da Constituição e em seu artigo 1º52.

Com a noção de que moralidade e probidade são princípios de 51 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. As Exigências da Razoabilidade/proporcionalidade

Inerentes ao Devido Processo Legal Substantivo e a Improbidade Administrativa. In:

SAMPAIO, José Adércio Leite; COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e; SILVA FILHO, Nívio de Freitas; ANJOS FILHO, Robério Nunes dos (Org.), Improbidade Administrativa – 10 Anos da

Lei 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 319.

envergadura constitucional, colhe-se a lição de Fábio Konder Comparato53 que,

dissertando sobre os princípios, afirma que eles “a) têm uma força normativa superior à demais normas; b) possuem um campo de aplicação não delimitado; c) apresentam um grau ilimitado de aplicação; d) não são revogados, uns pelos outros, na hipótese de conflito; e) têm sempre um conteúdo de sentido ético-valorativo”.

Comparato complementa sua teoria, dissertando sobre as dificuldades na concretização dos princípios, ao afirmar que:

A concretização desse comando normativo somente ocorre, quando são precisados outros elementos condicionantes de sua aplicação, a saber, o destinatário, o lugar e o tempo.

Sucede que esses elementos de precisão do comando normativo não existem, em matéria de princípios fundamentais. Daí o fato de que uma norma de princípio emprega, usualmente, os chamados conceitos jurídicos indeterminados.

(…)

Dada essa indeterminação do âmbito de aplicação dos princípios, frequentemente norma constitucional remete ao legislador a competência para operar essa delimitação54.

Assim, tem-se que diversas normas se propõem a concretizar os princípios da moralidade e probidade, formando toda uma teia de proteção, tanto preventiva quanto repressiva. Dentre essas normas, está a definidora do Ato de Improbidade Administrativa, conforme adiante se verá quando do estudo das diversas formas de tutela desses princípios.

É precisamente dentro deste contexto de combate à impunidade e resgate da ética, alçados à nível constitucional, que devem ser interpretados os dispositivos constitucionais que tratam da matéria, conferindo-lhes a maior amplitude possível, e evitando amesquinhar-lhes o âmbito de atuação.

Veja-se de antemão o arcabouço constitucional da matéria pela literal transcrição dos dispositivos constitucionais:

art. 5.

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de

53 COMPARATO, Fábio Konder. O Procedimento Administrativo e o Processo Judicial. Boletim dos Procuradores da República, ano 4, n. 48, p. 10-15, abr. 2002, p. 12.

54 COMPARATO, Fábio Konder. O Procedimento Administrativo e o Processo Judicial. Boletim dos Procuradores da República, ano 4, n. 48, p. 10-15, abr. 2002, p. 11.

custas judiciais e do ônus da sucumbência; art. 14.

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

(...)

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

(...)

V - a probidade na administração;

A par desse substrato constitucional, a análise da proteção à moralidade e probidade administrativa se desenvolverá aliada à legislação infraconstitucional que se dedicou ao mesmo desiderato, compondo as diferentes esferas de proteção, momento no qual será observada a convivência entre a Lei de Improbidade Administrativa e a Lei dos Crimes de Responsabilidade.

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