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A CHEFIA NA SOCIEDADE TRADICIONAL KAINGANG

41 Lei de 27 de Outubro de

Art. 1° Fica revogada a Carta Régia de 5 de Novem brode 1808, na parte em que mandou declarar a guerra aos índios Bugres da Província de São Paulo, e determinu que os prisioneiros fossem obrigados a servir por 15 annos aos m ilicianos ou moradores, que os apprehendessem.

Art. 2 (l Ficam revogadas as Cartas Régias de 13 de M aio e de 2 de N ovem bro de 1808, na parte que autorizam na Provincia de M inas-Geraes a mesma guerra, e servidão dos ín dios prisioneiros.” (M EN D ES JUNIOR 1912:53)

o qual instituiu os governos das províncias, contivesse artigo mandando “favorecer as missões e a catequização dos índios” (OTÁVIO 1946:148), a situação jurídica dos índios só foi alterada significativamente com a lei de 1831. O direito natural sobre a terra, sugerido pela Bula Papal de 1532, e o direito irrestrito à liberdade dos índios, conferido pelo Diretório Pombalino, foi substituído pela condição de órfãos perante a lei42. Com isso os índios passaram a gozar “da proteção do ministério publico e de todos os benefícios instituidos para a defeza dos orphams”(MENDES JUNIOR 1912:54). Apesar do novo estatuto jurídico as violências continuaram a ocorrer à medida do avanço das frentes de ocupação colonial. Entretanto, foi com o instituto da tutela órfanológica que “eles [os índios] são definitivamente libertos da escravidão” (CARNEIRO DA CUNHA 1987:161). O Governo Imperial, apesar do instituto da tutela orfanológica, não criou instrumentos para monitorar as relações entre as comunidades indígenas e as frentes coloniais.

A implementação da legislação indigenista do Império ocorreu em 1845 com o Regulamento das Missões. Através desse Regulamento o Governo procurou definir os meios de catequese e civilização do indígena, enfatizando que toda iniciativa civilizatória deveria seguir formas brandas e persuasivas de tratamento com o indígena. O Regulamento das Missões dispôs sobre a forma institucional de promover a incorporação dos indígenas na sociedade nacional: instituindo a figura do Diretor Geral dos índios em cada província e distribuindo títulos militares aos detentores dos diversos cargos envolvidos no tratamento dos indígenas, bem como regularizando a

42 Lei de 27 de Outubro de 1831

“Art 4. Serão considerados com o orphams, e entregues aos respectivos Juizes, para lhes applicaram as providencias da Ordenação Livro primeiro Título oitenta e oito.” (M EN D ES JUNIOR 1912:53)

concessão de terras43. “Esse decreto é fértil em disposições, mas nunca foi devidamente executado.” (MENDES JUNIOR 1912:54). Do ponto de vista do colonizador, o resultado mais importante do Regulamento das Missões foi a consolidação da condição de tutelados imposta aos índios. Do ponto de vista dos índios, e especialmente dos Kaingang, o resultado mais visível foi a incorporação de títulos militares a sua organização social. A condição de tutelados sujeitava os índios “ao serviço público e ao serviço das aldeias, mediante salário, ao serviço militar, sem coação e na medida de suas aptidões”(OTÁVIO 1946:151).

A política indigenista imperial não se limitou a impor a condição de tutelado aos índios. A Lei de Terras de 1850, mesmo não tendo sido elaborada em função das comunidades indígenas, teve grande impacto sobre as terras indígenas. A Lei 601 de 18 de Setembro de 1850, conhecida como Lei de Terras, determinava que no Brasil não deveriam existir senão Terras Públicas, de domínio do Estado, e Terras Particulares, devidamente comprovadas com títulos de propriedade ou posse legalizada. As terras indígenas foram consideradas como subsumidas ao direito de posse, mas “os índios não estavam em condições, na maioria dos casos, de promover as medidas necessárias estabelecidas na lei, para assegurar a consolidação de seus direitos territoriais”(OTÁVIO 1946:152). Muitos índios perderam o direito sobre seus territórios tradicionais pois “os sertanejos ... foram creando posses e formando registros, e, tanto quanto lhes foi preciso, foram invadindo e até expellindo à força os aldeados.”(MENDES JUNIOR 1912:56). A Lei de Terras estabeleceu uma outra via

“’Segundo Moreira Neto o Regulamento das M issões ou o decreto n.426 de 24/07 /1 8 4 5 foi a lei indigenista básica do Império. O artigo 11" ilustra esta posição:

“Cada província deverá ter um Diretor Geral dos índios, nomeado pelo Imperador. Em cada aldeia um Diretor, um tesoureiro, um almoxarife e um cirurgião ... Se confere, enquanto servire, ao Diretor Geral a graduação honorária de Brigadeiro, ao diretor de aldeia a de Tenente Coronel, e ao Tesoureiro a de capitão”. (M OREIRA NETO 1971:368-369)

para a consolidação dos territorios indígenas: o Regulamento n.1318, de 30 de Janeiro de 1854, declarava que o Estado deveria reservar parte das Terras D evolutas ao estabelecimento de aldeamentos indígenas (CARNEIRO DA CUNHA 1992).

O reconhecimento oficial do direito indígena à porções definidas dè terra foi objeto de controvertidas medidas durante os períodos Colonial e Imperial. No século XVIII os índios aldeados recebiam tradicionalmente “uma légua em quadra para cada aldeia”(CARNEIRO DA CUNHA 1992:144). No decorrer do século XIX houve concessões de porções de terra com medidas distintas, as quais variavam de acordo com o número de famílias ou com a localização das terras destinadas à habitação indígena. A legislação a este respeito foi também escassa. Além dos instrumentos locais de concessão legal de terras aos indígenas, o período que antecedeu a edição do Regulamento das Missões conheceu apenas as leis que tratavam da “transferência de aldeias para novos estabelecimentos” (06/07/1832) e do arrendamento de terras indígenas (18/10/1833). Manuela Carneiro da Cunha analisa estas duas leis como indicadores do processo de legalização da ocupação branca em terras indígenas. No primeiro caso, as transferências de aldeados culminava com a disputa entre proprietários e governo (municipal, provincial e Imperial) sobre as terras das aldeias. A legislação de 18/10/1833, por sua vez, previa que o produto dos arrendamentos destinava-se “ao sustento, vestuário e curativo dos índios mais pobres, e à educação dos filhos destes” (CARNEIRO DA CUNHA 1992:145). Entretanto, os arrendatários não tardavam a pedir Cartas de Sesmarias referentes aos terrenos arrendados. Segundo a autora algumas vezes o pedido foi aceito e os índios perderam suas terras mesmo estando protegidos pela lei.

indígenas fosse realizado sobre as Térras Devolutas, inverteu a discussão sobre o direito natural dos indígenas à terra. Assim como o instituto da Tutela Orfanológica selou o debate sobre a liberdade incondicional dos indios, a Lei de Térras, redimensionou a questão da presença indígena no território nacional. Os indios passaram a ter sua liberdade limitada às terras cedidas pelo Governo Imperial. O Governo, por sua vez, só cedia terras para índios não missigenados. Um século depois da Lei Pombalina que estimulara os casamentos entre colonos e índios, o Governo Imperial limitou a cessão de terrras aos índios não missigenados. A ambigüidade, ou ao menos o debate, que marcou a política indigenista do período colonial tornou-se com o Império “um fastidioso solilóquio”, o novo Estado brasileiro não mais sofria as ambigüidades das influências jesuíticas, metropolitanas e coloniais (CARNEIRO DA CUNHA 1987:166). A política indigenista no período Imperial foi largamente influenciada pelos interesses dos moradores, fazendeiros e colonos que ocupavam o interior do Brasil. No centro de toda a política Imperial residia a questão da exploração, ocupação e domínio das terras dentro dos limites do Império. A Lei de Terras inova por referir ao critério de identidade étnica como determinante da legitimidade da presença de índios sobre territórios cedidos pelo Estado. Protegidos por este novo critério autoridades de províncias do Nordeste declararam não haver ‘índios identificáveis’ em seus territórios; por conseguinte se apoderaram das terras destinadas aos aldeamentos (CARNEIRO DA CUNHA 1992). No sul do Brasil a invisibilidade étnica foi barrada pelos constantes ataques sofridos pelas frentes de colonização. Havia índios nestes territórios; e estes eram reconhecidos por sua violência; exigindo um esforço institucional duradouro para implementar a ocupação branca destes territórios.

2.3. Os Campos de Palmas: territorio tradicional e autoridade contextual Kaingang no século XIX

A ocupação do centro-oeste e sudoeste paranaense, como dissem os anteriormente, só foi possível a partir de 1810 com a conquista do Campos de Guarapuava. A presença dos Kaingang nesta região já havia sido registrada desde as expedições de Afonso Botelho no século XVIII. Entretanto, permanência dos colonizadores na região só foi possível com o grande número de homens e armas envolvidos na Real Expedição da Conquista dos Campos de Guarapuava. A hostilidade dos selvagens foi vencida pelas armas depois de um grande confronto promovido pelos Kaingang. A reação dos Kaingang foi controlada um anos após a chegada em Guarapuava, em 1811, com o aprisionamento do cacique Antônio Pahy.

A relação colaboracionista que se estabeleceu entre os índios liderados por Antônio Pahy e os membros da Real Expedição suscitou a divisão interna dos Kaingang. Os colonizadores souberam explorar tais conflitos internos, utilizando os coraboracionistas para combater os arredios e, assim, proteger os núcleos coloniais e as emergentes fazendas de gado. Os conflitos que se seguiram inauguraram uma série de hostilidades as quais engendraram alianças e desafetos entre grupos Kaingang. O próprio cacique Antônio Pahy foi morto em um ataque Kaingang (em 1817 ou 1818 não se sabe ao certo), sendo sucedido pelo jovem cacique Luiz Tigre Gacon, que também foi morto em um ataque ao aldeamento de Atalaia em 182544. As hostilidades

44 O aldeam ento de Atalaia foi montado sobre a doação de uma sesmaria. O ataque e destruição deste