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Muitos veilhos preferem as casas sem assoalho de madeira, para o que enumeram certas vantagens:

A CHEFIA NA SOCIEDADE TRADICIONAL KAINGANG

D. Luisa “ Mudaram eu acho que Então tinha o capitão e o major, D aí o meu avô era o major” Sr João Maria “O capitão é de polícia e o major cuida da com unidade” (Entrevista abril/97)

75 Muitos veilhos preferem as casas sem assoalho de madeira, para o que enumeram certas vantagens:

no interior da casa ou em uma pequena casa construída ao lado, a qual muitos cham am de cozinha ou I-xim (casa pequena).

Nem todos os Kaingang de Palmas moravam no Fãgran. (foto 1: casa afastada do núcleo residencial)

O Sr. João Maria Velho contou que nunca morou no Fãgran,

pois seu pai trabalhava na terra e preferia viver um pouco afastado. A este inform ante devo as descrições das antigas habitações76. É difícil saber se o Fãgran era um local de habitação Kaingang anterior à influência do Comissão de Proteção aos índios. Loureiro Fernandes afirm a que o núcleo foi propositalmente construído pelo governo do Estado. Entretanto, uma indicação importante a cerca da antigüidade desta ocupação pode ser inferida da proxim idade que este núcleo residencial mantém com o cemitério local. O Fãgran, de fato, estava localizado próxim o ao cemitério que ainda hoje é utilizado pela com unidade Kaingang de Palmas, e que, dizem os mais velhos, era também utilizado pelos antigos. Independente da antiguidade do Fãgran em relação às ‘casinhas de tá b u a ’, a mudança na localização da aldeia em função da instalação do posto

é m elhor dormir diretamente no chão por que a terra fica quente no inverno e fria no verão: e mai fácil manter a casa limpa quando esta não tem assoalho. Ainda hoje é com um os velhos se mudarem durante o inveno para as pequenas casas de fogo. as quais de certa forma reproduzem estas con d ições tradicionais. Loureiro Fernandes observou que em muitas das casas construídas pelo governo o assoalho havia sido retirado “conforto de construção não muito apreciado pelos índios."(FER N A N D E S 19 4 1 :168)

Durante meu trabalho de cam po visitei unia casa que se assem elha as casas antigas. A s paredes foram substituídas por taquara e o telhado por uma lona plástica. Apesar destas m odificações a casa de Cipriano M endes preserva as d im ensões e a funcionalidade da casa dos antigos. Quando visitei a casa de Cipriano, ele se queixou que teria que construir outra em breve, pois já morava a quatro anos na m esm a casa. Segundo o sogro de Cipriano os antigos também moravam cerca de quatro anos na

indígena provocou uma alteração importante no controle e uso que os Kaingang de Palmas faziam de seu território.

Com a instalação do Posto Indígena no interior da Área, uma casa foi construída para a residência do chefe do posto e de sua esposa. Esta casa localizava- se na parte baixa da área, nas proximidades do arroio Tamanduá. Na ‘casa do posto ’, construída pelos Kaingang, passaram a funcionar a primeira enfermaria e a primeira escola da Área. Os serviços de enfermagem e educação eram realizados pela esposa do chefe do posto. Alguns índios velhos afirmam ter estudado com ‘Dona Conceição, na casa do p o sto ’. Uma das primeiras ações do chefe do posto, Sr. Helisário de Melo, foi a coordenação dos trabalhos de abertura da estrada que ligaria

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a nova aldeia à cidade de Palmas . Os Kaingang trabalharam na abertura desta estrada, pelo que receberam pagamento em dinheiro. Esta foi a primeira vez que os Kaingang de Palmas receberam dinheiro por um trabalho realizado dentro da área indígena.

É certo que os Kaingang não seriam os únicos beneficiados com a construção desta estrada. Mesmo assim este foi um momento significativo na transformação das relações entre os Kaingang e a autoridade nacional que se instituía no interior da Área. Além de organizar os trabalhos de abertura da estrada o chefe do posto iniciou a roça coletiva. Para este trabalho os Kaingang também recebiam em dinheiro. O Sr. João Maria Velho tinha aproximadamente 25 anos quando foi instalado o Posto. Ele conta sobre as primeiras realizações do chefe do Posto:

mesma casa, tempo médio de deteriorização dos matérias com os quais eram construídas (ver foto 8). 77 Baldus descreveu a estrada que ligava o Fãgran à cidade de Palmas. “O Toldo das Lontras, que foi meu centro de trabalho nos m eses de maio e junho de 1933, está ligado à cidadezinha de Palm as por estreito atalho de índios, que atravessava duas serras escarpadas e pedregosas e serpenteia, alternadamente, através de florestas de araucárias e espessos taquarais.”(B A L D U S 1937[ 19 7 9 ]:10-11)

“Helisário Camargo de Melo foi o primeiro encarregado. A primeira coisa que ele fe z fo i organizando. Já entrou aí, já deu serviço prá nós trabalhá, por dia. Prá fazer limpeza pro Posto, prá limpá as roças, prá nós planta pro Posto. (...) Ele entrou pagando cinco mil réis por ¿//a”(Sr. João Maria Velho abril/97)

Quando perguntei sobre a reação dos índios à presença do chefe do posto no interior da Área, ele respondeu que “pois estranhavam! Bom tinha um. A ntes do H elisário tinha outro, o Nenê de souza. Então o capitão, o major, esses daqui, prá conversar com ele iam lá na cidade”.

O depoimento de João Maria revela que a aceitação da presença do chefe do Posto no interior da comunidade indígena foi possibilitada pela relação histórica que os Kaingang de Palmas mantinham com as autoridades governamentais, através de seus líderes locais78. A mudança do local da aldeia foi uma estratégia de vencer o estranhamento, e envolver os Kaingang em tarefas até então desnecessárias na rotina da comunidade.

A partir da construção da ‘casa do posto’ os moradores do Fãgrati se mudaram para a nova aldeia a qual chamavam de Ka-i-pang (caratuval grande). S egundo o Waktun, rezador do Kiki, os últimos moradores do Fãgran se mudaram para o Ka-i-pang em 1945. No Ka-i-pang a presença da autoridade foi institucionalizada dentro da área e do cotidiano dos Kaingang de Palmas.

78 É relevante considerar as diferenças entre o desem penho dos primeiros chefes de posto em Palm as e na Área Indígena Xapecó. Silvio C oelho dos Santos (1 9 7 0 ) ao comentar sobre o primeiro ‘encarregado’ do PI Xapecó afirma que este “apenas algumas vezes foi a reserva indígena resolver contendas entre os índios e mandou que os m esm os abrissem uma picada para facilitar o a cesso”(SA N T O S 1970:61) Em Palmas, conform e demonstram a bibliografia e os relatos de m eus informantes, a relação histórica entre os Kaingang e as autoridades brancas fizeram com que o

3.3. A abolição d a pu n ição do ‘tro n c o ’

A punição do ‘tro n co ’ foi registrada entre diversos grupos Kaingang. Este tipo de punição era muito temida, pois consistia no “ am arram ento de cada um dos tornozelos dos condenados entre duas estacas cravadas no chão”(S IM O N IA N 1994:39). Outras descrições falam de apenas um ‘tronco’ cravado no chão. A origem do ‘tronco' é incerta. Loureiro Fernandes ( 1941 )79 atribui esta forma de punição à influência dos castigos aplicados aos escravos negros80. Estima-se, entretanto, que os

primeiro encarregado marcasse sua presença com uma postura mais dinâm ica.

“ Este instrumento de Castigo se nos afigura uma réplica grosseira do Tronco de bátete de porta do tem po da escravidão. Parece cofirmar essa origem o fato de não existir na língua cainguangue

denom inção particular para o m esm o."(FE R N A N D E S 1941:195).

Embora não se saiba com certeza a origem do ‘tronco’ a existência de v estígios deste instrumento de punição já foi utilizado com o evidência da antigüidade da presença Kaingang no T oldo Pinhal (C A B R A L ¡99 3 )

Kaingang tinham sistemas tradicionais de sanções sociais81, os quais provavelmente não incluiam a punição física. Tomasino (1995) argumenta que a incorporação do castigo do ‘tronco’ como tradição do grupo “aponta para um processo de desmemorização da ancestralidade”(TO M A SIN O 1995:171). O ‘tronco’ foi incorporado ao sistema de punição Kaingang ainda no século passado. Simonian (1994), ao discutir o tema “Castigos Cruéis na AI V otouro”, utiliza o registro de Gonçalves (1910) para enfatizar a associação direta entre a punição do tronco e o poder político: “Segundo lhe foi informado pelo cacique Candinho (id.), esta punição era imposta em casos de faltas graves e, à época, quatro estacas estavam cravadas diante da casa do cacique, como forma de advertência”(SIM O N IA N 1994:40).

Em Palmas havia um ‘tronco’ no Fãgran, instalado na periferia da aldeia. A decisão sobre como utilizar esta punição era privilégio das autoridades locais, i.e. do

M ajor, da Liderança e da Polícia indígena. As infrações mais graves acarretavam em maior período de permanência no ‘tronco’. Loureiro Fernandes coletou informações sobre as punições diretamente com o capitão, o chefe da polícia indígena: “ Dizia-me o capitão que a duração deste castigo ‘está conforme o compromisso do c rim e’. Pode durar horas ou mesmo quinze dias e um mês. Sendo grave o crime, fica exposto ao sol à chuva e ao relento”(FERNANDES 1941:195). Em casos de extrema gravidade o infrator tinha suas duas pernas amarradas na parte superior do ‘tronco’. A comunidade Kaingang de Palmas reconhecia o poder da autoridade local e temia o

81 Uma referência importante a cerca de formas tradicionais de punição para o contexto Jê pode ser