• Nenhum resultado encontrado

Loureiro Fernandes, diferentemente, afirma que depois de Kõikang a chefia foi ocupada pelo Capitão Horácio, seguido pelo Capitão D om ingos Mendes.

A CHEFIA NA SOCIEDADE TRADICIONAL KAINGANG

D. Luisa “ Mudaram eu acho que Então tinha o capitão e o major, D aí o meu avô era o major” Sr João Maria “O capitão é de polícia e o major cuida da com unidade” (Entrevista abril/97)

91 Loureiro Fernandes, diferentemente, afirma que depois de Kõikang a chefia foi ocupada pelo Capitão Horácio, seguido pelo Capitão D om ingos Mendes.

A mulher não tinha direito de participar da liderança pois só podia participar das reuniões, mas não falar.” (LUFRÂNIO M EN D ES

apud G ROA TTO 1992)

A partir das palavras de Lufrânio é possível perceber que a autoridade política do cacique Kaingang em Palmas operava segundo o aspecto tradicional do consenso. Tal consenso deveria ser o resultado de interpretação sobre ‘o que era melhor para a com unidade’. Os interesses da comunidade, entretanto, se modificavam segundo os ritmos impostos pelas transformações na sociedade regional e nacional. Uma vez que o chefe do posto passou a exercer importante influência na mediação das relações entre a comunidade Kaingang e a sociedade regional e nacional, esta autoridade também participava na definição dos interesses da comunidade.

Neste período (anos quarenta e cinqüenta) aumentava o número de pequenos agricultores, vindos dos estados do sul, fato que influenciou a diversificação da produção regional. Os Kaingang foram afetados de diversas maneiras por este processo de aumento populacional da região. Resumidamente podemos afirmar que houve quatro influências significativas: a presença de famílias de colonos, pequenos proprietários rurais, nas vizinhanças da Área; o desmatamento provocado pela ocupação das áreas vizinhas e pelo incremento na atividade madeireira; a ampliação das possibilidades de emprego fora da Área; o recrudescimento da aversão da sociedade regional em relação aos Kaingang.

As iniciativas do chefe do posto estavam diretamente relacionadas com esta nova configuração econômica e social da região. A estrada construída pelos Kaingang para ligar a aldeia à cidade de Palmas, também serviu para integrar as zonas de colonização afastadas do centro urbano de Palmas. A roça coletiva, também

instituída pelo chefe Helisário de Melo, integrava os Kaingang no m odelo de produção agrícola que se desenvolvia na região92. Estas iniciativas estavam de acordo com a perspectiva integracionista que o Governo mantinha com relação aos índios no território nacional93. O poder de atuação do cacique não abrangia estas esferas da participação dos Kaingang na vida econôm ica nacional, em bora tais inserções fossem fundamentais para a produção do sustento de muitas fam ílias que viviam na Área indígena de Palmas.

A partir dos anos cinqüenta houve um incremento na indústria madeireira na região. A extração de madeira foi desde as primeiras décadas deste século uma alternativa econôm ica dos regionais que em pregava índios e colonos tanto no corte e transporte da matéria-prima, quanto no beneficimento da madeira94. N os anos

cinqüenta, sessenta e setenta,

indústrias madeireiras se

multiplicaram pela região (foto 8:

segundo o funcionário da FUNAI, que vive há quarenta anos nos arredores da Área, nunca houve

Tom asino (1 9 9 5 ) trata da interseção entre as “chamadas roças 'coletivas'" e a roça familiar. Para esta autora, as roça familiares, ao contrário das roças coletivas são caracteristicamente uma forma Kaingang de produção. Em Palmas esta diferença se aplica ainda nos dias de hoje. A F U N A I mantém uma grande roça coletiva, ao passo que a maioria das fam ílias mantém pequenas roças nas proxim idades de suas residências. A s roças fam iliares também operam com o um elem en to de integração entre as fam ílias nucleares. Especialm ente os mais velh os concentram a m ão-de-obra dos familiares mais novos nos períodos de colheita e preparação do solo. N estes trabalhos co letiv o s, que os Kaingang de Palmas chamam de ajutório. os mais joven s realizam a parte pesada do trabalho e os mais velh os providenciam a refeição, (ver foto 16)

A C onstituição de 1946 determinava em seu artigo 5 : "Compete à União: X V - Legislar sobre: r) a incorporação dos silvícolas à com unhão nacional” (C AR N EIR O D A C U N H A 1987:91 ).

S ilvio C oelho dos Santos ao tratar da exploração da madeira no Posto Indígena X apecó afirma que “a exploração desordenada de madeira, em particular da araucária, foi responsável, entre 1917 e 1950. pela caracterização da econom ia da região"(SAN TO S 1970:36)

uma semana sem que caminhões passassem pela Área carregados de madeira). A exploração da madeira é um tema que dividia e ainda divide as opiniões dos Kaingang de Palmas. A instalação da serraria no interior da Área Indígena de Palmas em meados da década de cinqüenta95 provocou mais do que uma simples divisão de opiniões, provocou uma redefinição nos limites da autoridade política. O período de instalação da serraria coincide com o afastamento do cacique Lufrânio Mendes. Lufrânio mantinha vínculos com o ‘sistema dos antigos’, um sistema no qual a vida no mato era muito valorizada. Segundo a tradição que Lufrânio aprendera com seu pai, Kõikang, os Kaingang não poderiam ganhar a vida derrubando sua própria mata96. A instalação da serraria no interior da Área tornou indissociável a definição de campos de ação externos e internos atribuídos respectivamente ao chefe do posto e ao cacique. Lufrânio abandonou a posição de cacique. Embora Lufrânio não tenha sido expulso da área, como ocorreu em outras comunidades Kaingang tipicamente faccionaiistas, a família Mendes só veio a produzir outro cacique em m eados dos anos setenta, nos últimos anos de funcionamento da serraria.

1,5 “Parece que mais ou menos eu vi ela trabalhar uns vinte e cinco uns vinte sete anos por ali, a serraria velha. ... daí entrou a outra autoridade e daí acabou daí. ... o dia que ela parou foi em 97, não77.”(Cipriano Mendes: mar/98)

% O valor da mata para a cultura tradicional Kaingang pode ser inferido da discussão sobre os elem entos da natureza integrados no ritual do Kiki. Crépeau (19 9 7 ) e Kurtz de A lm eida (1 9 9 8 ) apresentam outra argumentação a este respeito. Para ambos autores o ‘mato virgem ’ é a matriz sim bólica da tradição religiosa Kaingang. “Le mato virgem qui circonscrit l ’ensem ble binaire, constitué par la maison et le limpo, corresond au lieu paradigmatique de l’activité cham anique Kaingang: lieu de l’initiation, lieu de relations avec Panimal-auxiliare et le gibier et lieu de cueillette des élém ents végétaux et minéraux permettant de traiter les patients.” (CRÉPEAU 1997:18). A importância do mato virgem, o autor conclui, “est analogue à ce que Durkheim ou Lévi-Strauss nomment le ‘monde sensible’, au sens où, pour le représentationnisme, ce dernier est la réalité englobante. (...) C ’est en référence au monde sensible que les représentations se constitueraient au sein de form es sociales et historiques spécifique.”(CRÉPEAU 1997:23).

3.6. A convivência das au to rid ad es: da inviabilidade d a chefia tradicional à constituição d a chefia faccionalista

A serraria, instalada em meados da década de cinqüenta, foi resultante de iniciativa dos agentes do S.P.I. que buscavam a auto-suficiência na gestão do órgão indigenista nacional. A auto-suficiência foi uma conseqüência e não um objetivo do processo de reorganização da política indigenista nacional. O princípio que orientou as ações do S.P.I. desde sua criação era o da integração do indígena na com unidade nacional. Para cumprir tal princípio o S.P.I. tinha objetivos definidos em legislação específica. Dentre os objetivos expressos do S.P.I. constavam a exploração das riquezas naturais e o desenvolvimento da agricultura e da indústria extrativista97. A

auto-suficiência foi uma forma de alimentar a burocracia do S.P.I. a partir da utilização dos recursos gerados pela exploração das riquezas naturais das terras

q o

indígenas . Estava claro desde o início que esta não era uma forma garantir melhores condições para as comunidades indígenas. Em 1943 o S.P.I. foi vinculado ao Conselho Nacional de Proteção ao índio (C.N.P.I). Este novo órgão indigenista propunha a atualização burocrática do S.P.I. bem como a criação de novas fontes de receita para os órgãos tutores. Tais propostas foram frustradas com o descreveu o representante do C.N.P.I., Boanerges Lopes de Souza, em 1949:

97 “Decree N° 10.652 o f October 15, 1942 defines its [do SPI] purposes: to establish peace, exploitation o f natural riches, develpment o f agriculture and the extractive industries, establishm ent o f rudimentary industries and markets for them, welfare services and medical and legal protection, study o f custom s, habits and languages.”(Boletin Indigenista D eciem bre 1961)

9 Segundo S.C. Santos (1970) o SPI neste período atuava com o uma “empresa” na qual os