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Para uma discussão sobre nomes bons/bonitos (jiji hã) e nom es ruins/feios (jiji korég), ver

A CHEFIA NA SOCIEDADE TRADICIONAL KAINGANG

14 Para uma discussão sobre nomes bons/bonitos (jiji hã) e nom es ruins/feios (jiji korég), ver

que acompanhavam os primeiros dias de luto. Depois de erigir a sepultura “dirigem- se todos ao rancho de onde sahio o morto e principiam todos, sentados ao redor de um comprido fogo, a beber o quiqui e cantar as ações do morto”(BORBÀ 1882 [1908]:13). O caráter descritivo dos registros de Borba apenas permite inferir que por ocasião da morte de um Kaingang a comunidade se reunia em torno do sepultamento e do luto. As primeiras interpretações sobre os processos culturais envolvidos no culto aos mortos dos Kaingang devemos a etnólogos deste século, especialmente, a Nimuendajú (1913) e Maniser (1914).

Entre os anos 1914 e 1915 o pesquisador francês H.H.Maniser, participou da Expedição Russa à América do Sul, visitando os Kaingang de São Paulo. Além da descrição detalhada do ritual do Kiki, Maniser colheu interpretações nativas a respeito dos perigos que envolvem a relação entre vivos e mortos.

“ Il est strictment défendu chez les Kaingang de prononcer le nom d ’une personne défunte; le personnel du poste a dû prendre l’habitude d ’éviter de citer le nom d ’un mort, voyant la grande importance que celà avait pour les Indien. Au début de la pacification les employés étaient intrigués par l ’expression indicible de trouble q u ’ils voyaent se pendre sur le visage des Indien quand un nom interdit était prononcé; il fallut les explications de l’interprète pour leur faire comprendre de quoi il s ’agissait.”(MANISER 1930:788)

Esta passagem do estudo de Manisser demonstra que além da associação entre o nome e o espírito os Kaingang reconheciam como perigosas as relações entre os vivos e os mortos. Tais perigos envolviam as crenças sobre vida após a m orte15 e

W eisemann 1960)

15 “N o m omento da morte do indivíduo a alma entra no chão imediatamente ao lado do lugar da morte, e com eça a sua viagem . (...) D e primeiro a alma passa por um cam inho escuro, mas logo sai outra vez ao claro e encontra um toldo onde alguns defuntos lhe oferecem com ida. S e ele com e ele tem de continuar a viagem , se não ele volta para sua casa, e assim se explica os casos de pessoas que já

certas práticas de purificação dos familiares dos mortos. O tratamento ritual dispensado aos mortos dramatiza os perigos espirituais atualizando as crenças no poder dos mortos e reforçando o pder da ideologia das metades.

Nimuendajú (1913) escreveu longamente sobre as funções rituais peculiares ao culto aos mortos entre os Kaingang, as quais envolvem a pintura ritual, o pronunciamento de rezas específicas, a realização de danças coletivas bem como a atuação de especialistas locais. Em sua etnografía Nimuendajú reserva um lugar de destaque ao p a í - o chefe do ritual, aquele que comanda os grupos de dança e dirige os preparativos do ritual - e aos péñe - aqueles que possuem as marcas das duas metades e que, portanto, estão protegidos para se aproximar do defunto, da viúva e do cemitério.

Baldus (1937) além da etnografía do culto aos mortos entre os Kaingang de Palmas, sugere algumas interpretações para a realização deste ritual. Para ele a importância do tratamento ritual dispensado aos mortos se deve à crença no poder do morto.

“O morto é um poder porque, quando vivo, o indivíduo era uma parte do poder da comunidade, parte que agora - impossível de ser controlada, mas ainda de modo não tangível ligada à comunidade - pode tornar-se perigosa para ela.” (BALDUS 1937[1979]:22)

Para se proteger contra o poder do morto a comunidade se reúne. Reunidos, os Kaingang invocam ritualmente os poderes mitológicos originadores do mundo e

pareciam mortas, voltarem a si.”(N lM U E N D A JÚ 1913[1993]:63-4). A crença na relação entre a morte e a aceitação de com ida dos espíritos é com um entre outros grupos Jê - é o caso com o s Krahó (M ELATTI 1979:61) Sobre os Kaingang Baldus comentou: “Um velho, depois da morte, torna-se outra vez jovem e vive mais uma vez uma vida humana inteira (...) quando morre, transforma-se em pequeno inseto, geralmente mosquito ou uma daquelas form iguinhas”(B A L D U S 1937 [1 9 7 9 ]:2 1 ). Durante meu trabalho de campo entrevistei o líder religioso V icente Fokãe do P.I.X apecó, que me

da própria sociedade. Durante o ritual a comunidade se divide de acordo com as divisões em metades. Apenas na última etapa do ritual os membros das metades se unem numa grande dança coletiva, a qual consagra a complementaridade entre as metades, ameaçada pelo poder do morto. A restauração da ordem cosmológica, representada pela complementaridade ritual entre as metades, resulta na recuperação do nome do morto pela comunidade. “ Depois desse ritual, os nomes desses mortos estão liberados para serem dados às crianças que nascerem na mesma secção a que pertencia o falecido”(VEIGA 1994:129).

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A interpretação de Baldus sugere que os Kaingang dominam uma concepção de poder controlável da comunidade. As considerações sobre o sistema de metades,

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as regras de casamento, a nominação, a patrilineariade, a uxorilocalidade, o mito de origem e o culto aos mortos, podem contribuir para compreender como os Kaingang realizavam este ‘controle do poder’, i.e. como os Kaingang definiam a autoridade política antes do contato. Em primeiro lugar, é preciso considerar que não há no mito de origem nenhuma fórmula expressa sobre a organização do poder na comunidade. As pistas políticas, ou étnico-políticas, que o mito oferece dizem respeito, sobretudo, aos critérios de inclusão e exclusão no sistema de m etades16. De outra parte, o sistema de parentesco parece implicar certas práticas sociais que participam ativamente no tema da autoridade. Antes de desenvolver o tema da autoridade nos

contou que os espíritos tem medo de tudo, principalmente de formiga.