• Nenhum resultado encontrado

Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet)

No documento Download/Open (páginas 92-97)

Capítulo 3 – Causas, patrocínio e leis de incentivo

3.3. Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet)

Regulamentada pelo Ministério da Cultura do Governo Federal (MinC), a Lei Fede- ral de Incentivo à Cultura apoia projetos culturais no Brasil há mais de duas décadas. 1. Este relatório do IEG Sponsorship também apresenta dados quanto a investimentos em patrocínio entre 2011 e 2015, demonstrando o crescente investimento anual no esporte, em entretenimento, even- tos, causas sociais e artes. Mostra, ainda, que em 2012, 2013 e 2014, o patrocínio teve porcentagens de crescimento maiores do que em propagandas e marketing promocional.

Ela foi elaborada no governo do presidente Fernando Collor de Mello, em 1991, e foi batizada como Lei Rouanet em homenagem àquele que a elaborou: o Secretário da Cultura em exercício na época, Sérgio Paulo Rouanet.1

Coelho Netto (2009, p.9) lembra que a Lei Rouanet é, na realidade, antecessora da chamada Lei Sarney, vigente entre 1986 e 1990, que foi elaborada pelo então Ministro da Cultura Celso Furtado e assinada após a redemocratização do país e da posse de José Sarney como presidente, antes vice de Tancredo Neves (aliás, o próprio Minis- tério da Cultura foi criado em 1985). Este autor explica que a gênese de uma lei de incentivo cultural (depois enfim concretizada como Lei Sarney) remonta ao ano de 1972, mas tal proposta teve que superar muitas barreiras até entrar em vigor:

Ditaduras não gostam de projetos desse tipo, que transferem do Esta- do para a sociedade civil parte do poder de decidir o que vai ser feito em cultura. É sintomático que, tão logo o país retomou de algum modo o regime democrático, a lei encontrou caminhos para aflorar (COE- LHO NETTO, 2009, p.9).

O que Coelho Netto enfatiza é que, nos anos de Ditadura Militar, o Estado detinha todo o controle sobre o que deveria ser produzido e distribuído em termos de cultura no Brasil; com a Lei Sarney, a sociedade civil pode escolher, pelo menos em parte, o que gostaria de ver produzido. Nas palavras de Coelho Netto (2009, p.11), este foi “um sopro de liberdade” para a cultura brasileira.

Embora não se pretenda resgatar o histórico das leis de incentivo no Brasil, é im- portante para esta pesquisa lembrar a Lei Sarney, pois ela representa a primeira lei de incentivo cultural que se apoia em abatimentos no imposto de renda e permite às empresas investirem na cultura.

As críticas à Lei Sarney (INCENTIVO..., s.d.) eram de que ela não exigia aprovação técnica prévia de projetos culturais, mas apenas o cadastramento de proponentes2

como entidades culturais no Ministério da Cultura (ela também não distinguia entre iniciativas culturais que, de fato, precisavam de incentivo fiscal). A revogação desta lei em março de 1990 mobilizou produtores, agentes culturais e artistas que exigiram a criação de uma nova lei de incentivo, a já citada Lei Rouanet (lei nº 8.313).

Dentre as diferentes ações, atividades, programas e projetos implementados pelo Ministério da Cultura, pode-se encontrar o chamado Programa Nacional de Apoio à Cultura – Pronac, que foi estabelecido pela própria Lei Rouanet para “estimular a 1. A Lei Rouanet pode ser lida na íntegra em http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L8313cons.htm. 2. A Instrução Normativa nº 1/2013/MinC (INSTRUÇÃO..., 2013) compreende proponente como “pes- soa que apresenta propostas culturais no âmbito do Pronac e responsabiliza-se pela execução dos projetos aprovados, podendo ser pessoa física com atuação na área cultural ou pessoa jurídica de direito público ou privado, com ou sem fins lucrativos, cujo ato constitutivo ou instrumento congênere disponha expressamente sobre sua finalidade cultural.”

produção, a distribuição e o acesso aos produtos culturais, proteger e conservar o pa- trimônio histórico e artístico e promover a difusão da cultura brasileira e a diversidade regional, entre outras funções” (PROGRAMA..., 2014). É por meio do Pronac que os variados projetos culturais podem ser submetidos ao Ministério da Cultura para tenta- rem obter a concessão de apoio ou investimento, sendo que há três mecanismos para isso: Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart), Fundo Nacional da Cultura (FNC) e Incentivo Fiscal (também conhecido por Mecenato).

O Ficart, como explica o Ministério da Cultura (s.d., p.1), é um mecanismo que per- mite a “aplicação em projetos culturais de caráter comercial, por meio de fundos de investimento criados por instituições financeiras”; no entanto, este mecanismo ainda não foi regulamentado pelo Ministério da Cultura e permanece indisponível.

Já o FNC apoia projetos culturais de entidades públicas e privadas sem fins lucrati- vos, desde que sua natureza seja cultural; isso possibilita ao Ministério da Cultura in- vestir diretamente em projetos culturais por meio de convênios e outros instrumentos similares, financiando até 80% do valor do projeto, sendo o restante por conta do pro- ponente. De acordo com o Ministério da Cultura (s.d., p.4), podem submeter projetos ao FNC pessoas jurídicas de natureza cultural de Direito Privado sem fins lucrativos (como fundações particulares, ONGs, associações e institutos) ou de Direito Público das esferas federal, estaduais ou municipais (prefeituras, secretarias de cultura, fun- dações e autarquias). Pessoas físicas de natureza cultural também podem submeter projetos desde que se enquadrem nas normas do Ministério da Cultura.

O terceiro mecanismo do Pronac, chamado de Incentivo Fiscal, Renúncia Fiscal ou Mecenato é aquele que permite o apoio da iniciativa privada ao setor cultural. Dentre os três mecanismos do Pronac, o Incentivo Fiscal é o que mais interessa a esta pes- quisa porque, como explica o Ministério da Cultura (s.d., p.5), permite o investimento em projetos culturais via doação, patrocínio ou contribuições ao FNC, com a possibi- lidade de abatimento no Imposto de Renda do contribuinte investidor. Pessoas físicas podem aplicar até 6% do seu imposto de renda em projetos culturais aprovados no Pronac, sendo que para pessoas jurídicas (desde que tributadas com base no lucro real), o percentual é de até 4%. Dependendo do tipo de projeto, o Ministério da Cultura pode deduzir até 100% do valor investido para a causa cultural.

Ou seja, como explica Mota (2015, p.48), somente empresas cujo abatimento do Imposto de Renda são tributadas com base no lucro real podem investir em projetos autorizados pelo Pronac; empresas que recolhem impostos por lucro presumido, ar- bitrado ou via Simples Nacional não podem ter esse benefício tributário. Já pessoas físicas que desejam investir nesses projetos devem usar o modelo completo de decla- ração do imposto de renda, sendo necessário informar todos os gastos e rendimentos ocorridos no ano e quais deles se destinam ao Pronac.

Para compreender melhor esse mecanismo, pode-se analisar o seguinte exemplo prático: se uma empresa pagou à Receita Federal dez milhões de reais em Imposto de Renda no ano de 2014, ela pode optar por investir até quatrocentos mil reais (equi- valente a 4% do Imposto) em um projeto cultural aprovado no Pronac; neste caso, dependendo do tipo de projeto escolhido, tal valor pode ter até 100% de abatimento na próxima cobrança de Imposto de Renda, que se refere ao ano de 2015.

Do lado da empresa, além deste investimento não ter um custo adicional em seu orçamento (já que parte do montante a ser pago em Imposto de Renda, até 4%, é revertido para uma causa cultural), o respectivo patrocínio pode contribuir para a agre- gação de valor institucional à sua marca.

As seguintes atividades configuram-se dentro do escopo da Lei Rouanet, sob o mecanismo de Incentivo Fiscal (Mecenato):

a) artes cênicas; b) livros de valor artístico, literário ou humanístico; c) música erudita ou instrumental; d) exposições de artes visuais; e) doações de acervos para bibliotecas públicas, museus, arquivos pú- blicos e cinematecas, bem como treinamento de pessoal e aquisição de equipamentos para a manutenção desses acervos; f) produção de obras cinematográficas e videofonográficas de curta e média metra- gem e preservação e difusão do acervo audiovisual; g) preservação do patrimônio cultural material e imaterial; h) construção e manutenção de salas de cinema e teatro, que poderão funcionar também como centros culturais comunitários, em municípios com menos de cem mil habitantes (MECANISMO..., 2013).

De acordo com artigo no site do Ministério da Cultura (PROGRAMA..., 2014), as propostas de apoio por parte de proponentes devem ser registradas entre 1 de feve- reiro e 30 de novembro de cada ano por um sistema chamado Salic.1 Podem registrar

propostas tanto pessoas físicas com atuação na área cultural (artistas, produtores culturais, técnicos da área cultural etc.) como pessoas jurídicas públicas de natureza cultural da administração indireta (autarquias, fundações culturais etc.) ou pessoas ju- rídicas privadas de natureza cultural, com ou sem fins lucrativos (empresas, coopera- tivas, fundações, ONG's, Organizações Culturais etc.). Assim que o projeto submetido é autorizado pelo Pronac, o proponente é autorizado a captar recursos de pessoas físicas pagadoras de Imposto de Renda (até 6%) ou de empresas tributadas com base no lucro real (até 4%) para a execução do projeto.

Rodrigues (2015) evidencia que cerca de 80% dos recursos públicos destinados ao incentivo para produção cultural no Brasil são provenientes da Lei Rouanet; no en- 1. O Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic) é o sistema responsável por controlar a apresentação, o recebimento, a análise de propostas culturais e aprovação, a execução, o acompanha- mento e a prestação de contas de projetos culturais por pessoas físicas e jurídicas de natureza cultural.

tanto, ela não está livre de debates ou críticas. Saron (2009, p.6) lembra que, por ser uma das poucas ferramentas que geram um alto volume de recursos e tem enorme impacto nas artes, esta lei é motivo de discórdia entre artistas, produtores e institui- ções culturais, pesquisadores e órgãos governamentais de cultura.

Um outro artigo apresentado no site do Ministério da Cultura (CERCA..., 2015) revela que 3.273 projetos culturais captaram recursos por meio do Pronac no ano de 2014, sendo que 2.810 se originaram de pessoas jurídicas e 463 de pessoas físicas: tais projetos levantaram cerca de um bilhão e trezentos milhões referentes a doações e patrocínios feitos por incentivadores que se beneficiaram de renúncia fiscal.

Para o ano de 2015, o valor projetado de gastos tributários ao Pronac para o Incen- tivo Fiscal é de quase um bilhão trezentos e vinte e quatro milhões,1 sendo que isso

representa 0,53% do orçamento de gastos tributários do Governo Federal para 2015 (SECRETARIA DE ORÇAMENTO FEDERAL, 2015, p.4), valor menor ao de 2008, que fixou-se em 1,46% (CALDEIRA, 2009, p.69). De acordo com Leitão (2015), o valor destinado ao Pronac em 2015 equivale ao da Secretaria da Pesca, sendo o menor da história em comparação ao orçamento total do Governo Federal.

...a crise também está reduzindo o estoque de incentivo das empre- sas, e o valor alcançado em 2014 pela Lei Rouanet, cerca de R$ 1,4 bilhão, não se repetirá em 2015. Com o debate, e sobretudo com o próprio MinC detonando publicamente a Lei Rouanet, a situação deve piorar. A tendência é que muitas empresas não usem o mecanismo, com receio de associar suas marcas a uma controvérsia. Ou seja… Menos dinheiro para a cultura. E mais desemprego, mais recessão, mais exclusão (LEITÃO, 2015).

Rodrigues (2015) revela que o próprio Ministro da Cultura em exercício – Juca Ferreira – critica a lei Rouanet, por exemplo: o fato de que 80% dos Incentivos Fis- cais provenientes desta lei destinam-se a produtores culturais estabelecidos em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Em artigo do Ministério da Cultura (CERCA..., 2015), há a informação de que já tramita um projeto de Lei na Câmara dos Deputados para a cria- ção do Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (ProCultura), que deve substituir a Lei Rouanet por trazer um novo modelo de financiamento federal à cultura, além de mudanças no mecanismo de incentivo cultural por meio de renúncia fiscal.

Esse projeto de lei (número 6.772/2010) define o FNC (que é o Fundo Nacional de Cultura, já explicado em parágrafos anteriores) como o principal mecanismo de financiamento federal à cultura, sendo que este deve ser transformado em um fundo de natureza contábil e financeira que também pode receber recursos por meio de doações e patrocínios (atualmente o FNC é apenas contábil, por isso seu saldo anual 1. Valor exato, estimado para 2015: R$ 1.323.099.818. Valor exato em 2014: R$ 1.320.307.460,89.

precisa ser devolvido ao Tesouro Nacional). A nova lei prevê ainda mecanismos de re- gionalização de recursos destinados em partes a fundos estaduais e municipais (para financiar políticas públicas de entes federados), previsão de aumento de limites de dedução do Imposto de Renda para doações e patrocínios em até 8% tanto para pes- soas físicas quanto jurídicas, ativação do Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart), que deve ser operado por instituições financeiras com a finalidade de investir em atividades com potencial retorno comercial e a criação do Vale-Cultura, entendida pelo Ministério da Cultura como a primeira política pública com foco específico no acesso ao consumo e à fruição de bens e serviços culturais.

De acordo com a Câmara dos Deputados (PROJETOS..., 2015), o Programa Na- cional de Fomento e Incentivo à Cultura aguarda “apreciação pelo Senado Federal”.

Além da Lei Rouanet, alguns estados e municípios também possuem leis espe- cíficas voltadas à cultura, cada qual com suas regras e aplicações. Cita-se como exemplo o Programa de Ação Cultural (ProAc) da Secretaria da Cultura do Governo do Estado de São Paulo, a Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Governo do Estado de Minas Gerais, a Lei de Incentivo à Cultura do Governo do Estado do Rio Grande do Sul (LIC/RS), a Lei de Incentivo à Cultura do Estado do Ceará (Lei Jereissati), o Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, Esporte e Turismo do Governo do Estado de Santa Catarina (SEITEC), o Fundo de Cultura do Governo do Estado da Bahia e o Programa de Fomento à Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro.

No documento Download/Open (páginas 92-97)