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Lei das Sociedades Anônimas

5 REPRESSÃO DO ABUSO PELO DIREITO BRASILEIRO

5.2 Lei das Sociedades Anônimas

5.2.1 Acionistas

De uma forma geral, o legislador considerou abusivos os atos praticados em desconformidade com o interesse da companhia. Nesse sentido, o artigo 115 da Lei das Sociedades Anônimas sanciona o voto abusivo do acionista e o conflito de interesses. Nos termos do referido artigo, o acionista deve exercer o direito de voto no interesse da companhia, considerando-se abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.

O parágrafo 1º do referido artigo proíbe o acionista de votar nas deliberações em que tiver interesse conflitante com o da companhia148 e o parágrafo 3º prevê a responsabilidade do acionista pelos danos decorrentes do exercício abusivo do direito de voto, ainda que o voto não haja prevalecido. Nota-se que a Lei das Sociedades Anônimas coíbe o abuso por parte do acionista com um viés principiológico e orientador, independentemente de o voto ter prevalecido.

147 PEREIRA, Caio Mário da Silva, 2005, p. 334-335. 148

Se o acionista votar nos casos em que esteja proibido de fazê-lo, o voto será nulo, nos termos do artigo 166, inciso VII, do Código Civil. O impedimento de voto não configura abuso de direito, mas sim nulidade ex lege em razão de conflito (CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 493, 497 e 498. v. 2).

Já o parágrafo 4º prevê a anulabilidade da deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tenha interesse conflitante com o da companhia.

Há muito se entende que o direito de voto não é livre, mas sim deve ser exercido no interesse da companhia. É difícil conceituar o direito de voto como um verdadeiro direito subjetivo, tendo em vista que o acionista deve antepor ao seu interesse aquele da companhia. Nesse aspecto, é conveniente a formulação de Asquini do voto como um diritto a doppia

faccia: de um lado, direito subjetivo que tutela o interesse do acionista; de outro, poder

concedido ao acionista no interesse social.149

De forma semelhante ao Código Civil, a Lei das Sociedades Anônimas considera a finalidade do direito de voto e adota o critério objetivo da conduta, independentemente da intenção psicológica do acionista.150

No entanto, ainda que a Lei das Sociedades Anônimas adote o critério objetivo da conduta, as hipóteses legais de abuso do direito de voto presumem o dolo ou a culpa do acionista. É esse o posicionamento de Nelson Eizirik, com o qual se concorda, ao lecionar que (i) o voto com o fim de causar dano à companhia ou aos acionistas indica a emulação do acionista; e (ii) o voto com intuito de obter vantagem indevida para si ou para outrem, que resulte ou possa resultar prejuízo à companhia ou aos acionistas indica a distorção dolosa da finalidade do voto (o interesse social) e uma conduta visando à obtenção de vantagem ilegítima.151

Outrossim, nos termos do artigo 116 da Lei das Sociedades Anônimas, o acionista controlador tem o dever de usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, tendo deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

O artigo 117 da Lei das Sociedades Anônimas, por sua vez, prevê a responsabilidade do acionista controlador pelos danos causados pelos atos praticados com abuso de poder.152 São

149 FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes apud LUCCA, Newton De. Abuso do direito de voto de credor na assembleia-geral de credores prevista nos arts. 35 a 46 da Lei 11.101/2005. In: ADAMEK, Marcelo Vieira Von (Coord.). Temas de Direito Societário e Empresarial Contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 648.

150

CARVALHOSA, Modesto, 2011, p. 500. 151

EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. v. I, São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 655.

152 Mesmo nos casos de abuso de poder no âmbito societário, fala-se em prática contrastante com o dever de boa- fé. É o que ensina o Fabrizio Guerrera sob a ótica do direito italiano: “Si gravita, piuttosto, nell’ambito delle

exemplos de exercício abusivo de poder atos como (i) a orientação da companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional ou o favorecimento de outra sociedade em prejuízo aos acionistas minoritários; (ii) a liquidação de companhia próspera ou a prática de operações societárias com o fim de obter vantagem indevida ou causar prejuízo a terceiros; (iii) a eleição de administrador ou fiscal sabidamente inapto moral ou tecnicamente; (iv) a indução à prática ou ratificação de ato ilegal; (v) a contratação em condições de favorecimento ou não equitativas, entre outros. O artigo 246 da Lei das Sociedades Anônimas atribui igual responsabilidade à sociedade controladora.

Os acionistas controladores devem cumprir com os deveres de lealdade, diligência e transparência e devem se abster de praticar atos e negócios com abuso ou desvio de poder e conflito de interesses. Nesse sentido, o artigo 117 da Lei das Sociedades Anônimas prevê modalidade de abuso qualificado, tendo em vista que o acionista controlador possui deveres fiduciários de conduzir a companhia para a consecução do objeto social e garantir o cumprimento do interesse social.153 Existirá abuso exatamente quando o controlador buscar a consecução de interesses próprios, e não do interesse social.

De forma semelhante ao citado artigo 115, o artigo 117 também adota o critério objetivo da conduta, independentemente da intenção psicológica do acionista controlador. 154 Considera-se, para fins de responsabilização por abuso de poder, a existência de dano e o nexo causal entre o dano e a conduta do controlador.

5.2.2 Administradores

A Lei das Sociedades Anônimas também regula a conduta do administrador. De uma forma geral, optou por, de um lado, preservar a liberdade de atuação dos administradores, atribuindo- lhes poderes privativos155, e, de outro, regular o seu comportamento por padrões de conduta

pratiche vessatorie contrastanti com i doveri di correttezza e buona fede nei rapporti fra i soci e, conseguentemente, della tutela risarcitoria di carattere ‘individuale’” (Abuso del voto e controllo “di correttezza” sul procedimento deliberativo assembleare. Rivista delle società, Milano, genn./febbr. 2002, p. 249).

153

CARVALHOSA, Modesto, 2011, p. 624. 154 Ibid., p. 500.

abstratos, a serem contrastados com o comportamento específico do administrador no caso concreto.156

Os principais deveres dos administradores são diligência, cumprimento das finalidades, inexistência de desvio de poder, lealdade, inexistência de conflito de interesses, informação ao mercado e vigilância. Há uma série de outros deveres, mas eles acabam de alguma forma se relacionando aos deveres gerais acima mencionados.

Nos termos do artigo 154 da Lei das Sociedades Anônimas, que dispõe sobre a finalidade das atribuições e o desvio de poder, o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.

O objeto social é o limite específico da discricionariedade de que desfrutam os administradores na condução dos negócios sociais. Nesse sentido, a atuação do administrador deve ser orientada pela realização do objeto social com o máximo de diligência. Além disso, ao fazer a companhia funcionar na realização do seu objeto social, deve atender às exigências do bem público e à função social da empresa, escolhendo, entre as diferentes opções disponíveis, a que melhor se conciliar com tais exigências.157

Como se verifica, o artigo 154 da Lei das Sociedades Anônimas trata do cumprimento das finalidades e do desvio de poder, e não expressamente do abuso de direito ou abuso de poder. Porém, a mais autorizada doutrina -- à qual se adere -- defende que a antijuridicidade do abuso de poder engloba o desvio de poder, sendo forma mais abrangente.158

Sabe-se que, do desempenho das funções dos administradores, podem resultar danos à companhia, aos acionistas e a terceiros. Os administradores não são apenas mandatários que executam decisões tomadas pelos acionistas; eles também tomam as suas próprias decisões e por elas devem responder. Em princípio, os administradores exteriorizam a vontade social e não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da companhia. Em algumas situações, porém, podem ser responsabilizados pessoalmente.

A regulamentação da responsabilidade civil dos administradores encontra-se no artigo 158 da Lei das Sociedades Anônimas. Decorre do citado artigo (i) a irresponsabilidade do

156

Artigos 153 a 157 da Lei das Sociedades Anônimas. 157

VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 456- 457, v. 3.

administrador por atos regulares de gestão (artigo 158, caput); e a sua responsabilidade por prejuízos decorrentes dos atos praticados (ii) dentro das suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo (artigo 158, inciso I) ou (iii) com violação à lei ou ao estatuto (artigo 158, inciso II).

A responsabilidade do administrador que agir com desvio de finalidade ou de poder enquadra-se no inciso II do artigo 158, já que o desvio de finalidade caracteriza violação ao artigo 154 da Lei das Sociedades Anônimas. Em linha com o que ensina a maioria da doutrina159, entende-se que, em caso de violação à lei ou ao estatuto, a culpa do administrador será presumida, operando-se a inversão do ônus da prova.