• Nenhum resultado encontrado

Não são poucos os discursos sobre a prática de leitura com intuito de propiciar a formação do leitor crítico. Tais discursos se concretizam por meio de várias pesquisas, como: Silva (1991,1998), Freire (1983/1986), Coracini (2010) e Pennycook (2006). Esses autores salientam, de uma forma ou de outra, a necessidade de um ensino que considere as relações sociais dos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem e dê condições para o aluno aprender a pensar autonomamente. Tal prática deve permitir ao aprendiz-leitor condições de interpretar e analisar, de maneira crítica e autônoma, superando a atitude passiva diante de leituras de textos.

Para Silva (1991, p. 80), o leitor crítico é aquele que “movido por sua intencionalidade, desvela o significado pretendido pelo autor (emissor)”, reage, questiona, problematiza, aprecia com criticidade e não se detém no que o autor escreveu. O autor explica que o leitor se conscientiza de que ler não é simplesmente um ato para reter ou memorizar, mas um ato para compreender, criticar e refletir.

O leitor crítico é aquele que vai além da superfície do texto, navega nas entrelinhas, desbrava as diversas vozes contidas no texto, expõe sua voz e ouve a voz do outro, com isso interage, mostra-se e avalia o texto lido. Ele busca “compreender as circunstâncias, as razões e os desafios sociais permitidos ou não pelo texto” (SILVA, 1998, p. 34). Para tanto, o leitor precisa ter sensibilidade e capacidade de julgamento, tendo uma atitude de quem busca refletir e transformar as suas ideias construídas a partir do texto.

O autor frisa a importância de que a leitura crítica sempre possibilitará a produção de outro texto, quer dizer:

o texto do próprio leitor. [...] a leitura crítica sempre gera expressão: o desvelamento do SER do leitor. Assim, esse tipo de leitura é muito mais do que um simples processo de apropriação de significado; a leitura crítica deve ser caracterizada como um PROJETO, pois concretiza-se numa proposta pensada pelo ser-no-mundo [...] (1998, p. 29).

Acerca disso, as descrições, apresentadas por Lemos (2005), referentes à formação de leitores críticos, são condizentes com a prática pedagógica do Pensar Alto em Grupo, uma vez que possibilitam mudanças em relação à postura não só do professor, mas também a dos alunos. Tal prática de leitura permite abrir espaço para a voz dos alunos e ouvi-los mais, e eles, por sua vez, assumem nova postura leitora ao serem ouvidos, sentem-se valorizados e reconhecidos como sujeitos ativos do processo. Para a autora, “será nas situações de troca, ouvindo o outro, aceitando ou refutando seus argumentos, orientados pelo professor que ouve, reformula, dá voz e amplia as contribuições que surgem” (2005, p. 25) para a formação do leitor crítico. Acrescenta que o leitor não concebe o autor ou mesmo o professor como o detentor do conteúdo do texto, já que ele, o leitor, também participa da construção de sentidos na vivência da leitura dos textos.

Portanto, a formação do leitor crítico nos ambientes escolares precisa levar em conta as concepções de leitura que embasam a prática dessa habilidade, sobretudo, as que viabilizam um trabalho voltado para o pensar, o compreender e o refletir. Além disso, o professor precisa proporcionar as condições para que o aluno construa o seu conhecimento na relação como o outro e com o espaço social do qual faz parte. Isso implica o envolvimento tanto do aluno como do professor, e, na prática, isso significa cada um assumir-se como um ser sócio-histórico. Entretanto, isso não é uma tarefa fácil para o professor, pois ele muitas vezes se sente inseguro psicológica e teoricamente para desenvolver tal tarefa, nem para os alunos é uma tarefa fácil, pois muitos acreditam não ter conhecimento e cabe ao professor lhes “ensinar”.

Ainda há muitos professores que concebem tanto os conteúdos quanto a metodologia como imutáveis, fixos e estáveis e o aluno como “um ser abstrato, desprovido de um caráter social, vontades e voz própria” (CORACINI, 2010, p. 23). Isso talvez ocorra por causa de determinada concepção teórica que embasa a prática do professor ou por insegurança como já mencionei.

A partir dos resultados do trabalho voltado para as aulas de leitura, em francês. Coracini (2010, p. 32) anuncia algumas ações possíveis de serem realizadas, se o professor intenciona uma prática que contemple o aluno como ser pensante e crítico. Assim, apoiada na autora, apresento, resumidamente, algumas atitudes que o professor poderá adotar:

 uma prática de leitura menos diretiva e dominadora e criação de situações, como: a comparação entre vários textos produzidos a partir de um mesmo fenômeno ou evento, buscando as diferenças formais e linguísticas, mas sobretudo culturais;

 a colaboração para o aluno perceber que todo texto resulta de uma infinidade de outros textos, assim também ocorre com o sujeito, que se constitui de uma infinidade de outros sujeitos;

 uma postura permissível para questionamento das verdades postas em sala de aula como inquestionáveis.

Obviamente, a formação de um competente leitor e produtor de texto não é exclusivamente dependente de novas metodologias, resulta também da concepção teórica adotada pelo professor, o que corresponde ao modo de agir pedagogicamente em sala de aula. Por isso, é necessário o professor refletir sobre sua ação pedagógica, questionar a metodologia, o material didático, sua atitude considerando quais são seus reais objetivos como professor.

Nessa perspectiva, o papel do professor pode ser representado no conceito de agente de letramento proposto por Kleiman (2009), sendo aquele “mediador de práticas sociais situadas no mundo letrado” (TINOCO, 2010, p. 213) e a sala de aula, na visão bakhtiniana, compreendida “como um fenômeno social e ideologicamente constituído – ou seja, uma arena de conflitos de vozes e valores mutáveis e concorrentes”, como afirma Coracini (2010, p. 23).

O sentido da leitura não se constrói por um autor onipotente que insere marcas no texto para o leitor desvelar o sentido, ao contrário, acontece o desvelamento do texto por um leitor que é um sujeito situado historicamente. Se a intenção é a formação de um leitor capaz de entender não só a leitura da palavra, mas também a leitura de mundo (FREIRE, 1983/1986), é mister assumir um papel de educador que quer um sujeito capaz de compreender o mundo e nele atuar ativamente como cidadão. Segundo Coracini (2010, p. 24), o aprendiz é “um ser social, é formado hibridamente por discursos dialogicamente conflitantes, o que faz com que ele não se adapte facilmente a metodologias unívocas homogeneamente lineares e preestabelecidas”.

O leitor, ao realizar diferentes operações mentais ao ler um texto, como processar, comparar, analisar, criticar, contrastar, avaliar ideias sem desconsiderar os contextos, está construindo sentido do texto. Trata-se, conforme Silva (1998, p. 33), de um “trabalho que exige lentes diferentes das habituais, além de retinas sensibilizadas e dirigidas para a compreensão profunda e abrangente dos fatos sociais”.

A leitura, por conseguinte, não pode ser concebida somente considerando o momento de sua realização, pois ela se constitui de uma historicidade que influencia a construção de sentidos, não há sentido sem se levar em conta os sentidos anteriores. É nesse “jogo interlocutivo” que a leitura se constitui como encontro de vozes, “não existe palavra que não seja de alguém”, de acordo com Bakhtin, (1992/1997, p. 350).

No capítulo II, apresento o histórico do Pensar Alto em Grupo e a perspectiva de ser considerada uma prática pedagógica. Em seguida, discuto a representação do professor como agente de letramento. Também discorro sobre as contribuições teóricas de Vygotsky e Bakhtin, como também apresento considerações sobre a concepção da argumentação, apoiada em Perelman (1996/2005).

3 O PENSAR ALTO EM GRUPO COMO PRÁTICA DE LETRAMENTO

Neste capítulo, primeiramente, apresento o histórico do Pensar Alto em Grupo. Logo, discuto o Pensar Alto em Grupo como prática pedagógica que possibilita uma prática social de leitura com mais liberdade para os participantes expressarem suas leituras. Enfoco também o professor como agente de letramento. Teço considerações sobre o homem, como ser histórico sujeito às contradições da sociedade, e sobre a linguagem, como formadora do pensamento, embasada em Vygotsky (1947/2002, 1991) e Bakhtin (1992/1997, 1929/2006). E apoiada em Perelman (1996/2005), realizo uma apresentação de traços gerais da concepção da demonstração e da teoria da argumentação ou nova retórica.