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Tendo em vista o objetivo deste estudo, discuto a argumentação situada, enfocando aspectos presentes na situação comunicativa, sobretudo no evento do Pensar Alto em Grupo, sem me deter a forma linguística da argumentação. Para tanto, faço um recorte temporal que se limita à argumentação no século XX, época em que os estudos se acentuaram, e me restrinjo a uma apresentação de traços gerais da teoria lógica da demonstração e da teoria da argumentação ou nova retórica de Perelman (1996/2005)38, um dos mais importantes teóricos da Retórica do século passado.

A Teoria da demonstração se refere à lógica formal que compreende o exame dos meios de prova demonstrativos (PERELMAN, 1996/2005). Ela se limita a examinar o discurso dirigido a um auditório universal, visando à adesão a uma tese exclusivamente considerada verdadeira. Cabe ao lógico definir as proposições consideradas válidas e evidenciar quais são as regras de transformação que permitem concluir, a partir delas, outras proposições válidas.

Nessa perspectiva, as demonstrações são intemporais e não há motivo para distinguir os auditórios aos quais se dirige, uma vez que se presume que todos se predispõem diante

38Chaïm Perelman, filósofo de origem polonesa radicado na Bélgica, tende a uma dimensão racionalista, mas ele denomina

de uma racionalidade ética, ou seja, de uma lógica específica para os valores, pois discorda da posição positivista limitadora do papel da lógica, do método científico para resolver problemas de cunho basicamente teórico, manifestado no ideal de uma ciência experimental e na busca das verdades universais. Ele conclui que não há uma lógica dos juízos de valor, mas que, em todos os campos do conhecimento onde há controvérsia de opiniões, a filosofia, a moral, o direito etc., recorre-se a técnicas argumentativas. É, nessa perspectiva, que se funda o interesse de nos apropriarmos do pensamento de autor para o tratamento dos dados, analisados neste trabalho, assim, apoiamo-nos nas argumentações com base no verossímil (eikos), evidenciados nas vozes dos alunos. Para o autor, o objeto da teoria da argumentação é o estudo das técnicas discursivas que visam “provocar ou a aumentar a adesão das mentes às teses apresentadas a seu assentimento” (1996/2005, p. 4).

daquilo que é objetivamente válido. Essa concepção clássica da demonstração não admite o que é evidente não precisar de alguma prova, não possuir o rigor das premissas lógicas e não apresentar grau de certeza variável. Nela, os discursos só serão válidos, se as provas não possuírem margem de erro e não forem impregnadas de fatores subjetivos nem influenciadas pelo contexto, assumem, portanto, um carácter impessoal, sem subjetividade, admitindo uma única conclusão.

A teoria da argumentação, por sua vez, compreende um conjunto de técnicas discursivas, visando ganhar ou ampliar a adesão às teses, pressupõe a existência de um contato intelectual entre orador e ouvintes. Para tal contato, o imprescindível à argumentação é haver uma linguagem comum para promover a comunicação (PERELMAN, 1996/2005). A concepção da argumentação busca a adesão do interlocutor à tese explicitada pelo orador, sem, contudo, considerá-la “palavra do Evangelho”, ou seja, indiscutível.

Na argumentação, as provas são susceptíveis de múltiplas interpretações, a conclusão é mais ou menos razoável, podendo incorrer numa conclusão falsa ou ainda não conduzir necessariamente a uma conclusão. O discurso é embasado em teses que, por sua vez, são geralmente baseadas em opiniões decorrentes de senso comum e frequentemente marcadas pela subjetividade de quem argumenta, levando em conta, nesse processo, o contexto em que ocorre a interlocução.

Ao passo que a lógica realiza uma demonstração irrefutável, pelo método das evidências, e é dirigida a um auditório universal com uma conclusão universal, a argumentação busca convencer o ouvinte (auditório) que uma dada tese é preferível a uma outra, porém a quem busca o convencimento convém a modéstia e reconhecer que o dito é discutível. O importante na argumentação não é o que o orador considera como verdade, mas como o auditório percebe o discurso dele (PERELMAN, 1996/2005), o que é presumidamente admitido pelo ouvinte.

De acordo com Perelman (1996/2005), a forma como as pessoas veem o real depende de seus valores, opiniões, concepções filosóficas, por exemplo, “enquanto o lógico ou o matemático raciocinam no interior de um sistema, do qual todos os elementos foram enumerados previamente, o orador não goza de uma situação tão privilegiada: a sua argumentação alimenta-se de um corpus a maior parte das vezes mal definido” (PERELMAN, 1998/2000, p. 246).

A argumentação se divide em duas vertentes: a dialética e a retórica. A primeira diz respeito à forma de se chegar a uma conclusão por meio da deliberação e do debate com vista a adquirir conhecimentos novos. Ela visa ao procedimento que acentua a forma de se conduzir

o discurso. A segunda, a retórica, diz respeito à adesão a uma opinião por meio da oratória com o intuito de influenciar o outro a agir, tendo em vista o processo a fim de persuadir o auditório. Usa uma linguagem comum, sujeita a ambuiguidade e imprecisão, daí a importância da interpretação do dito.

No início da obra “A nova retórica” de Perelman e Olbrechts-Tyteca (Parte I), ambos demonstram pretende unir a dialética e a retórica. Eles enfocam as provas dialéticas (procedimentos não demonstrativos) em vez das provas analíticas (procedimentos demonstrativos), bem como pressupõem um auditório para o qual é dirigida a argumentação, relacionando, assim, a teoria à retórica, ou seja, a utilização dos raciocínios dialéticos ante a um auditório.

A nova retórica não pretende ser prescritiva. Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996/2005, p. 50) não postulam como deve ser formada a argumentação para ser “válida”, “feliz”, ou “boa”. Falam de “aceitabilidade”, analisando diferentes tipos de auditório que requerem tipos distintos de argumentações. Para eles, argumentação eficaz é a que resulta na adesão à tese por parte do auditório, levando-o a criar uma disposição para a recepção do dito, um aspecto que é também possibilitado pelo evento social de leitura do PAG, na medida em que abre espaço para a voz dos participantes.

De um modo geral, o discurso argumentativo possui pelo menos dois componentes: a posição (tese), pela qual o sujeito expõe a defesa frente a uma questão polêmica, podendo ser evidenciada por discordância de um ponto de vista, e a justificativa (sustentação) composta de argumentos selecionados, com intuito de sustentar a posição assumida por quem emitiu a mensagem. O discurso argumentativo pode apresentar uma característica mais complexa, revelando a intenção do sujeito de não só defender uma posição, mas também negociá-la.

Nessa perspectiva, os entimemas ou silogismos retóricos tomam por base o convincente, - provas, exemplos, verossimilhanças e sinais-, o que descaracteriza o rigor das premissas da lógica formal, e apresenta grau de certeza variável, porque as premissas são opiniões verossímeis, com aparência de verdade, com o objetivo de persuadir o auditório. Os entinemas (enthymeísthai; considerar, refletir) são argumentos que contêm pelo menos uma premissa não formulada, designada por premissa implícita. Habitualmente, não se explicitam todas as premissas de um argumento dessa natureza, por inferir que se trata de algo tão óbvio, sendo desnecessário explicitá-la. Esses tipos de argumentos são muito frequentes no dia a dia, porém pode ser um problema perceber quais são as ideias subentendidas ou ocultas para quem não está no contexto em que ocorre a argumentação.

Em seus estudos, Perelman destaca alguns pontos importantes para o entendimento da nova retórica. O discurso é compreendido como argumentação. Orador e auditório são, respectivamente, “aquele que apresenta o discurso e aqueles a quem o discurso é dirigido” (PERELMAN, 1996/2005, p. 7). O significativo na argumentação é como o auditório conceberá as proposições expostas pelo orador.

É óbvio, que cabe ao auditório, o principal papel para definir a qualidade da argumentação e o comportamento do orador. Vejo, contudo, como o aspecto mais importante, que o ato de aderir a uma tese enunciada não seja considerado como uma derrota e aceitação de incompetência, mas a aceitação de evidência da verdade, ainda que temporariamente. A adesão, como frisa Perelman (1996/2005, p. 41-42), “não deve constituir um debate, em que as convicções estabelecidas por seus respectivos partidários, mas uma discussão em que os interlocutores buscam honestamente e sem preconceitos a melhor solução de um problema controvertido”.

Pautada na discussão, formulo a seguinte consideração acerca da definição de argumentação voltada para a prática do PAG: é um processo dialógico de interação em que um sujeito expõe um ponto de vista acerca do texto e um outro concorda completamente, ou ainda se contrapõe ao dito, de forma parcial ou não, o que implica a negociação das posições apresentadas. São movimentos que evidenciaram traços de leitores tecendo argumentações, apoiados sobretudo nas experiências pessoais e no texto. Eles desenvolveram a argumentação entre dois ou mais participantes em uma dada situação, levando em conta o dinamismo da interação para sustentar uma tese ou um ponto de vista.

“Estamos firmemente convencidos de que as crenças mais sólidas são as que não só são admitidas sem prova, mas também, muito amiúde, nem sequer são explicitadas” (PERELMAN, 1996/2005, p. 8), porque não vejo como único e correto definir o valor da argumentação, se embasada rigidamente na estrutura das premissas da lógica formal e só por métodos científicos se determinará seu valor, ao contrário, apoio-me na nova retórica do filósofo belga para analisar os argumentos dos alunos explicitados na primeira e sexta vivências, especialmente na concepção dos entinemas, por compreender que cada indivíduo tem a sua verdade, que é discutível, podendo persuadir o outro ou ser persuadido.

No terceiro capítulo, discorro sobre aspectos metodológicos que embasaram esta pesquisa.

4 METODOLOGIA

Neste capítulo, apresento a metodologia adotada para esta investigação. Enfoco a pesquisa como uma atividade cognitiva, o paradigma da pesquisa qualitativa da pesquisa- ação, bem como caracterizo o contexto, os participantes da pesquisa. Na sequência, discorro sobre os métodos adotados – entrevista por pauta, diário reflexivo e pensar alto em grupo - para a geração de dados. Por fim, descrevo os procedimentos de análise dos dados.