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Capítulo I – Considerações Teóricas

4. Leitura

Um curso de LSP procura fortalecer práticas em sala de aula que possibilitem aos alunos o desenvolvimento de habilidades necessárias para a realização das tarefas nas situações-alvo. As habilidades que necessitam de maior atenção para seu desenvolvimento geralmente são percebidas durante a análise de necessidades. As Orientações Curriculares para o ensino da língua inglesa (SÃO PAULO, 2007, p. 60) oferecem um modelo de questionário que professores podem lançar mão para compreenderem melhor as necessidades e expectativas de seus alunos.

Nesta pesquisa, o questionário utilizado com os alunos participantes revelou a necessidade de se trabalhar com o desenvolvimento da habilidade de leitura. As respostas

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obtidas por meio desse instrumento investigativo estão de acordo com a proposição inscrita nos PCN-LE (BRASIL, 1998, p. 20) de que a habilidade que merece maior atenção na realidade brasileira é a de leitura:

Com exceção da situação específica de algumas regiões turísticas ou de algumas comunidades plurilíngues, o uso de uma língua estrangeira parece estar, em geral, mais vinculado à leitura de literatura técnica ou de lazer. Note-se também que os únicos exames formais em Língua Estrangeira (vestibular e admissão a cursos de pós-graduação) requerem o domínio da habilidade de leitura. Portanto, a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu contexto social imediato.

Considerando que, no Brasil, os contextos que requerem o uso de uma língua estrangeira não são tão comuns, e quando ocorrem, a habilidade mais exigida é a de leitura16, achamos necessário realizar nesta seção uma breve discussão de como compreendemos, em uma visão sócio-interacionista de linguagem, as práticas relacionadas ao desenvolvimento da leitura.

Baquero (1998, p. 88), baseado em Vygotsky, diz que o ensino de leitura e escrita precisa atender às verdadeiras necessidades das crianças. Muitos educadores esperam a “idade adequada” para dar oportunidade para o desenvolvimento da leitura, e com isso, muitas vezes, não percebem os momentos em que, para a criança, o saber ler faz sentido. A leitura deixa de ser abordada nos momentos em que se relaciona com a vida social, de forma natural, para mais tarde ser abordada, muitas vezes, sistemicamente e desconectada da forma como realmente ocorre no dia-a-dia.

A proposta que trazemos para o trabalho com leitura procura desenvolver essa habilidade de forma que ela se relacione com atividades sociais, ou seja, buscando uma prática que dê oportunidade ao aluno de poder compreender como a dinâmica em sala de aula se relaciona com a vida cotidiana. Para isso, seguimos a perspectiva dos PCN-LE (BRASIL, 1998, p. 92-93), que compreendem a leitura como uma construção social, que vai além de atividades centradas em aspectos de decodificação, no conhecimento sistêmico da língua e na concepção de que o significado é inerente ao texto. Em relação ao conhecimento sistêmico, os PCN-LE (BRASIL, 1998, p. 91) indicam que, em aulas de leitura, o tipo de conhecimento

16 De acordo com os PCN-LE (BRASIL, 1998, p. 22), a ênfase na habilidade de leitura não exclui o trabalho

com outras habilidades, como a oral. O trabalho com a habilidade oral, no entanto, não objetiva engajamento no discurso oral, mas sim ampliar a consciência linguística do aluno e promover momentos lúdicos que aumentem seu vínculo afetivo com a aprendizagem.

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requerido do aluno está mais em nível de reconhecimento do que de produção. Em outras palavras, o aluno precisa saber reconhecer os aspectos gramaticais no texto, mas não precisa se envolver exaustivamente em atividades cujo foco está em análise e produção gramatical da língua.

Os parâmetros oferecidos também descartam tarefas que compreendem leitura como “procurar no texto as respostas das perguntas dadas”, tarefas que acabam minimizando o envolvimento do aluno na construção de significados e o impedem de desenvolver seu lado crítico, no sentido de que ao ler, ele pode ter atitudes questionadoras, comparativas, criativas, que promovem transformação, não apenas de si mesmo, mas também daquilo que está ao seu redor.

Resumidamente, a proposta é de seguir alguns estágios na leitura de gêneros: pré- leitura, leitura e pós-leitura. Com esses estágios, os alunos têm a possibilidade de utilizar três tipos de conhecimento: de mundo, de organização textual e o sistêmico; e, consequentemente, construir significado. De acordo com os PCN-LE (BRASIL, 1998, p. 29):

Para que o processo de construção de significados de natureza sociointeracional seja possível, as pessoas utilizam três tipos de conhecimento: conhecimento sistêmico, conhecimento de mundo e conhecimento da organização dos textos. Esses conhecimentos compõem a competência comunicativa do aluno e o preparam para o engajamento discursivo.

Os tipos de conhecimento citados se assemelham muito ao conceito de capacidades de linguagem discutido por Dolz e Schneuwly (1996/2004). Em um aspecto mais genérico, ambas as propostas reconhecem que ao trabalhar com gênero é necessário, primeiramente, abordar questões relacionadas ao contexto mais amplo de produção do texto, tratando dos locutores e interlocutores, do meio de vinculação da mensagem, e considerar outros aspectos que influenciam as características do texto; depois, tratar de questões de organização textual; e, por último, das questões normativas da língua. Apresentamos, no quadro abaixo, uma síntese comparativa das duas propostas de se trabalhar com gêneros.

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Quadro 2: Capacidades de Linguagem e Tipos de Conhecimento

Dolz e Schneuwly (1996/2004) PCN-LE (BRASIL, 1998)

Capacidade de ação

Questiona as características do contexto e do referente.

Aborda conhecimento convencional que as pessoas têm sobre as coisas do mundo, isto é, seu pré- conhecimento do mundo. Conhecimento de mundo Capacidade discursiva Discute a organização do texto a ser produzido, a escolha dos tipos de discurso, e a escolha do modo de organização sequencial.

Engloba as rotinas

interacionais que as pessoas usam para organizar a informação em textos orais e escritos. Conhecimento textual Capacidade linguístico- discursiva

Trabalha com aspectos linguísticos propriamente ditos, incluindo várias operações de textualização e operações enunciativas.

Envolve os vários níveis da organização linguística que as pessoas têm: os conhecimentos léxico- semânticos, morfológicos, sintáticos e fonético- fonológicos. Conhecimento sistêmico

Mesmo que uma discussão comparativa mais aprofundada desses dois pilares teóricos mostre diferenças em seus fundamentos epistemológicos, o que é válido perceber é que durante a análise de dados desta pesquisa, alguns excertos podem ser mais bem interpretados com base nos tipos de conhecimento; outros, nas capacidades de linguagem. A necessidade de utilizar os dois pilares para a análise decorre do fato de que ambos influenciaram as ações do professor-pesquisador em momentos distintos da pesquisa.

Assim sendo, nos beneficiamos do fato de que tanto o pilar que se volta mais para o trabalho de leitura (tipos de conhecimento) quanto aquele que fornece orientações para elaboração de material didático (capacidades de linguagem) compreendem que o significado é construído socialmente, e que as experiências prévias do aluno servem como base17 para a construção de conhecimentos mais complexos.

Abaixo temos estágios propostos para um trabalho de leitura, de acordo com PCN-LE (BRASIL, 1998, p. 90-92), e como cada um deles está associado ao desenvolvimento de algum tipo de conhecimento:

17 Essa base Vygotsky (1933) chama de zona de desenvolvimento real, nível em que se encontra o conhecimento

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Quadro 3: Fases de Leitura nos PCN-LE (BRASIL, 1998)

Estágios da Leitura Descrição Tipos de conhecimento

Pré-leitura

O aluno cria hipóteses sobre o significado que está construindo com base em seu pré-

conhecimento. Engloba:

- Ativar o conhecimento prévio dos alunos em relação ao conhecimento de mundo: explorar o título, subtítulos, figuras, gráficos,

desenhos, autor, fonte;

- Ativar o pré-conhecimento do aluno em relação à organização textual: explorar itens lexicais, cabeçalhos, a distribuição gráfica do texto, etc., reveladores da organização textual; - Situar o texto, identificando quem é o autor, o leitor virtual, quando e onde foi publicado e com que propósito (a quais interesses serve).

Conhecimento de mundo, textual e sistêmico para criação de

hipóteses.

Leitura

Engloba:

- Transferir estratégias de leitura da língua materna para a língua estrangeira.

- Identificar semelhanças gramaticais e lexicais entre a língua materna e a estrangeira, e também perceber as diferenças nos

elementos sistêmicos que merecem ser abordadas com mais detalhes.

- Deduzir significado de palavras por meio de pistas contextuais.

- Conscientizar de que não é necessário conhecer todos os itens lexicais para ler. - Compreender o que é central e o que é detalhe em uma estrutura semântica. - Trabalhar com as estratégias de integração de uma informação a outra, o estabelecimento dos elos coesivos e a utilização de estratégias de inferência.

O aluno projeta o seu conhecimento de mundo

e a organização textual nos elementos sistêmicos

do texto.

Pós-leitura

- Planejar atividades destinadas a levar os alunos a pensar sobre o texto, emitir suas reações e avaliar, criticamente, as ideias do autor.

- Relacionar o mundo do aluno com as ideias do autor.

Esses aspectos mais críticos evidenciados nesta fase devem perpassar toda a atividade de leitura, embora pedagogicamente estejam concentrados aqui.

Conhecimento de mundo e outros, dependendo das

atividades a serem realizadas.

Em situações em que a leitura é abordada como exposto na tabela acima, ou seja, abordando os aspectos macros da linguagem e seguindo em direção aos micros, alunos conseguem compreender que o significado de um texto não está inerente às palavras que o compõem. Reconhecem que a compreensão depende, como nos mostra Bakhtin (1929), de

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A compreensão da escrita, vista dessa forma, é estritamente dependente da participação do ser humano na construção de significados, cujos conhecimentos não podem ser desprezados no processo de leitura, mas precisam se interrelacionar com o texto.

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