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Leitura e Escrita como base para a aprendizagem dos conteúdos curriculares

FALA APROXIMADA DO ENTREVISTADOR

5 LEITURA E ESCRITA NO ENSINO MÉDIO: CONCEPÇÕES E REPRESENTAÇÕES DOCENTES

5.2 Concepções sobre leitura e escrita no Ensino Médio

5.2.1 Leitura e Escrita como base para a aprendizagem dos conteúdos curriculares

A categoria que situa a necessidade da leitura e escrita para a aprendizagem dos conteúdos do Ensino Médio evidencia formas de conceber a linguagem verbal como um instrumento imprescindível para a transmissão de determinados conteúdos, conforme se verifica nos depoimentos abaixo:

[...] cabe a nós, professores, trabalhar essa questão da leitura e da

escrita também no Ensino Médio pra que se possa dar continuidade no contexto específico da série, (pausa) nos conteúdos [...] (PMF2)

A prática do professor com a leitura e escrita, bom é... (pausa) o instrumento principal né? pra gente poder desenvolver o trabalho. Então, no caso da geografia tem a parte propriamente dita de compreender os textos, tem a questão também, de entender as tabelas, os mapas, pra depois então, ah... (pausa) dar uma devolutiva né,? é, por exemplo, de responder uma questão daquilo que ele entendeu.

(PGM)

Acho que (pausa)... e eu vejo a leitura e o ensino de leitura e de escrita como um leque enorme pra todas as disciplinas, que tem diversas possibilidades... cabe ao educador ter (pausa)... dentro de si a competência pra saber como e poder fazer os alunos entender as informações. (PAM)

Nos cinco depoimentos classificados nesta categoria, está bastante clara a consideração daleitura e da escrita no Ensino Médio como meio para se desenvolver a prática pedagógica: “cabe a nós, professores, trabalhar essa questão da leitura e da escrita também no Ensino Médio pra que se possa dar continuidade no contexto específico da série” (PMF2). Trata-se de concebê-las como ferramentas para se obter conhecimentos disciplinares e se trabalhar com as informações. O interessante no depoimento de PAM, que marca uma diferença em relação ao anterior, é que este professor mostra sua consciência sobre a responsabilidade docente no desenvolvimento do trabalho com a leitura e a escrita, sugerindo que, se forem bem trabalhadas, elas podem favorecer a aprendizagem de conteúdos. É neste sentido que o fazer pedagógico promove a compreensão das ideias em diferentes áreas do conhecimento. A esse respeito, vale lembrar o postulado de Nóvoa (2011), que defende a

importância do professor adquirir competências que associem os conhecimentos específicos de uma disciplina aos conhecimentos pedagógicos, resultando na sua capacidade de transposição didática.

Os depoimentos deixam explícitas as ideias de que é preciso que as informações dos textos escolares sejam compreendidas, que a leitura e a escrita são imprescindíveis no desenvolvimento do trabalho em sala de aula. Nas palavras do professor, trata-se do “instrumento principal né? pra gente poder desenvolver o trabalho. Então, no caso da geografia tem a parte propriamente dita de compreender os textos” (PGM).

O depoimento da professora de História, em especial, chama a atenção, pois apresenta uma visão bem tradicional sobre leitura e escrita:

Olha é... eu não sei, mas... (pausa) hoje em dia eu acho particularmente que não deveria ter esse trabalho, ... eu acho que não tem porque esse estágio inicial de decifrar os símbolos, de fazer essa correspondência entre os símbolo e a ideias é... eu acho que é um processo anterior ao Ensino Médio e na verdade nós estamos fazendo isso hoje no Ensino Médio, porque eles precisam disso pra continuar, o que nos dá, sim, um tremendo de um trabalho pro professor e um trabalho que a gente não vê um resultado porque a maioria dos adolescentes tem muita dificuldade, nessa idade, de retornar a esse estágio da aprendizagem. (PHF)

A professora entende, que no Ensino Médio, o aluno já deveria saber ler e escrever, sendo superado o que ela chama de estágio inicial de “decifrar os símbolos”. No reducionismo da sua concepção, este trabalho não deveria ser responsabilidade do professor do Ensino Médio; trata-se, segundo ela, de um retrocesso, pois trabalhar com leitura e escrita é tarefa do Ensino Fundamental. Porque a professora entende a leitura e a escrita como código, ela não pensa nestas competências como um processo a longo prazo. Ao concluir o 9º ano, o aluno já deverá estar munido com a gramática, o domínio do sistema linguístico, enfim, os conhecimentos necessários para apreender os conteúdos específicos do Ensino Médio.

Há uma visão cristalizada nos depoimentos de que a língua tem uma função específica dentro da escola: servir como meio de acesso ao conhecimento das disciplinas e como recurso para demonstrar a aprendizagem. Tal postura fica evidente na fala do professor: “dar uma devolutiva, né?, é, por exemplo, de responder uma questão da daquilo que ele entendeu” (PGM). De certa forma, o depoimento remete a uma concepção que se afasta da linguagem

como uma ação entre sujeitos realizada dentro de um contexto de interação linguística. O que interessa é que o aluno seja capaz de “entender as informações” (PAM) para dar uma resposta. No caso do depoimento da professora de Matemática, a seguir, o papel instrumental da leitura aparece bem caracterizado:

Ler e escrever no Ensino Médio... (pausa) na prática é saber ler realmente para poder resolver os exercícios se não souber ler os números, ah... conseguir, em matemática mesmo os problemas no Ensino Médio é bravo, né? No Ensino Médio realmente porque já passou pelo Ensino Fundamental, já aprendeu... então, tem que colocar em prática tudo aquilo que tá sendo aprendido. (PMF1)

Para a professora, trata-se de um saber que o aluno já deveria possuir “porque passou pelo Ensino Fundamental” e agora, no Ensino Médio, é preciso colocar em prática aquilo que já adquiriu (o domínio da língua) para fins específicos (o conteúdo que está sendo aprendido), como se a leitura e a escrita pudessem se configurar como uma aprendizagem pronta e acabada.

No próximo depoimento, a professora de Matemática deixa claro que o desenvolvimento dos conteúdos disciplinares dependem da leitura e da escrita. Segundo ela, os professores não se preocupam com isto, porque pressupõem que os alunos cheguem ao Ensino Médio já com esta competência desenvolvida; eles não aceitam o ensino da escrita como sua responsabilidade:

A prática do ler e escrever no Ensino Médio... infelizmente, né? nós professores não temos essa prática..., os professores não se preocupam com essa prática. Nós acreditamos que eles, o alunos, devem chegar no Ensino Médio é... preparados, pra que eles deslanchem nos conteúdos... (PMF2)

Ao declarar que os professores esperam que os alunos cheguem ao Ensino Médio “preparados” para a aprendizagem dos conteúdos, ela pressupõe a leitura e a escrita como um pré-requisito para a aprendizagem e não como um legítimo eixo de aprendizagem. Com base neste raciocínio, ela pretende, tal como sua colega PMF1,reforçar a ideia de que a linguagem dos adolescentes deve estar pronta e a serviço da aquisição de conhecimentos.

Considerando os depoimentos apresentados, as práticas de leitura e escrita são instrumentos do trabalho pedagógico de professores que não levam em conta o seu valor na construção de sujeitos sociais, nem o caráter dinâmico da língua a partir do qual se constrói e se reconstrói a história da humanidade. Como mera ferramenta para se chegar aos conhecimentos das diferentes disciplinas das áreas curriculares, a língua afasta-se de seu valor intrínseco e seu papel fica circunscrito ao uso exclusivo dentro dos muros escolares. Assim, as práticas linguísticas aparecem desvinculadas da função social e da natureza interativa descaracterizando-se, portanto, sua conotação interacional. O discurso desses professores, afinal, parece revelar que a leitura e a escrita são práticas exclusivas da escola, sem apontar para a perspectiva de que elas sejam importantes para a vida em sociedade.