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REPRESENTAÇÕES DOCENTES NO PROCESSO DE ASSIMILAÇÃO DO CURRÍCULO

FALA APROXIMADA DO ENTREVISTADOR

7 REPRESENTAÇÕES DOCENTES NO PROCESSO DE ASSIMILAÇÃO DO CURRÍCULO

Tudo em nós está em nosso conceito do mundo; modificar o nosso conceito do mundo é modificar o mundo para nós, isto é, é modificar o mundo, pois ele nunca será, para nós, senão o que é para nós.

Fernando Pessoa

A apreensão das representações docentes sobre leitura e escrita e sobre aprendizagem por competências só foi possível a partir das respectivas concepções reveladas nas entrevistas e organizadas em categorias. Mais do que revelar tendências nos diferentes modos de apreensão das novas ideias (as diferentes concepções) e apreender representações, o mapeamento conceitual dos sujeitos desta pesquisa parece relevante para situar as configurações dos modos de assimilação do Currículo como um todo. Afinal, de que forma as diferentes representações se articulam no plano do discurso docente? Como os professores compatibilizam diferentes representações no seu processo de assimilação do Currículo?

Recuperando as informações obtidas, o objetivo do presente capítulo é apresentar uma síntese do mapa conceitual em cada sujeito e, a partir dele, analisar como as representações refletem diferentes formas de assimilação do novo modelo curricular.

O quadro abaixo sintetiza as concepções de cada professor que sustentam suas representações:

PHF: concebe a leitura e escrita como código e, no Ensino Médio, como base para a

aprendizagem dos conteúdos disciplinares; entende a aprendizagem por competências em oposição ao ensino de conteúdos, valorizando os conteúdos.

PMF2: concebe a leitura e escrita como código e como base para a aprendizagem dos

conteúdos disciplinares no Ensino Médio; entende a aprendizagem por competências em oposição ao ensino de conteúdos, valorizando os conteúdos.

PPF2: concebe a leitura e escrita como código e como preparo para o trabalho em sentido

restrito no Ensino Médio; entende a aprendizagem por competências em oposição ao ensino de conteúdos, valorizando as competências.

PQF: concebe a leitura e escrita como código e como preparo para o trabalho em sentido

restrito no Ensino Médio; e entende a aprendizagem por competências como processo de formação para a vida.

PMF1: concebe a leitura e escrita como transmissão de conteúdos e como base para a

aprendizagem dos conteúdos disciplinares no Ensino Médio; entende a aprendizagem por competências em oposição ao ensino de conteúdos, valorizando as competências.

PGM: concebe a leitura e escrita como transmissão de conteúdos e preparo para o trabalho

em sentido restrito no Ensino Médio; entende a aprendizagem por competências em oposição ao ensino de conteúdos, valorizando as competências.

PPF1: concebe a leitura e escrita como transmissão de conteúdos e como preparo para o

trabalho em sentido amplo no Ensino Médio; entende a aprendizagem por competências somente quando vinculada à prática da leitura e escrita.

PBF: concebe a leitura e escrita como transmissão de conteúdos, como base para a vida

escolar e, ao mesmo tempo, preparação para o mercado de trabalho em sentido restrito; entende a aprendizagem por competências somente quando vinculada à prática da leitura e escrita.

PAM: concebe a leitura e escrita como compreensão de mundo e como base para a

aprendizagem dos conteúdos disciplinares no Ensino Médio; entende a aprendizagem por competências como processo de formação para a vida.

PFM: concebe a leitura e escrita como compreensão de mundo, como base para a vida escolar

e, ao mesmo tempo, preparação para o mercado de trabalho em sentido restrito no Ensino Médio; entende a aprendizagem por competências em oposição ao ensino de conteúdos, valorizando as competências.

PGF: concebe a leitura e escrita como interação e preparo para o trabalho em sentido restrito

no Ensino Médio; entende a aprendizagem por competências em oposição ao ensino de conteúdos, valorizando as competências.

PMM: concebe a leitura e escrita como interação, como base para a vida escolar e, ao mesmo

tempo, preparação para o mercado de trabalho em sentido restrito no Ensino Médio; entende a aprendizagem por competências como processo de formação para a vida.

Quadro 6: Apresentação do mapa conceitual por sujeito

Com base neste mapeamento, foi possível organizar as representações dos sujeitos, sintetizadas no quadro que se segue:

Representações sobre Leitura e Escrita Representações sobre aprendizagem por competências Sujeitos da pesquisa Acesso ao saber escolar Acesso ao mercado de trabalho Compreensão de mundo Ação sobre o mundo

Dicotômica Sincrética Analítica

PHF X X PMF2 X X PPF2 X X X PQF X X X PMF1 X X PGM X X X PPF1 X X19 X PBF X X X PAM X X X PFM X X X X PGF X X X PMM X X X X

Quadro 7: Representações Docentes

O quadro comprova a complexidade dos modos de assimilação das representações docentes, evidenciando configurações mais ou menos equilibradas. Em uma perspectiva de

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Única manifestação de leitura e escrita como acesso ao trabalho, na perspectiva ampla de “mundo do trabalho”.

equilíbrio no processo de assimilação, é possível encontrar tanto sujeitos com representações igualmente elementares ou distorcidas de linguagem e aprendizagem por competências (como, por exemplo, PHF, PMF1 e PMF2), como sujeitos em processo de assimilação um pouco mais avançado nos dois aspectos analisados (como é o caso de PPF1) ou, ainda, um professor (o caso de PMM) com um grau avançado de representação, tanto em relação à linguagem como à aprendizagem por competências. As representações sobre leitura e escrita apreendidas nas manifestações deste sujeito superam o estritamente escolar, chegando a configurar a linguagem como forma de ação sobre o mundo em constante transformação. Este posicionamento ganha mais significado justamente porque está associado à ideia de que a aprendizagem por competências tem como objetivo a formação pessoal para a vida em sociedade. Pela aproximação aos princípios do Currículo, a representação analítica de PMM tende a favorecer uma implementação mais ajustada da proposta pedagógica, o que só uma pesquisa sobre a prática docente poderia comprovar.

Foi possível também encontrar processos desequilibrados de assimilação. Em primeiro lugar, o desequilíbrio interno no eixo da leitura e escrita representado pelo caso do sujeito PGF. Ao mesmo tempo em que concebe a linguagem como acesso estrito ao mercado de trabalho, ele assume a leitura e escrita no Ensino Médio na perspectiva de “ação sobre o mundo”. Assim, a linguagem é tomada, contraditoriamente, de modo reducionista e, ao mesmo tempo, emancipador.

Em segundo lugar, o desequilíbrio aparece entre os eixos, marcado por uma representação elementar de língua, e outra avançada em aprendizagem por competências, como é o caso de PQF.A este respeito, vale a pena chamar a atenção para a incongruência de seu posicionamento: como a língua, entendida como código e voltada para o exercício estrito do trabalho, poderia estar a serviço da formação de um sujeito capaz de lidar com os problemas de seu mundo, inserindo-se criticamente na esfera social?

Em face dessa diversidade no plano das representações, questiona-se sobre a viabilidade de um trabalho em equipe, desenvolvido de modo coerente no contexto da escola. Isto porque, mesmo sem considerar a prática em sala de aula, fica evidente a profusão de ideias que sustentam o fazer pedagógico e que muito possivelmente contribuem para perpetuar a falta da cultura colaborativa na unidade escolar.

O que torna tal realidade ainda mais preocupante é a predominância de concepções elementares nos dois eixos, mais especificamente, a linguagem para o acesso ao saber escolar e a aprendizagem por competências voltada para o mercado de trabalho em uma concepção

restrita, além da representação dicotômica para competências, ambas com a marca de sete entre os doze professores.

Ao situar a contradição dos objetivos escolares (as metas mais clássicas da sociedade industrial e aquilo que deveria ser a prioridade na sociedade da informação, globalização e tecnologia), Martinez (2009, p. 44) afirma:

Acredito que essa contradição não está resolvida para nós, já que em alguns momentos pensamos que, se baixarmos a guarda com relação a um modelo de escola mais enciclopédico, estaremos perdendo o rigor e a qualidade; em outros momentos, achamos que se não abordarmos novos desafios e novos problemas estaremos construindo uma escola que não se adapta à sociedade atual. Boa parte daqueles bons professores ou docentes questiona o sentido do seu trabalho escolhendo uma dessas duas posições, o que torna real a sensação de contradição – eu diria até de vulnerabilidade.

É exatamente esta a divisão que aparece no estudo de caso da escola estadual, objeto desta pesquisa.