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FALA APROXIMADA DO ENTREVISTADOR

5 LEITURA E ESCRITA NO ENSINO MÉDIO: CONCEPÇÕES E REPRESENTAÇÕES DOCENTES

5.1.4 Leitura e escrita como interação

A compreensão de um texto não depende só de sua decodificação, mas também de outros fatores, como o suporte no qual ele está inserido, o contexto de produção, o caráter ideológico que se atribui a ele e o significado que esse texto adquire para o leitor. De acordo com Bakhtin (1992), o texto é produto de uma criação ideológica; ele existe dentro de uma sociedade repleta de valores e marcas de tempo e espaço; estabelece um diálogo com o leitor, como um ato concreto de comunicação feito na interação e permite a negociação de ideias, antecipações, perguntas e respostas, promovendo a ampliação dos horizontes. É o que está sugerido nas falas apresentadas a seguir, que representam as duas manifestações classificadas nesta categoria:

Bom, primeiro assim, pra ler e escrever pra mim seria, você é... estar abstraindo alguma coisa de um texto, de uma..., ou não só sendo de um texto, uma imagem também, né? que está transmitindo uma informação e... até pegar uma crítica em cima do que você leu, do que você interpretou, você saber discernir o que você está lendo... não apenas... que tem hoje muitas crianças que leem por ler, né?e não sabem nem interpretar o que está sendo proposto para ele estar lendo, né? Então seria mais nesse caso, você ter, criar um raciocínio em cima de uma leitura, né? isso seria um ideal, um propósito melhor, acho. (PMM)

Pra mim, então quando você fala em geografia ah... ler e escrever é muito amplo, né? O aluno, saber o que ele está escrevendo, né? De que forma? Como está escrevendo, para quem está escrevendo? E realmente você ter uma leitura de mundo, antes de tudo, né?... Aproveitar o que o aluno já traz como conhecimento prévio e fazer esta leitura, realmente... (pausa) Quando a gente fala da escrita na prática, é preciso colocar dentro disso o que ele já tem de leitura de mundo pra poder ler, e escrever no mundo. Então eu acho que principalmente... (pausa) não tem como fugir, que realmente essa leitura que ele vai ter do mundo é importante, pois é como ele vai poder alterar a realidade dele. (PGF)

Como se depreende das palavras do professor de Matemática, “isso seria um ideal, um propósito melhor” para a atividade de leitura na escola no contexto de uma aprendizagem significativa, ou seja, o objetivo da leitura e da escrita na escola deve ser levar o aluno a interpretar e elaborar uma proposta de intervenção a respeito do problema apresentado, com uma argumentação coerente. Na sua concepção, a partir da leitura, é preciso preparar o aluno para compreender, de forma crítica, o que se passa à sua volta, interpretando e raciocinando.

Conforme já discutido, os estudos da linguagem como lugar de interação dos sujeitos fundamentaram uma compreensão da escrita que supera a mera transmissão de mensagens. Todo texto passa a ser construído por ambos – escritor e leitor – visto que só se efetiva no espaço criado entre eles. É este o sentido dialógico da escrita postulado por Bakhtin (1992). Para ele, o outro, aquele para quem escrevo, é sempre a medida do meu texto; por isso mesmo, a linguagem passa a ser um lugar de interação e também um modo de produção social. Nessa concepção, portanto, o texto é o lugar da interação entre os interlocutores.

Koch (2006) afirma que, em decorrência dessa postura, o texto passou a ser o objeto central do ensino. Ao priorizar as atividades de leitura e produção de textos, os professores deveriam levar o aluno a refletir sobre o funcionamento da língua nas diversas situações de interação verbal, sobre o uso dos recursos que a língua lhes oferece para a concretização de suas propostas de sentido, bem como sobre a adequação dos textos a cada situação. O sentido de um texto deve ser, portanto, construído na interação texto-sujeito e não em algo que preexista a essa interação.

Além de manifestar a compreensão de que há um leitor em interação, presente no momento da produção escrita, (“para quem está escrevendo?”), percebe-se na fala da

professora de Geografia a assunção dessa concepção no que se refere à escrita como a atividade que corresponde à tarefa de registrar o que foi planejado, incluindo a tomada de decisões de ordem lexical e de ordem sintático-semântica: “o que está escrevendo, né? de que forma? como está escrevendo?” Fica evidente a preocupação dela com o planejamento da escrita, com a escolha das palavras e das estruturas das frases, em conformidade com o planejado, com as condições concretas da situação comunicativa. Para ela, ler e escrever são habilidades para o aluno expor seus conhecimentos, seu ponto de vista, de forma reflexiva e crítica para atuar na sociedade:

Ah,... tem sim que trabalhar leitura e escrita, porque... se é uma prática, uma prática diária, contínua, né?... Quanto mais o aluno escreve, mais ele lê, mais ele adquire habilidade para,... no caso, expor seus conhecimentos, né?... Suas ideias, seu ponto de vista. Então, se essa proposta vê isso, é pra melhoria do conhecimento do aluno, né? Para que ele se torne uma pessoa, um ser criativo, pensante, crítico, atuante, na área que ele for atuar no futuro. (PGF)

Chama a atenção o modo como a professora articula o ler e escrever, situando-os como práticas que se completam na rotina de trabalho, um princípio defendido por Geraldi (2004), mas tão frequentemente esquecido pelos educadores. Além disso, o depoimento corrobora o pensamento de Kleiman (2004), ao defender a leitura como uma grande força nos contextos social, cultural, político e econômico que se abre como possibilidade de acesso a uma nova perspectiva de vida, funcionando como meio para reelaboração do conhecimento de mundo e proporcionando mudanças positivas nas condições de existência. Colello (2007, p.66,67) chama a atenção para a importância de uma prática pedagógica em que a linguagem esteja posta como instrumento de relacionamento com o mundo, bem como de sua interpretação e organização. Para a autora, tal prática, que ainda precisa se efetivar na escola, seria uma aliada no processo de aprendizagem. Nas suas palavras,

Quando se reduz o ensino da escrita a si mesma, perde-se a oportunidade de contar com o letramento como aliado do processo de aprendizagem e, (...) de trazer para a sala de aula os significados intrínsecos ao conjunto da experiência linguística: a escrita como meio de se relacionar com o mundo, de interpretar e de organizar a realidade (...)

Esta perspectiva é reforçada, quando a professora se refere ao texto como produto de uma interação:

... é tem que começar a pegar textos mais assim da realidade deles, ou, é... trabalhar uns assuntos mais do cotidiano, textos mesmo para que eles possam tentar ler e escrever algo crítico sobre eles, que eles possam usar pra rever, né? o que estão pensando, como tá a realidade deles... Algo relacionado a um diálogo, né? Entre o escrito e o lido. (PGF)

Os textos propõem um diálogo entre o autor e o leitor, porque permitem relacionar aquilo que está posto “Entre o escrito e o lido”, possibilitando a atitude responsiva do leitor (“escrever algo crítico sobre eles”), como resultado de uma reelaboração pessoal do conhecimento que se tem da realidade circundante. Ao que parece, a professora enfatiza a importância de um texto que se relacione com o cotidiano dos jovens, que seja significativo, com assuntos que lhes dizem respeito e do qual se possa extrair material para outra produção escrita, que seja a expressão de sua percepção crítica, do que se tem ainda a dizer sobre determinado assunto.

O depoimento da professora de Geografia mostra a importância atribuída a esta competência leitora e sua preocupação incide na atitude responsiva ativa. Trata-se de considerar que o objetivo da leitura é propiciar a reinterpretação da realidade, a produção de novos sentidos para os mesmos objetos que permeiam a existência humana, originando outros olhares. Dessa forma, a escrita só faz sentido em função de uma leitura crítica, capaz de motivar para outras produções escritas, um ciclo dialético que vincula o ler e o escrever (GERALDI, 2004).

Em síntese, o conjunto dos depoimentos sobre as concepções de leitura e escrita revela a predominância de compreensão da língua marcada “pela crença na imobilidade linguística, a rigidez textual e a natureza monológica da escrita representada pelo ‘preto no branco’ (o que está escrito e fixado no papel)” (COLELLO, 2010, p. 2).

Tal tendência se confirmou com as respostas obtidas em alguns casos através da segunda questão do primeiro eixo do roteiro: “Para você o que é ensinar a ler e a escrever no Ensino Médio?”