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As questões que envolviam os problemas das altas taxas de analfabetismo estavam diretamente ligadas à expansão da imprensa. Uma das restrições ao crescimento da imprensa periódica esbarrava na questão social vinculada ao analfabetismo. António Oliveira Salazar, embora não discursasse abertamente sobre o seu desejo de manter as mentes quietas, através da falta de instrução, também não agira para transformar radicalmente a questão do analfabetismo. Essas questões estavam subjacentes a seu discurso e pode-se observar esse abandono nas questões educacionais pela forma que encarara o sujeito letrado e pelas políticas que constituíam os liceus. António Oliveira Salazar via na instrução um forte componente de subversão. Isso era tão evidente, a ponto dele declarar: “Ler para quê, o português tem que levar sua vida, não ler, pois ler implica em saber o que ler, dessa forma o indivíduo pode ler o que não deve”. Refletindo essa ideologia, Maria Filomena Mónica (1977, p. 321) observa:

O facto, de em 1930, em cada 100 portugueses 70 não saberem ler chocava algumas pessoas e, simultaneamente, tranquilizava outras. Para os sectores mais progressivos da intelligentsia portuguesa, que sempre se haviam envergonhado com uma taxa tão alta, o analfabetismo era o principal obstáculo ao desenvolvimento do país. Para os salazaristas, porém, era uma virtude. Estas duas posições determinaram o modo como as causas e as soluções do problema foram encaradas. [...] os salazaristas ressuscitaram a crença nacional (para cuja divulgação durante o século XIX contribuíra, entre outros, Ramalho Ortigão) de que o povo português ‘não sentia a necessidade de aprender’. Mas os republicanos adoptaram a explicação, não menos convencional, de que o analfabetismo se devia aos padres, ‘à reles canalha da batina’.

Em posições antagônicas, mas com convicções baseadas na cultura, ambos os lados (tanto favoráveis ao governo, quanto oposicionistas ao governo) concordavam que o povo não vira vantagem prática na instrução. A relação entre a pobreza e o analfabetismo era sempre ventilada, como assevera Maria Filomena Monica (1977, p. 323), através dos inquéritos feitos aos professores: “Esta gente não tem o que vestir nem calçar, nem uma sopa para dar aos filhos, e por isso os manda com os gados lavradores ou os utiliza nos serviços domésticos”.

A questão da pobreza é um dos elementos explicativos para tamanha porcentagem de iletrados. Isso só terá uma pequena modificação quando o Estado passa a olhar com outros olhos a educação, mas isso também não faz as coisas mudarem rapidamente. Diante dessa nova perspectiva, o diário Novidades estará presente, pois há um discurso positivo que

ressalta a instrução primária para todos. Portanto, doutrinar e fazer campanha para novos leitores implicava em alfabetizar. Essa equação não era de fácil resolução, haja vista os preceitos e o pouco interesse em um povo letrado por parte da classe dirigente, mas uma tímida campanha pelo ensino reforça o papel da boa imprensa na sociedade. É o que escreve Mónica (1977, p. 326):

De facto, para alguns partidários do Estado Novo, a escola primária constituía potencialmente um excelente instrumento de controle; ou seja, nas palavras do inspetor Joaquim Tomás, podia tornar-se a mais diligente e disciplinada polícia de segurança do Estado. A repressão física não bastava para manter quietos e sossegados os pobres da cidade, pelo que o Estado tinha igualmente de se esforçar por civiliza-los. Nada mais útil as apologias desta política do que uma intentona revolucionária. A ideia da escola instrumento-de-socialização-de-crianças-selvagens vinha ao de cima cada vez que surgia qualquer atividade subversiva contra a ditadura, e até 1933 elas não faltaram. Em 1931, uma insurreição na Guiné e outra na Madeira, um sangrento 1º de maio e um levantamento militar e civil em Lisboa forneceram argumentos àqueles que defendiam a tese das potencialidades contrarrevolucionárias da escola. Nessas alturas citavam-se os exemplos da Inglaterra, da França e da Suécia para provar que a paz social podia coexistir com a alfabetização das massas.

Pela mudança de percepção acerca da instrução, a educação para o Estado Novo tomou a dimensão de controle, e mais uma vez o controle é colocado em causa. A concepção de que a escola deve instruir, sem “prejudicar” o indivíduo com conhecimentos inoportunos, dentro da ótica do Estado, tomou forma e, ao fim dessa gestação, a imprensa católica tornou a exaltar as qualidades da “boa escola”. Por isso, a pergunta reformulou-se e de “Deverá o povo aprender a ler?” passou para “Deverá o povo ler o que?”. Com esta mudança paradigmática, os Ministros da Educação Nacional de Oliveira Salazar, mudam a perspectiva da educação em Portugal, como enfatiza Monica (1977, p. 326):

Das crianças que vagueiam pela cidade, famintas, sem escolas, quase sem família, pilhando, com astúcia de ratos, sem lei nem governo, o mais necessário a existência? Cabia ao Estado Novo fazer alguma coisa para defender a sociedade deste flagelo: ‘Onde quer que virdes, no largo ou na rua, um bando de garotos, maltrapilhos ou simplesmente mal cuidados, jogando a bola de trapos, atirando pedras, jogando o murro, dependurando-se nos veículos que passam, fugindo da polícia, espreitando a esmola ou o furto, [...] aí está o perigo social’.

O perigo social alardeado pela falta de instrução, e que tinha como consequência a vadiagem, atingia, segundo algumas matérias, adultos e crianças e era recorrentemente mencionado. Fala-se do período que marca e ressignifica o indivíduo, através de alguns elementos que os colocam, como assinala Olívia Maria Gomes da Cunha (1998), na (in)diferença (SCHWARCZ, 2004, p. 785). Ao rastrear, mapear e analisar os processos de

vadiagem, a autora busca entender como o conhecimento foi usado para designar, controlar e combater os “vadios” da cidade do Rio de Janeiro. Os contraventores tinham suas vidas devassadas e passavam a integrar um rol. O que Olívia da Cunha objetiva é perceber como a memória é produzida acerca de alguns sujeitos e como pode-se pensar em uma história da criminologia e do crime, através dos sujeitos e das práticas de vadiagem.

O combate à vadiagem em Portugal assemelha-se a outros lugares que experienciaram o discurso higienista e que, em maior ou menor grau, rotulou o sujeito. A memória criada paira nos arquivos e nas matérias jornalísticas, os pobres das cidades são monitorados e, não raras vezes, vistos como o mal social, principalmente se os jogos e o alcoolismo estejam acompanhando a pobreza. O ébrio, o vadio e o malandro serão perseguidos e rechaçados sistematicamente através dos discursos médico, jurídico e religioso. O analfabetismo, como percebido, era só um dos muitos elementos de convulsão social e a imprensa mostra exatamente o ardor dos debates do período. Sobre isso Maria Filomena Monica (1977, p. 327) cita o artigo publicado em 1927, no Jornal “O Século”:

[...] Aquilino argumentava que as aldeias portuguesas formavam um conglomerado triste, selvagem, paupérrimo, que datava, não da Idade Média, mas dos tempos bárbaros. Sustentar que tal atraso resultava do analfabetismo não passava de um absurdo, pois o analfabetismo era o efeito, não a causa. ‘Para que criar um órgão’, interrogava-se, referindo-se ao ler e escrever, ‘que não tem função?’ E acrescentava: ‘No dia em que saber ler e escrever lhes seja tão útil como saber governar o arado, plantar feijões, ou até jogar o pau, nesse dia as escolas, as mais anti-higiênicas e lôbregas escolas de Portugal abarrotarão de estudantes’. E acaba com uma frase que provocou celeuma: ‘[...] em toda a aldeia que não seja servida, ao menos, macadame, a escola é vã e absurda.

O pauperismo era, reincidentemente, denunciado em artigos, editoriais, nos mais variados temas, inclusive no periodismo católico, fosse o texto sobre educação ou quaisquer questões que se quisesse tratar. Quando o crivo da censura distraía-se, alguns artigos, editoriais e notícias propagavam a situação social do povo português. Um dos vértices da grande imprensa estará, vez por outra, a publicar assuntos polêmicos, com o risco de ter seu periódico empastelado. Sob o fantasma do empastelamento, o jornalista tinha árdua tarefa e não menos dura luta, para consolidar seu ofício no país.

Diante desse caldeirão, no qual misturam-se problemas com o analfabetismo, índices bastante severos de pobreza e falta de recursos materiais, é que despontam alguns núcleos católicos. Esses grupos transformam-se em uma verdadeira elite, pequena, mas ainda assim elite, pois diante dos parcos recursos do restante da população, levavam a vantagem das letras e perfaziam grande parte do público leitor. Nessa confluência de fatores surge e ganha corpo a

imprensa periódica católica, tendo como principal expoente o Jornal Novidades, o qual fará parte dessa nova cruzada pela fé, pela educação da boa leitura e pela boa informação, que não desvirtuasse e causasse tensão na opinião pública. Informar e doutrinar será, ao fim e ao cabo, uma missão. E para isso:

O padre Benevenuto de Sousa, diretor do quinzenário católico O Petardo (1902- 1910), teve papel de relevo na promoção e organização deste apostolado no início do século XX, lançando uma cruzada em favor da boa imprensa, através da publicação de folhas soltas, distribuídas em todo o país pelos grupos operários de São José do Apostolado da Imprensa e de vários opúsculos. Na opinião dos ativistas católicos, a imprensa não é apenas um modo de combater o erro, mas é o meio mais universal, mais fácil e mais eficaz de educação, de expansão comunicativa e de sociabilidade (Cruzada a favor da boa imprensa, Lisboa 1902, p.6 Apud Neto – O Estado, p 450). A ideia perdura e faz o seu caminho com novos enquadramentos. Em maio de 1935, o Boletim da Acção Católica Portuguesa pode ler-se ainda que um dos principais fins da organização é precisamente a difusão da boa imprensa. ‘A Igreja tem que ter imprensa sua, exclusivamente sua, desde os diários que satisfaçam como órgãos de informação geral quotidiana a curiosidade do homem moderno, até as revistas gráficas, literárias, scientíficas, humorísticas e infantis, que em todos os campos sejam os adais da campanha incessante que a Igreja tem de sustentar para manter a sua visão no mundo’. (FONTES, 2000, p. 423)

Informar, sem deformar, era um dos preceitos da imprensa católica. Era por isso que, vez por outra, o matutino falava das campanhas em benefício da boa imprensa, ressaltando o desinteresse que alguns católicos tinham pelo jornal Novidades, e com isso convocavam o povo cristão a repensar o que lia:

[...] mas porque continuam a ser vítimas do velho e rançoso anticlericalismo. Chamam-lhe ‘o jornal dos padres’ e, por isso mesmo, julgam-no, só destinado a eles, embora alguns padres lhe não deem preferência. Ora a todos os membros do Povo de Deus são de lembrar, neste momento em que a Hierarquia nos convida a refletir sobre a importância que na sua missão apostólica têm os meios de comunicação social, os consequentes deveres que eles nos impõem. Só queremos hoje falar aqui da imprensa católica. Ninguém ignora que ao jornal católico, mais ainda do que a qualquer outro, embora também a este o mesmo incumba, compete informar e formar seus leitores. É certo e sabido. Informar, quer dizer, dar notícias, dizer como as coisas correm, são ou estão. Mas, ao informar, o jornal tem de servir a verdade, não pode mentir, nem informar erradamente, tem de respeitar a verdade de factos, a verdade concreta e objetiva do que se passa no mundo, como ele é e está, ou na vida da Igreja em seus vários aspectos. (NOVIDADES, 15 maio 1969)

Invocando a verdade, o artigo escrito no Editorial, sem assinatura pessoal, corrobora: É esta uma obrigação essencial a que não pode faltar. Por isso mesmo, o jornal católico, precisamente porque o é, evita, sempre a mentira, a falsidade, o erro em doutrina e em moral. Leva-o a proceder assim o direito sagrado da Verdade e o respeito pelas pessoas dos seus leitores. Outra missão que ao jornal católico incumbe é a de educar e formar. Paulo VI disse já há anos: ‘O jornal católico deve não só informar, mas formar o leitor, classificar os fatos segundo princípios superiores...,

isto é, deve servir aquela Verdade que ilumine, dirija, aperfeiçoe e santifique a alma, deve provocar no leitor um processo de entendimento que o introduza na verdade libertadora e salvadora. Já houve quem comparasse o jornal católico a um mestre, a um professor, porque ensina, orienta jovens e adultos, até responsáveis, quotidianamente, acerca de todos os acontecimentos que se vão dando ao longe ao perto’. (NOVIDADES, 15 maio 1969)

Termina a matéria com o vaticínio de Paulo VI:

O jornal católico não é um luxo supérfluo, ou uma devoção facultativa, é um instrumento necessário para se ser inserido na circulação daquelas ideias que a nossa fé alimenta e que, por sua vez, presta serviço a profissão da mesma fé. Não é permitido hoje viver sem ter pensamento, continuamente refeito e actualizado sobre a história que estamos vivendo e preparando; e não é possível ter tal pensamento alinhado sobre princípios cristãos sem o estímulo do jornal católico. (NOVIDADES, 15 maio 1969)

A cruzada pela propagação da boa imprensa também satisfaz os objetivos de António Oliveira Salazar, que, conforme descrito pelo seu biógrafo Filipe Ribeiro de Meneses (2011, passim), era um homem habitual, ou seja, via na força do hábito um caminho pródigo para a disciplina e a obediência. Oliveira Salazar deve ser analisado na sua complexidade, embora tenha dito e acreditado em coisas muito simples (o que não significa que tenha vivido coisas simples), o ambicioso líder que protagonizou e comandou um estado de exceção não se furtava a recorrer às suas origens e delas se utilizar para demonstrar que com pouco poderiam os portugueses viverem. Era uma maneira de deixar tudo no seu lugar e foi com esse tom que, pouco antes de completar sessenta anos, vaticinou: “Agradeço à providência ter nascido pobre”. Filipe Ribeiro Meneses (2011, p. 36) refere haver certo exagero nessa pobreza, pois pouco a pouco em Santa Comba Dão a família iria melhorando suas condições financeiras e dando aporte para que António Salazar chegasse à Universidade de Coimbra. No entanto, o resgate da pobreza era sempre recorrente no discurso de Oliveira Salazar, como forma de aquietar os ânimos e gerar uma certa identificação dele com o povo.

Em seus discursos, não deixou de exaltar a educação que recebera nos seminários: Pobre, filho de pobres, devo àquela casa grande parte da minha educação que de outra forma não faria; e ainda que houvesse perdido a fé em que me lá educaram, não esqueceria nunca aqueles bons padres que me sustentaram quase gratuitamente durante tantos anos, e a quem devo, além do mais, a minha formação e disciplina intelectual. (MENESES, 2011, p. 41)

A intimidade com o catolicismo e com os ideais católicos explica muitas das escolhas feitas por António Oliveira Salazar. Nunca deixou de invocar as raízes católicas e tudo que nelas continha. Especialmente a sua educação clerical fora sempre lembrada, o que deu ao

líder algumas especificidades no que concerne às suas escolhas e sua intimidade com os núcleos católicos. É importante notar que o rótulo de seminarista foi muitas vezes usado para diminuir as ações de Salazar. No entanto, Oliveira Salazar foi bastante hábil em manter os contatos que estabelecera nos seminários e desta forma empreender as mudanças que tanto queria. Queria ser visto como um reformador e para isso deixou claro que acreditava que as reformas só poderiam trazer benefícios aos portugueses e que seria de fato o salvador das finanças e de Portugal, retomando um ideal de um país católico, num verdadeiro espírito de cruzada. Do Oliveira Salazar de Santa Comba Dão ao Salazar de São Bento, há algumas mudanças, sobretudo nas esferas do poder e o que ele promove, e, nesse caso, a imprensa foi um importante ardil para Oliveira Salazar, que partilhava a ideia, comum aos clérigos jornalistas e aos padres, que o povo deveria ler coisas que edifiquem e que promovam o “bem” (MENESES, 2011, p. 36).

A 12 de abril de 1908, num artigo intitulado ‘Vergonhoso Contraste’, Salazar lamentava o fato de muitos católicos continuarem a assinar jornais republicanos, enquanto os republicanos ignoravam a imprensa católica. Acrescentava ainda Salazar: ‘A imprensa católica do país é a mais séria, a mais ponderada, a única decente e limpa, que pode entrar em todas as casas, sem ministrar a donzela incauta o veneno do romance perigoso, e sem tecer, sob atraentes formas, a apoteose a criminosos’. (MENESES, 2011, p. 42)

A oposição à imprensa republicana também dera os contornos de uma imprensa boa e de uma imprensa má e isso era patente entre alguns núcleos católicos, que atribuíam ao novo modelo governamental as mazelas sociais que a população vivia. Não obstante, esse imaginário criara a antessala do Estado Novo, ainda que em fase embrionária, pois foi em 1909, ano que antecede a implantação da república, que Salazar fala veementemente das questões relacionadas à imprensa:

Há a imprensa que edifica e há a imprensa que destrói; há a imprensa que educa e há a imprensa que perverte. Há a imprensa que moraliza e há a imprensa que bestializa; há a imprensa que discute e há a imprensa que, em vez de discutir, insulta: em vez de formar caracteres, forma assassinos [...]. Guerra sem tréguas a essa imprensa, guerra sem tréguas a esse elemento mórbido que tudo pretende aniquilar [...]. O povo é cego, o povo não vê. Ou, pelo contrário, o povo vê, mas faz-se de cego, o povo ouve, mas faz-se de surdo. Há de custar-lhe caro a cegueira; há de custar-lhe caro a surdez. (MENESES, 2011, p. 42)

Ana Campina, ao analisar a trajetória de Salazar, evidencia sua identificação católica, desde a sua entrada para o Centro Católico Português (CCP), criado em Braga em 1915, até sua ascensão como ministro das finanças em 1926. Por isso, não é estranho que tenha também

defendido a imprensa católica e tenha combatido, através da censura, textos que versassem sobre outras formas de governo e sobre outras religiões, sofrendo influências diretas das encíclicas papais, como observa Ana Campina (2015, p. 24):

Numa linha que nunca abandonou, a doutrina da Igreja, ao reclamar liberdades específicas, tal como a religiosa, António de Oliveira Salazar não qualifica os seus conteúdos, sendo disperso o resultado devido ao facto do receptor não estar desperto para a mensagem implícita. Efetivamente, Salazar reivindica a praticar a ‘verdadeira’ religião (e não todas as religiões), tal como a liberdade de transmitir a ‘verdade’ católica, o que significa uma visão que em nada se coaduna com o laicismo republicano, condenando a liberdade que não seja aquela assente na ‘verdade’, isto é, a verdade católica, e somente esta.

Ainda no campo das liberdades individuais, Ana Campina (2015, p. 24) observa: No que se refere a liberdade pessoal, para António Oliveira Salazar entende-se como aquela que assenta numa atuação entendida como correta perante o regime, isto é, em conformidade com a doutrina da Igreja. Assim, esta conceção do ‘direito à liberdade pessoal’ está na defesa incondicional do Estado confessional apoiado na defesa da ‘verdade’ e na ‘liberdade’ dos cidadãos na sua total conformidade.

Essa liberdade fora habitualmente violada. Como uma das marcas do governo de Oliveira Salazar estava baseada na discrição, pautada num autoritarismo repressivo e opressivo (CAMPINA, 2015, p. 62), a violação de direitos, sobretudo a liberdade de expressão, pairava na violação ideológica sistemática. Desse modo:

Pela manipulação ideológica, o discurso salazarista também desempenhou um papel crucial no condicionamento e controlo dos diferentes atores sociais, assumindo e exigindo instruções e orientações, cuja execução se caracterizava por ser incontestável, pois as críticas eram fortemente censuradas junto de todos aqueles que ousavam contestar ou furtar-se daquelas que eram entendidas pelo poder central como obrigações. (CAMPINA, 2015, p. 62)

A comunicação social fora uma das grandes aliadas do regime, pois não restava outra alternativa a não ser publicar os discursos de Oliveira Salazar, fato que foi decisivo para a construção de sua imagem. Para obter apoio junto à opinião pública, Salazar fez uso da palavra em tom quase aldeão, por isso também, muitas vezes chamado de provinciano. As táticas do uso da linguagem e uma identificação com as origens das aldeias criam um discurso difícil de ser combatido e contestado. Cria-se uma conformação de fatores que dificultam os demais discursos. A ideia de um nacionalismo e de uma nação uníssona também reforçaram o discurso único, não dando margem para a diversidade e muito menos para a oposição. Desta forma:

Concetual e estruturalmente, António de Oliveira Salazar desenvolvia os seus discursos com palavras simples e concisas tendo por fim a compreensão do maior número de pessoas possível, numa globalidade de conhecimentos potenciadores de interpretação, e no sentido de que as matérias mais técnicas não fosse entrave para o receptor. Importa ainda tomar nota que o seu poder estava consolidado pela manipulação política que desenvolvera junto das correntes da direita republicana e mesmo junto de setores monárquicos, e ainda com os católicos que os apoiaram