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Letramentos Acadêmicos: conceitos relevantes

No documento laurasilveirabotelho (páginas 50-55)

2 TEORIAS DE LETRAMENTO(S)

2.5 Letramentos Acadêmicos e suas especificidades

2.5.2 Letramentos Acadêmicos: conceitos relevantes

Neste tópico, definiremos Letramentos Acadêmicos sob a perspectiva dos Novos Estudos de Letramento, baseando-nos, principalmente, nos trabalhos de Street (2010a, 2010b, 2010c), Lea e Street (1998), Lillis e Scott (2007).

No artigo Academic Literacies Aproaches to Genre?, Street (2010a, p. 347) apresenta uma visão geral de abordagens para a escrita conhecida como Letramentos Acadêmicos à luz dos Novos Estudos de Letramento e aponta a importância dessas “tradições nos modos pelos quais professores dão apoio aos seus alunos no que diz respeito às exigências da escrita acadêmica”. Além disso, busca relacionar as teorias de letramentos e as teorias de gêneros.

O autor, retomando o texto de Lea e Street (1998), categoriza três principais modelos acerca do processo de ensino aprendizagem no ensino superior: “habilidades de estudo”, “socialização acadêmica” e “letramentos acadêmicos”.

No modelo “habilidades de estudo” assume-se que o letramento forma um conjunto de habilidades individuais e cognitivas que os discentes têm que adquirir para transpor ao contexto acadêmico. Os problemas de leitura e escrita, de acordo com essa abordagem, são tidos como uma espécie de patologia.

A visão de texto que se tem nesse modelo restringe-se, sobretudo, à superfície textual, cujas análises recaem acerca de questões ortográficas e gramaticais. Em outras palavras, as atividades de escrita são vistas como habilidades técnicas e instrumentais. Suas fontes teóricas são Behaviorismo27 e programas de treinamento.

No segundo modelo, “socialização acadêmica”, o docente tem o dever de inserir os alunos em uma nova cultura: a acadêmica. Embora seja mais sensível que a anterior, Street (2010a) critica esse modelo por diversas razões: trata-se a cultura acadêmica como homogênea, na qual normas e práticas devem ser aprendidas, o que garantiria aos alunos acesso ao meio acadêmico de forma plena.

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Behaviorismo “é um termo genérico para agrupar diversas e contraditórias correntes de pensamento na Psicologia que tem como unidade conceitual o comportamento, mesmo que com diferentes concepções sobre o que seja o comportamento. Os behavioristas de orientação positivista trabalham com o princípio de que a conduta dos indivíduos é observável, mensurável e controlável similarmente aos fatos e eventos nas ciências naturais e nas exatas”.

Fonte: http://www.moodle.ufba.br/mod/book/view.php?id=10910&chapterid=9872. Acesso em 19 de agosto de 2014.

Segundo o autor, esse modelo “pressupõe que os alunos precisam ser aculturados nos discursos e gêneros de disciplinas específicas, cujas características e exigências, caso sejam explicitadas aos alunos, terão como resultado o êxito destes como escritores.” (STREET, 2010c, p. 545). Além disso, nessa perspectiva, as relações de poder, tão presentes no meio acadêmico, não são problematizadas. A visão de um texto como algo transparente também é alvo de crítica de Street (2010a), pois dessa forma não entram nas discussões questões discursivas, sociais e culturais que deveriam envolver as práticas de leitura e escrita. As fontes teóricas desse modelo advêm da Psicologia Social, da Antropologia e do Construtivismo.

Por fim, o autor apresenta o modelo de “Letramentos Acadêmicos”, ligado aos Novos Estudos de Letramento e também adotado por este trabalho. Street (2010c, p. 545) advoga que os Letramentos Acadêmicos “têm por foco a construção de sentidos, identidade, poder e autoridade, e coloca em primeiro plano a natureza institucional do que „conta‟ como conhecimento em qualquer contexto acadêmico específico”.

Essa abordagem, portanto, vê o letramento como uma prática social, nesse sentido, a leitura e a escrita dos alunos são vistas nos níveis epistemológico e identitário, não como uma habilidade técnica ou possibilidade de socialização.

Assim, para Lillis e Scott (2007), em termos de epistemologia, deve haver uma mudança no modo como os pesquisadores lidam com a escrita no meio acadêmico: por ser socialmente orientada, a escrita acadêmica não deve ser considerada apenas no nível textual, mas sim como uma forma de construção de conhecimento de atores socialmente situados. Já em termos identitários, as autoras defendem uma abordagem ideológica e transformadora das práticas de escrita.

As instituições de ensino, desse modo, são tomadas como lugares constitutivos de identidades, em que se valorizam os significados sociais das práticas linguísticas. Dessa forma, há uma visão da escrita como algo contestador, inclusive das relações de poder fortemente estabelecidas na academia.

Esse modelo é semelhante ao modelo de “socialização acadêmica”, no entanto,

concebe os processos envolvidos na aquisição de usos mais apropriados e efetivos dos letramentos como sendo mais complexos, dinâmicos, com nuances diferenciadas, envolvendo tanto questões epistemológicas quanto processos sociais, incluindo as relações de poder entre as pessoas e instituições, e as identidades sociais (STREET, 2010c, p. 546)

Portanto, o modelo de Letramentos Acadêmicos apela para uma maior atenção em relação à compreensão da escrita discente e sua relação com o meio acadêmico. As bases teóricas que sustentam esses modelos são o já mencionado grupo dos Novos Estudos de Letramento, a Análise Crítica do Discurso, a Linguística Sistêmico-Funcional e a Antropologia Social.

A seguir, de modo a sintetizar os três modelos, apresentamos um quadro com as principais características:

Modelo Características

Habilidades de Estudo  Letramento como habilidade cognitiva individual;

 Dificuldades de leitura e escrita vistas como patologia;

 Foco na correção de aspectos da superfície do texto (gramática e ortografia);

 Escrita como habilidade técnica e instrumental;

 Fontes teóricas: Behaviorismo e Programas de treinamento.

Socialização Acadêmica  Objetivo: inserção do aluno no meio acadêmico;

 Cultura acadêmica vista como homogênea e linear;

 Relações de poder não problematizadas;  Texto visto como elemento transparente;  Fontes: Psicologia Social, Antropologia e

Construtivismo.

Letramentos Acadêmicos  Foco nas relações de poder, identidade e autoridade no meio acadêmico;

 Letramento como prática social: escrita vista como identidade;

 Relação entre a escrita do aluno e o meio acadêmico;

 Fontes: Novos Estudos de Letramento, Análise Crítica do Discurso, Linguística Sistêmico Funcional e Antropologia Social.

O autor, ao descrever os três modelos, tem como objetivo compreender mais profundamente a escrita dos alunos e o processo de ensino-aprendizagem no meio acadêmico. Além do mais, ressalta que não têm características estanques e exclusivas, por isso devem ser vistos de forma complementar. Até mesmo a perspectiva de Letramentos Acadêmicos tem aspectos dos outros dois modelos, ainda que seja considerada a que melhor “leva em conta a natureza da produção textual do aluno em relação às práticas institucionais, relações de poder e identidades; em resumo, consegue contemplar a complexidade da construção de sentidos, ao contrário dos outros dois modelos” (STREET, 2010c, p. 546).

Street (2010a) defende que os gêneros e modos discursivos podem variar entre as diversas áreas do conhecimento e alega que, muitas vezes, os professores não explicitam as características dos gêneros a serem trabalhados, nem revelam aos alunos os requisitos mínimos para a escrita de um determinado gênero.

Para comprovar tal afirmação, Street (2010a) descreve um estudo de caso de aplicação de abordagens de letramento acadêmico em programas que dão apoio à escrita, no Reino Unido e nos Estados Unidos.

Street (2010a) propõe aos alunos, no caso em tela, uma discussão preliminar, menos formal, para mobilizar suas representações em relação ao tema debatido nas aulas. A partir disso, o autor busca formalizar a discussão levando em conta os gêneros, a variedade linguística e o uso de recursos previstos no meio acadêmico.

Na produção de texto, além dos aspectos formais, os alunos têm orientações para observar outros pontos, que normalmente são negligenciados, como edição e revisão. Street (2010a) defende que o professor deve refletir com os alunos sobre o fato de que cada gênero atende a um objetivo específico, e é importante que eles percebam que tais objetivos podem variar de acordo com a área de atuação, o tema, o contexto; além disso, muitos gêneros são híbridos, ou seja, se mesclam uns com outros.

Uma das observações interessantes que o autor destaca dessa experiência é que os próprios professores tiveram dificuldades em compreender que o gênero varia de área ou de disciplina. Outro ponto observado pelo autor é que alunos da área da Ciência, por exemplo, tinham menos familiaridade com textos longos que alunos das Ciências Sociais. Mas estes últimos tinham dificuldades na distinção dos objetivos dos gêneros orais e dos gêneros escritos.

Assim, a partir dessa intervenção, Street (2010) levou alunos e professores a refletirem sobre suas práticas de leitura e escrita de forma diferenciada. Interessante ressaltar que em alguns casos, conforme o autor, os docentes pediam aos alunos que produzissem

textos sem explicitar as características do gênero, fato que também observamos, em alguns contextos, em nossas práticas como professores, inclusive em relação ao gênero monografia, objeto de nossa pesquisa.

Acreditamos que experiências como essas, relatadas por Street (2010a), contribuem para que professores reflitam sobre a importância de se desenvolver, com os alunos, uma conscientização dos saberes e práticas relativas ao gênero estudado em cada disciplina ou área do conhecimento, pois devemos evitar trabalhar a escrita como algo genérico, independentemente do campo de estudo ou da própria expectativa avaliativa dos professores.

A escrita não pode ser uma atividade que se encerra em si mesma, pelo contrário, deve estar claro para o produtor do texto que esta é uma prática socialmente situada, com objetivos, interlocutores e meios de circulação próprios. Portanto, escrever apenas para cumprir uma avaliação do professor faz, cada vez mais, menos sentido.

É fundamental, na concepção de Street (2010a), que a escrita seja vista “com novos olhos”, tanto em relação aos processos, quanto em relação aos seus propósitos. Esse apontamento feito pelo estudioso é muito interessante, pois as discussões sobre escrita e leitura acadêmica sempre enfocam os “problemas” relativos aos alunos. No entanto, defendemos que os professores também devem ser orientados sobre práticas de letramentos acadêmicos.

Desse modo, concordamos com Lillis e Scott (2007) quando afirmam que “os Letramentos Acadêmicos são transformadores e não normativos. A abordagem normativa abarca alguns mitos educacionais, como descreve Kress: homogeneidade dos estudantes, estabilidade de disciplinas e unidirecionalidade na relação professor-aluno” (LILLIS; SCOTT, 2008, p. 12). Esses mitos podem levar os professores a acreditarem que os alunos precisam apenas identificar as convenções acadêmicas, estabelecidas pelos membros mais experientes, para nelas se inserirem e desenvolverem, em suas escritas, quaisquer gêneros em qualquer contexto.

Nesse sentido, ao conceber o perfil dos estudantes como homogêneo, corre-se o risco de ignorar as diferentes expectativas e os diferentes letramentos que tais alunos trazem consigo. Esse efeito também pode ser percebido quando se considera a estabilidade das disciplinas/áreas de conhecimento e ignoram-se as tensões de poder nas relações entre alunos e professores.

Apesar dessas limitações, a perspectiva normativa está presente em muitas instituições de ensino superior, por isso é importante, segundo Lillis e Scott (2007), que

convenções de cada área sejam identificadas e explicitadas. Quando explicitadas aos membros menos experientes, tais convenções podem ajudar a melhorar o processo ensino- aprendizagem dos alunos, auxiliando-os a se tornarem proficientes ou especialistas em suas áreas, mas esse não é o único aspecto a ser considerado nesse processo.

Além das questões discursivas e de infraestrutura geral do texto, é fundamental levarmos em conta como as formas alternativas de construção de significados na Academia podem ser exploradas, considerando os recursos que os estudantes (escritores) trazem para este contexto como instrumentos legítimos de construção do conhecimento.

Em contraste à abordagem normativa, a perspectiva transformadora, na qual o modelo de Letramentos Acadêmicos se insere, de acordo com as autoras, preocupa-se com: a) localizar as convenções nas áreas do conhecimento para especificar e contestar como o conhecimento é tradicionalmente construído; b) evocar expectativas (se estudantes ou profissionais) sobre as formas com que tais convenções colidem com a construção de significados; c) explorar formas alternativas de construção de significados na academia, pelo menos considerar os recursos que os estudantes escritores trazem para a academia como legítimas ferramentas de construção do significado (LILLIS; SCOTT, 2007).

Em função das características acima apresentadas, percebemos a importância de um olhar de estudos de viés etnográfico com o qual se busca discutir as práticas de leitura e escrita, evidenciando as experiências vividas pelas pessoas em um contexto específico. Assim, por trás dessa busca de construção de significados e identidades no ensino superior, estão as “dimensões escondidas” e as relações de poder, definidas a seguir.

No documento laurasilveirabotelho (páginas 50-55)