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letramentos na perspectiva de projetos didáticos

No âmbito dos estudos sobre ruralidades, letramento e formação docente realizados pelo Grafho, objetivamos tematizar represen- tações de professores de escolas rurais, do ensino fundamental I, sobre as próprias práticas pedagógicas, a partir da análise inter- pretativa de nove relatos pedagógicos, tendo como campo empírico o território rural do município de Iraquara, na Chapada Diamantina, Bahia, e como coautores, docentes dos anos iniciais do ensino fun- damental, com percursos de escolarização em instituições rurais.4

Nesse sentido, inscreve-se no panorama intergeracional de inves- tigações que tomam as histórias de vida como metodologia de pes- quisa-formação, de modo que adota o ateliê biográfico rural como dispositivo de investigação-ação-formação e como política de sen- tidos (SOUZA, 2014) para a formação de professores. Apreende, assim, tempos, saberes e práticas de letramentos em escolas rurais na relação com projetos didáticos.

4 As análises aqui apresentadas sistematizam reflexões desenvolvidas por Ribeiro (2014). São coautores da pesquisa o professor Adriano Sá Teles da Silva e as professoras Ana Lúcia Oliveira Sousa, Antônia Ribeiro dos Anjos, Eliete Teles dos Santos, Ilzalúcia Vieira de Oliveira, Izalda Maria Evangelista Barauna, Janete Emília Dourado Santos, Maísa Rodrigues da Silva, Marilourdes Vieira de Oliveira, Sonia Lima, Zélia Teresa Pereira e Wilma Maria Ferreira de Souza.

As narrativas dos professores, nesse estudo, são acionadas como “[...] Representações coletivas que incorporam nos indivíduos as divisões do mundo social e estruturam os esquemas de per- cepção e de apreciação, a partir dos quais estes classificam, julgam e agem”. (CHARTIER, 1994, p. 104) Nesse sentido, a investigação inscreve-se em um campo de lutas ao modo analisado por Roger Chartier (2002, p. 17), ao afirmar que:

Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrên- cias e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e dominação. As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu domínio.

Ao definirmos os territórios rurais como campo empírico da pes- quisa, foi possível observar singularidades das lutas de representa- ções a que se refere o autor, quando já está no jogo o silenciamento como forma de apagamento dos povos rurais. Como “as represen- tações são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que a forjam” (CHARTIER, 1994, p. 17), a escuta a esses professores pode insurgir como uma pequena revolução epistemológica, ao conspirar em favor da irrupção de uma contra memória.

Esse texto sugere pensar a educação a partir do sentido e da experiência. (LARROSA, 2002) No início da pesquisa de campo, os professores recorrentemente questionavam se o que tinham para dizer era mesmo importante. Retomamos essa cena pela mirada de Larrosa (2002), que, ao debater os usos modernos da palavra “experiência”, adverte que é preciso dar-lhe certa dignidade e le- gitimidade, “Porque como vocês sabem, a experiência tem sido me- nosprezada tanto na racionalidade clássica como na racionalidade

moderna, tanto na filosofia como na ciência”5. Esse entendimento

da experiência como conhecimento inferior parece atravessar for- temente as representações de docentes de modo geral.

Não ter a palavra para falar sobre a vida, suas intercorrências, felicidades e infelicidades parece caótico. Na verdade, parece ser a falta de sentido a geradora da ausência de palavras e, sem essa ela- boração, o conhecimento do professor não poderá ser transmitido. (LARROSA, 2002) Encontramos também em Josso (2004) a defesa pela biografização que se funda pela posse da palavra para dizer da vida e inventá-la ao melhor modo, frente a possíveis projetos e visões de futuro.

A autora diferencia vivência de experiência, pois, ainda que toda experiência seja uma vivência, nem toda vivência transforma-se em experiência. Isso só acontece “a partir do momento que fazemos certo trabalho reflexivo sobre o que se passou e sobre o que foi ob- servado, percebido e sentido”. (JOSSO, 2004, p. 48) Compreende a experiência como uma vivência carregada de sentidos, nos quais se constituem os pilares para as recordações – referência que podem vir a se constituir em experiências formadoras.

Apegamo-nos ainda ao entendimento de que a narração não pode mudar os fatos, mas pode alterar interpretações e lugares ocupados pelo sujeito (PASSEGGI, 2011) para, finalmente, fundar pressupostos dessa investigação sobre representações de profes- sores alfabetizadores, mediadas por dispositivos narrativos. Esse processo de criação de uma versão sobre o próprio trabalho reali- zado na sala de aula requer interrogar as próprias representações, escolhas e não escolhas, as ambiguidades, que constituem as re- cordações-referências, as quais possuem uma dimensão objetiva e subjetiva, visível e invisível. (JOSSO, 2004)

5 “Porque, como ustedes saben, la experiencia ha sido menospreciada tanto en la racionalidad clásica como en la racionalidad moderna, tanto en la filosofía como en la ciência”. (LARROSA, 2002, p. 3)

Assumimos como pressuposto o professor como ator biográfico de sua própria vida (DELORY-MOMBERGER, 2008), a partir do mo- mento em que arrisca reinventar, construir representações sobre si, sobre o seu trabalho e sobre a sua profissão. O campo empírico dá sinais dessa confluência teórico-metodológica forjada por Larrosa (2002, Josso (2004) e Passeggi (2011), anunciada pelas vozes das professoras ao refletirem sobre como aprendem a profissão no ateliê biográfico. Janete anuncia, de pronto, que “nas turmas mul-

tisseriadas é muito difícil atender as necessidades de cada turma e o que mais nos dá segurança é a experiência adquirida com o passar do tempo”. Já Ilzalúcia afirma que “mostrar uma experiência da gente, acho que isto é muito importante, mostrar uma expe- riência que a gente fez na sala e que deu certo”. Ana, por sua vez,

corrobora com essa ideia da colega, mas acrescenta que “você com-

partilha as experiências que deram certo até certo ponto, porque às vezes uma coisa que deu certo na sala dela pode não dar na minha, mas de repente você pode adequar pra fazer dar certo na sua sala”.

Para contar essas histórias pedagógicas consubstanciadas no letramento emancipatório,6 organizamos o texto em três tempos

entrelaçados. No primeiro, “Álbuns de escolas rurais: os relatos pe- dagógicos”, caracterizamos, de modo geral, os relatos e tomamos como dimensões basilares das práticas pedagógicas, a prática edu- cativa como trabalho colaborativo, a comunidade-escola rural e projetos como tecnologias de letramento. No segundo, “Retratos de escolas rurais e tramas de letramentos”, analisamos as propostas

6 Categoria emergente da pesquisa, funda-se no conceito de emancipação (FREIRE, 1992, 1996) e no de irrupções bem sucedidas (HEBRARD, 2011) para referir-se a práticas de leitura e de escrita, no âmbito dos usos sócio culturais, que cumprem a função de aportar a construção de algum conhecimento prudente (SANTOS, 2007) na relação com experiências significativas, ao tempo em que os deslocam acadêmica e existencialmente. São práticas que se situam para além do simples fenômeno de conformação cultural. (HEBRÁRD, 2011) “De nada serve ter aprendido a ler, e ler bem, se essa capacidade não se torna o núcleo de um hábito cultural novo”. (HEBRÁRD, 2011, p. 44)

didáticas em duas entradas integradas – projetos de letramento literário e de investigação – para tematizar especificidades dos ar- ranjos didáticos, a partir da intervenção docente e das aprendiza- gens dos estudantes.

Na perspectiva do letramento emancipatório, discutimos modos como práticas pedagógicas inovadoras, no cotidiano escolar, são construídas pelos professores, a partir de projetos de letramento e redes de sociabilidade.