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percursos formativos e narrativas do cotidiano

As particularidades que emergem a partir do modo de ser e viver de um povo e/ou sujeito revelam-se principalmente nas prá- ticas cotidianas destas pessoas, pois demarcam as identidades, assim como suas práticas culturais e sociais que fazem parte do processo formativo de alunos rurais.27

Por compreender a formação como processo que envolve as experiências ao longo da vida (JOSSO, 2010), que possibilita a construção de múltiplas identidades que compõem um sujeito e enraizadas da “articulação do espaço pessoal com o espaço socia- lizado”. (CHENÉ, 2014, p. 122) As relações com o saber, assim como as construções formativas do sujeito, são também decorrentes da interação com os lugares com os quais estes dialogam cotidiana- mente, dando sentido e significado à vida, uma vez que este lugar é

27 As experiências aqui socializadas são decorrentes da pesquisa “Sou rural, sou gente, tenho identidade: cultura, cotidiano e narrativas de alunos de escola rural, contextos rurais”, a qual objetivou compreender o processo de construção de identidades culturas de alunos de contextos rurais, estando atrelada ao PPGEduC-UNEB, Campus I, e ao Grafho, responsável pelo desenvolvimento da pesquisa “Multisseriação e trabalho docente: diferenças, cotidiano escolar e ritos de passagem”, a qual conta com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), no âmbito do Edital no 028/2012 – Prática Pedagógicas Inovadoras em Escolas Públicas e do

“capaz de intervir no seu processo de aprendizagem e de formação para favorecê-lo e para orientá-lo”. (JOSSO, 2014, p. 76) Sendo po- tencializador da formação adquirida ao longo da vida, coadunamos com Dominicé que “não há formação sem modificação” (2014, p. 78), uma vez que este processo provoca no sujeito reflexões que possi- bilitam ressignificar ações cotidianas que, consequentemente, pro- movem mudanças de atitudes por potencializarem reflexões críticas sobre si, as experiências vividas, o lugar, as culturas, contribuindo para a (re)construção de novos saberes e identidades.

Neste escrito, a intenção é refletir sobre as práticas escolares cotidianas narradas por alunos no transcurso da pesquisa matriz, justificando-se pela necessidade de melhor compreensão sobre os processos formativos culturais experienciados por alunos no con- texto escolar e da vida cotidiana para além dos muros da escola. Sendo assim, faz se pertinente compreender a importância destas práticas culturais experienciadas pelos alunos no contexto escolar e suas implicações no processo de construção de identidades cul- turais destes alunos.

O reconhecimento e valorização das manifestações culturais re- velam-se de fundamental importância para a formação pessoal dos sujeitos rurais, uma vez que é função do processo educativo pro- porcionar oportunidades e condições para os alunos construírem conhecimentos que lhes possibilitem a identificação, a reflexividade/ criticidade e compreensão das culturas, especificamente as locais, como significativo elemento potencializador da construção da cida- dania, assim como das identidades culturais. Partindo deste prin- cípio, a escola no contexto das discussões culturais, tem como desafio

[...] articular igualdade e diferença, a base cultural comum e

expressões da pluralidade social e cultural, colocando em jogo, no processo educativo, as relações entre o multicultural e a educação; o cotidiano escolar e a formação de profes- sores, em razão de como se expressam a diversidade, a in- tolerância e o tratamento desigual do diferente. (GUSMÃO,

A escola apresenta-se com a responsabilidade de dialogar com as diferentes realidades e especificidades que permeiam seu uni- verso. São inúmeros os desafios com os quais se precisam dialogar para que ocorra o processo de construção de conhecimentos em meio às exigências da sociedade contemporânea. As escolas, prin- cipalmente as rurais, precisam superar os princípios hegemônicos e urbanocêntricos impregnados em seus currículos, em detrimento da construção de conhecimentos condizentes com os valores cultu- rais/locais dos alunos.

Esta realidade presente nas escolas rurais perdurou/perdura na sociedade contemporânea e, às vezes, é disfarçada por um mo- delo de currículo que se apresenta de uma forma, mas as práticas e intenções muitas vezes vão de encontro ao que é legitimado pelo modelo de currículo. A guisa de exemplo, citamos as escolas ru- rais do Território de Identidade do Sisal28, as quais em sua grande

maioria, apresentam um currículo que não condiz com as especifi- cidades locais e culturais dos alunos por serem criadas e mantidas a partir de uma lógica urbana de funcionamento e construção de conhecimentos dos alunos transpostos das escolas citadinas para as escolas rurais. Por ser uma instituição regida pelo princípio da autonomia, principalmente pedagógica, torna-se uma necessidade a escola desenvolver o papel formativo sem perder de vista o con- texto cultural no qual está imersa, pois a cultura, para Gusmão, ma- nifesta-se por acontecer a partir do processo de mediação:

A cultura e seu movimento incorpora ainda uma outra di- mensão que é seu caráter de mediação, ou seja, aquilo que faz com que as condições objetivas de vida sejam expressas

28 Abrange uma área de 21.256,50 km² e população de 582.329 habitantes, sendo a população urbana 249.167 e a população rural 333.162. (IBGE, 2010) Localizado no semiárido da Bahia, é composto 20 municípios: Araci, Barrocas, Biritinga, Candeal, Cansanção, Conceição do Coité, Ichu, Itiúba, Lamarão, Monte Santo, Queimadas, Retirolândia, São Domingos, Quijingue, Nordestina, Santaluz, Serrinha, Teofilândia, Tucano e Valente.

pelos sujeitos sociais, não pelo que de fato são e repre- sentam, mas pela forma pela qual o real é significado, perce- bido e interpretado. Cabe aos indivíduos e grupos, perceber, significar e interpretar a si mesmos em relação ao que vivem e experimentam e que, impregnam a textura social do co- tidiano, enquanto imagem, rotina e ruptura, enquanto uni- verso significante que é parte da vida vivida, pensada, sentida e concebida. (GUSMÃO, 1999, p. 46)

Para Gusmão (1999), a cultura precisa ser concebida para além do que é visível e vivido, ela adquire uma dimensão subjetiva. Estudar a cultura perpassa por compreender as representações, sentidos e significados em relação ao que é vivido e experienciado cotidiana- mente por um grupo/sujeito, assim como as concepções subjetivas em relação ao lugar no qual vivem e interagem com o mundo.

Compreendendo a cultura por este viés, é possível articulá-la ao processo de narratividade de si, pois, ao expressar as expe- riências culturais cotidianas, os sujeitos revelam suas identidades, valores e concepções de vida. Refletindo nesta perspectiva, dialo- garemos a partir de articulações entre o método (auto)biográfico, as experiências culturais e possíveis contribuições para o processo de compreensão da cultura de alunos rurais e das narrativas que evidenciam o contexto formativo experienciado e articulado ao processo de construção de identidades culturais dos alunos colaboradores.

(Auto)biografia e narrativas de si: