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Além da não sucessão das obrigações do devedor, o artigo 60, parágrafo único, da LRF, prevê a liberação de quaisquer ônus referentes ao bem objeto da alienação, isto é, a UPI.

Segundo Sílvio Venosa253, ônus, de uma maneira genérica, significa uma obrigação que sobrecarrega uma pessoa ou coisa. Trata-se de um dever ou gravame.

Sendo o ônus real uma obrigação que recai sobre determinada coisa e limita o uso e o gozo da propriedade, constitui um gravame que adere e acompanha a coisa, nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves.254 Por isso é que a LRF fez menção expressa a liberação desses gravames na hipótese de alienação de UPI em processo de recuperação judicial.

Leandro Vilarinho Borges255 refere que dentre esses ônus reais, destacam-se os direitos de garantia e as obrigações propter rem.

O direito real de garantia é que permite ao credor de uma dívida a pretensão de obter o pagamento com o valor correspondente ao próprio bem. Por isso, tem a função de garantir para o credor o recebimento da dívida, por vinculação de determinado bem a este pagamento.256 O Código Civil brasileiro estabelece o penhor, a hipoteca e a anticrese como

251 COELHO, 2016. 252 MUNHOZ, 2007.

253 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: obrigações e responsabilidade civil. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2019. 254 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil 1: esquematizado: parte geral: obrigações e contratos. 9. ed. São

Paulo: Saraiva Educação, 2019. (Coleção esquematizado). 255 BORGES, 2014.

modalidades de garantia. Já a Lei n° 4.728/1965 trata da alienação fiduciária, disciplinada no Código Civil como propriedade fiduciária, também como direito real de garantia.

Apenas para relembrar, visto que não se trata do tema principal deste trabalho, o penhor é a transferência de uma coisa móvel suscetível de alienação, feita pelo devedor ou por terceiro ao credor como garantia de um débito.257 Já a hipoteca, segundo a doutrina, é o direito real constituído a favor do credor sobre coisa imóvel ou de terceiro, sujeitando-se ao pagamento da dívida, sem tirar a coisa da posse do devedor.258

A anticrese, por sua vez, é o direito por meio do qual o credor usufrui imóvel de propriedade do devedor ou de terceiro, que servirá como pagamento da dívida.259 Por fim, a alienação fiduciária é o negócio jurídico por meio do qual o devedor transfere coisa móvel infungível ao credor como forma de garantia.260

Dentre os efeitos dos direitos de garantia, merece destaque o direito de sequela, que constitui a possibilidade do titular da garantia perseguir o bem nas mãos de quem quer que esteja, para exercer o direito de excussão, consistente na obtenção do valor do bem para pagar a dívida. Assim, quem adquire um imóvel hipotecado, por exemplo, está sujeito a perdê-lo em alienação em hasta pública para o pagamento de dívidas do titular da garantia.261

No contexto da venda de UPIs em recuperação judicial, a LRF garante a liberação de eventuais ônus que recaiam sobre os bens objetos dessa alienação.

No entanto, o artigo 50, §1º, da LRF, determina que a supressão de garantia real de bem objeto de alienação como meio de recuperação judicial somente poderá ocorrer se houver aprovação expressa do credor titular da referida garantia.262

Assim, segundo entende parte da doutrina, ainda que o artigo 60, parágrafo único, afaste os ônus reais que garantam a UPI, é necessário observar a formalidade também exigida pela LRF, qual seja, a de colher a expressa autorização do credor titular da garantia.

257 Art. 1.431 do CC/02: Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação. 258 PEREIRA, Laffayette R. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1922.

259 Art. 1.506 do CC/02: Pode o devedor ou outrem por ele, com a entrega do imóvel ao credor, ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os frutos e rendimentos.

260 Art. 1.361 do CC/02: Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

261 GONÇALVES, Carlos Roberto Direito civil 2: esquematizado: contratos em espécie, direito das coisas. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. (Coleção esquematizado).

262 Art. 50: Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: (...) § 1º Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.

É o que sustenta Jorge Lobo263, no sentido de que o ônus deverá ser substituído antes da alienação. Essa seria, segundo o autor, a melhor exegese com relação ao trecho do parágrafo único quando refere a “o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus”.

Sacramone pensa diferente e afirma que todos os ônus, independentemente de a dívida garantida estar ou não sujeita à recuperação judicial, são levantados pelos órgãos competentes, bastando para isso ofício do juízo recuperacional, ainda que a constrição tenha sido determinada por juízo diverso.

Também assim quanto às obrigações propter rem, segundo Bruno Poppa, em que não há ressalva a aplicação dos efeitos do artigo 60, parágrafo único, da LRF. Logo, quando da alienação de uma UPI nos termos deste dispositivo, as obrigações propter rem não acompanham o bem, ocasião em que o adquirente não estará obrigado a quitá-las.264

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo recentemente editou Súmula que, em linha com o que dispõe o art. 50, §1º, pacifica o entendimento que “Na recuperação judicial, a supressão da garantia ou sua substituição somente será admitida mediante aprovação expressa do titular.”265 Trata-se da súmula 61 do TJSP.

A 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob a relatoria do Desembargador Araldo Telles, ao julgar recurso suscitado contra dúvida manifestada pelo registrador imobiliário, esclareceu que deve perdurar a hipoteca que grava o imóvel integrante de UPI, ante a não concordância expressa do garantido em seu cancelamento.266

Ainda sob a relatoria do Desembargador Araldo Telles, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo afastou a possibilidade de venda de UPI que continha, entre outros bens, um imóvel alienado fiduciariamente a uma instituição bancária. Pontuou o Tribunal que referida alienação dependeria da anuência expressa do credor, no caso, como bem pondera o acórdão, do titular do bem.267

Por outro lado, o mesmo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decide que não deve subsistir a penhora que gravava imóvel vendido como parte de uma UPI, em processo de recuperação judicial.268

263 LOBO, 2009, p. 189. 264 TOLEDO; POPPA, 2012.

265 SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça. Súmula 61. Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Download/SecaoDireitoPrivado/Sumulas.pdf. Acesso em: 31 jul. 2019.

266 Agravo de Instrumento nº 2194879-80.2017.8.26.0000. 267 Agravo de Instrumento nº 2114535-78.2018.8.26.0000. 268 Agravo de Instrumento nº 2221384-11.2017.8.26.0000.

Quer parecer, portanto, que há que se fazer uma distinção entre garantia – segurança dada pelo devedor, esponte propria, ao credor – categoria em que se enquadram o aval, a fiança, a hipoteca, o penhor etc e os ônus, que são constrições oriundas de inadimplência, sem qualquer ato volitivo do devedor. Exemplos destes são as penhoras, as multas administrativas, os impostos pendentes e etc. As garantias dependeriam do credor garantido para substituição ou supressão. Os ônus cairiam por terra quando da alienação da UPI.