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Apesar de não ser o escopo do presente trabalho, algumas considerações sobre o plano se fazem necessárias, justamente por envolverem a questão da unidade produtiva isolada. O plano de recuperação judicial é tratado no art. 53, da LRF da seguinte maneira:

Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir

170 BRASIL. Lei nº 11.101, regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília, 9 de fevereiro de 2005. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 31 jul. 2019.

o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:

I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo;

II – demonstração de sua viabilidade econômica; e

III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada. Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções, observado o art. 55 desta Lei.171

Marcelo Sacramone conceitua o plano de recuperação como sendo “a proposta realizada pelo devedor aos credores para superar a crise econômico-financeira que o acomete e continuar a desenvolver a empresa com regularidade”.172

Jorge Lobo leciona que o art. 53 da LRF foi inspirado no charpter 11 do Código de Bancarrota dos Estados Unidos da América.173

Fábio Ulhoa Coelho classifica o plano de recuperação judicial como sendo “a mais importante peça do processo de recuperação judicial”.174

Extrai-se do teor do art. 53 que há que se fazer discriminação pormenorizada dos meios de recuperação. Como vimos, a alienação de ativos e, especificamente, a alienação de unidade produtiva isolada é um meio de recuperação e um meio de manutenção da atividade econômica.

Assim, a conjugação dos arts. 60 e 53 da LRF faz concluir que a unidade produtiva isolada que se pretende vender deve estar detalhadamente prevista no plano de recuperação judicial.

É dizer, no plano devem constar informações sobre a UPI em si, sobre os bens que a integrarão, os direitos que a acompanham, eventuais contratos, localização, estado, forma etc e etc, tudo de maneira pormenorizada.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, em precedente de relatoria do Desembargador Pereira Calças, negou a possibilidade de venda de UPI justamente porque referida operação não estava pormenorizada no plano.

171 BRASIL. Lei nº 11.101, regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Brasília, 9 de fevereiro de 2005. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. Acesso em: 31 jul. 2019.

172 SACRAMONE, 2018, p. 247.

173 LOBO, Jorge. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. In: TOLEDO, P. F. S; ABRÃO, C. H. (coords.). 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

174 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 11. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 227.

Ou seja, “Com efeito, tal autorização deveria se dar de maneira especializada, i.e., indicando todas as condições do negócio (preço, partes, forma e prazo de pagamento, eventuais garantias, etc.), o que não se verifica in casu, tendo em vista que o plano de recuperação limita-se a mencionar que a alienação dos bens do ativo não operacional da companhia limita-será utilizada como meio de recuperação (art. 50, XI da Lei de Recuperações e Falências).175

Outra interessante celeuma que foi submetida ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, especificamente à 32ª Câmara de Direito Privado, diz respeito à titularidade da produção de determinados bens ocorrida antes da alienação da UPI. Decidiu o Tribunal Paulista que o adquirente da UPI se sub-roga nos direitos e nos contratos e que, portanto, a ele pertence a produção. Entende-se que estava no preço, mas a discussão certamente poderia ser evitada se houvesse detalhamento da UPI.176

Um dos mais importantes efeitos da inclusão, pormenorizada, da UPI no plano de recuperação judicial é seu efeito erga omnes.

Como apontam João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli e Rodrigo Tellechea:

[...] havendo disposição de bens em conformidade com o plano de recuperação, nenhum credor da recuperanda poderá alegar eventual fraude à execução, desde que o plano tenha sido aprovado pelos credores e homologado judicialmente.177

Os autores mencionam que tais efeitos são produzidos mesmo contra aqueles não sujeitos à recuperação.

Na mesma linha, sob relatoria do Desembargador Cesar Ciampolini, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que se a respectiva cláusula não contiver descrição detalhada da UPI a ser alienada, mesmo com a homologação do plano, haverá que se ouvir o comitê de credores e obter autorização judicial para que a venda se efetive.178

No exato mesmo sentido, também a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob relatoria do Desembargador Fábio Tabosa, já decidiu:

175 Agravo de Instrumento nº 0253722-82.2011.8.26.0000, Câmara Reservada à Falência e Recuperação do Tribunal de Justiça de São Paulo.

176 Agravo de Instrumento nº 2109859-29.2014.8.26.0000, relator Desembargador Caio Marcelo Mendes de Oliveira.

177 SCALZILLI; TELLECHEA, 2016, p. 308.

Previsão genérica de alienação de bens do ativo e/ou UPI's pertencentes à recuperanda, assim como reestruturações societárias, à luz do art. 50, II, XI, da Lei nº 11.101/2005. Descabimento. Violação da exigência de discriminação pormenorizada das medidas concretamente implementadas no âmbito do plano. Art. 53, I, do mesmo diploma legal.

(omissis)

Quanto à previsão de alienação de ativos e de Unidade Produtiva Isolada, não se nega que tal medida, conforme previsão do art. 50, XI, da Lei nº 11.101/05, constitua um dos meios de recuperação judicial, desde que entretanto devidamente explicitada no plano, com indicação concreta da solução a ser adotada e das condições de realização do ato, com discriminação dos bens destinados a tal fim.

Fora daí, toda e qualquer pretensão futura de alienação ou oneração deve ser objeto de requerimento e autorização específicos, nos termos do art. 66 da Lei nº 11.101/2005, com verificação no caso concreto da utilidade do negócio para a recuperanda, preservação dos interesses dos credores e bem assim análise concreta das condições de transferência.

A mera referência genérica no plano, como feito pela recuperanda, à possibilidade de futura alienação acaba por um lado por se mostrar inócua como cláusula integrante da recuperação judicial, pela falta de objeto concreto e também por sua desnecessidade, neste caso porque a hipótese já é expressamente prevista no referido art. 66; por outro se mostra capciosa, podendo se prestar a tentativas espúrias de alienação de bens sem autorização judicial concreta, ao argumento de que aprovada a possibilidade de venda pela assembleia.

A previsão do art. 50, XI, enfim, não se materializa pela entrega de um cheque em branco à recuperanda, mas pela definição objetiva de eventuais vendas pretendidas, de modo que, não obstante não seja propriamente ilegal a previsão genérica, fica reconhecida sua ineficácia como autorização para vendas futuras.179

Em pesquisa detalhada nas bases do endereço eletrônico do Tribunal de Justiça de São Paulo encontrou-se um precedente em que o detalhamento e a especificação da UPI foram mitigados, ante a existência de cláusula genérica prevendo alienação de ativos. Mas é exceção absoluta, que só se justifica à luz das peculiaridades do caso concreto.180

Fazer constar a UPI e sua alienação no plano de recuperação, de forma pormenorizada, é, portanto, muito importante neste contexto. Mas não é o único ponto relevante, como se verá a seguir.

179 Agravo de Instrumento nº 2107342-80.2016.8.26.0000.

180 Caso Inepar. Agravo de Instrumento nº 2096613-24.2018.8.26.0000. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, relator Desembargador Azuma Nishi.