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Parte da doutrina entende que unidade produtiva isolada deve ser entendida como estabelecimento.

Marcelo Barbosa Sacramone142, por exemplo, defende que unidade produtiva isolada deve ser entendida como estabelecimento empresarial, exatamente nos termos definidos pelo artigo 1.142 do CC, ou seja, complexo de bens organizado pelos empresários para o desenvolvimento da empresa.

Nas palavras do autor, “ao referir-se à alienação das filiais ou às unidades produtivas isoladas, a redação do art. 60 utiliza conceitos juridicamente imprecisos. Ambas as expressões devem ser identificadas como estabelecimentos ou bens essenciais ao desempenho da atividade empresarial do devedor”.

Ainda conforme Sacramone, as UPIs não compreendem bens individuais ou blocos de bens, porque pela ordem de preferência do artigo 140, da LRF, a alienação de bloco de bens ocorre após a alienação de UPIs. Logo, as UPIS são mais do que ativos isolados.

Ou seja, segundo o raciocínio do referido autor, o teor do art. 140 da LRF é esclarecedor. Em outras palavras, se a Lei determina que primeiro tente-se vender os “estabelecimentos em bloco”, depois “as filiais ou as UPIs”, depois alienação “em bloco dos bens” e por fim a “alienação dos bens individualmente considerados”, é porque UPI difere de bens considerados tanto individualmente quanto em bloco.

141 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. 142 SACRAMONE, 2018.

Ainda conforme o referido autor, a alienação de bens individuais ou não operacionais, apesar de também permitir a preservação da empresa que está em processo de recuperação ou falência, não faz parte do conceito de Unidade Produtiva Isolada.

Tendo em vista que o inciso II do art. 140 da LRF prevê a venda de ‘filiais ou unidades produtivas isoladamente’, Sacramone pontua que “enquanto as filiais devem ser concebidas como estabelecimentos secundários do empresário, a Unidade Produtiva Isolada (UPI) deve ser conceituada como complexo de bens organizado pelos empresários e utilizado para o desenvolvimento da empresa, desde que possível seu destaque dos demais estabelecimentos do empresário (art. 1.142 do CC)”.

Muito importante aqui explanar com clareza a linha de raciocínio dos que entendem UPI como sinônimo de estabelecimento.

Para esta corrente doutrinária, a LRF deixa muito claro, em seu art. 66 que o devedor pode livremente alienar seus bens do ativo circulante. Quanto a estes bens, portanto, não se requer inserção no plano de recuperação, nem aprovação de credores para a venda.

Com relação aos bens e direitos que compõem o ativo permanente, o mesmo art. 66 disciplina a forma de alienação: após a distribuição do pedido de recuperação, apenas nos casos de evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o comitê de credores. Exceção a esta regra diz respeito à venda de bens do ativo permanente já prevista no plano de recuperação, conforme esclarece o mesmo dispositivo legal.

Vale esclarecer que, contabilmente, o ativo permanente é composto por bens e direitos detidos pela sociedade, mas não disponíveis à venda. São os chamados bens operacionais, que são utilizados na consecução do objeto social.143-144

Ora, desta feita, forçoso concluir, em especial para os defensores desta corrente doutrinária, que já existe forma estabelecida em Lei para a venda de ativos isolados do devedor. Não faria sentido, pois, aceitar que tais ativos fossem vendidos sob o manto de UPI, posto que para tal negócio jurídico, repita-se, já há forma prescrita em Lei.

Some-se a isto o argumento explanado anteriormente, que tem como base o art. 140 da LRF.

143 ARAÚJO, Adriana Maria Procópio de. Introdução à contabilidade. São Paulo: Atlas, 2004.

144 Na mesma linha, classificando-os como “itens que dificilmente serão transformados em dinheiro, que normalmente não são vendidos, mas são utilizados como meio de consecução dos objetivos operacionais da empresa. Poderíamos dizer que, praticamente, são itens com pouquíssima liquidez. Outra característica é que são itens utilizados pela empresa por vários anos – vida útil longa (prédios, máquinas etc.)” In: MARION, José Carlos. Contabilidade empresarial. São Paulo: Atlas, 2015, p. 42.

A questão dos ônus e gravames incidentes sobre estes ativos isolados é particularmente desafiadora para os defensores desta corrente.

Em outras palavras, não há na Lei qualquer dispositivo que libere o bem a ser alienado de eventuais ônus e gravames, ao contrário do que ocorre com a UPI.

Para esta corrente doutrinária, no entanto, a liberação dos ônus e gravames é medida que se impõe pela própria natureza da Lei.

Com efeito, Marcelo Sacramone ao comentar o art. 66 da LRF defende que:

Contudo, poderia se cogitar de o adquirente ser responsável apenas por eventuais ônus incidentes sobre o bem, porque não poderia alegar seu desconhecimento, ou pela satisfação das obrigações propter rem, como qualquer outra alienação em que o vendedor não estivesse sujeito à recuperação judicial. Entretanto, a interpretação sistemática dos diversos dispositivos da Lei n. 11.101/2005 impede essa conclusão.145

Prossegue Sacramone no raciocínio de que se a Lei isenta o adquirente dos ônus quanto a bens mais importantes como aqueles reunidos para formação de estabelecimento, com mais razão deverá ser no que toca a bens que impactam menos a atividade e em regra afetam menos as garantias dos credores em termos de recebimento.

Por outro lado, é importante externar também o raciocínio legalista. Ou seja, quando a Lei quis livrar o adquirente dos ônus que gravam o bem, ela o fez expressamente, a teor do disposto no parágrafo único do art. 60 da LRF. Ao não repetir o comando no art. 66, poder-se-ia interpretar o fato como uma opção legislativa que, portanto, conduzirpoder-se-ia à conclusão que o adquirente não está isento dos ônus.

Concordamos com a posição defendida por Sacramone a respeito. E, em adição aos argumentos reproduzidos acima, destacamos que se até mesmo em um processo de execução individual a alienação forçada do bem em regra ocorre livre de gravames, com mais razão haverá de ser no processo recuperacional.

Mas, frise-se, isto é uma construção. Nada há no corpo da Lei neste sentido. Aliás, no julgamento do agravo de instrumento 2071046-64.2013.8.26.0000, o Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a relatoria do Desembargador Ênio Zuliani, decidiu manter a penhora que recaia sobre imóvel vendido pela devedora no processo de recuperação, a despeito de tal venda ser realizada da forma mais cautelosa possível.

De toda forma, então, para os defensores desta corrente, (i) além de haver forma específica para venda de ativos isolados, (ii) tais ativos já seriam alienados sem ônus e gravames.

Não faria sentido, portanto, criar outra regra específica para isso, como aquela constante do art. 60 da LRF.

O mesmo não acontece com a venda de estabelecimentos comerciais que, como tivemos a oportunidade de analisar, implicam em sucessão de determinadas dívidas pelo adquirente.

A única razão, destarte, segundo este ponto de vista, para a criação de um instituto chamado unidade produtiva isolada seria dar ao devedor a possibilidade de vender um ou mais estabelecimentos sem que o comprador o suceda nas dívidas. Portanto, não haveria outra possibilidade que não a de enxergar UPI como sinônimo de estabelecimento.

Jorge Lobo146, por exemplo, pondera que “o art. 60 da LRE, sob a denominação ‘alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor’, regula, em verdade, o decantado ‘trespasse de estabelecimento’”.147

Na mesma linha do quanto defendido por Sacramone, Lobo afirma que a Lei usa terminologia imprecisa. Entende que, ao invés de filiais e UPIs, a Lei deveria se referir unicamente a estabelecimentos.

No mesmo sentido, Paulo Fernando Campos Salles de Toledo e Bruno Poppa148 entendem que as expressões unidades produtivas isoladas e filiais, devem ser identificadas como estabelecimentos ou bens essenciais à atividade empresarial do devedor.

Eduardo Secchi Munhoz149 refere que o legislador não adotou a melhor técnica ao empregar as expressões filiais e unidades produtivas isoladas. E melhor seria ter utilizado a palavra estabelecimento, que já possui conceito definido. Ademais, afirma que o objeto da alienação do artigo 60 da LRF não pode ser singular ou isolado, mas precisa ser um complexo de bens organizados para a exploração da atividade econômica empresarial.

Munhoz pontua que:

Por isso, a alienação de um dos elementos integrantes do estabelecimento – uma máquina, uma marca etc. – não se confunde com a alienação do estabelecimento, que envolve todo o complexo de bens organizado para o

146 LOBO, Jorge. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. In: TOLEDO, P. F. S; ABRÃO, C. H. (coords.). 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

147 Ibid., p. 186.

148 TOLEDO; POPPA, 2012. 149 MUNHOZ, 2007.

exercício da atividade. Daí se pode extrair a primeira conclusão quanto ao sentido e ao alcance de filial e unidade produtiva isolada, para o fim de afastar a sucessão tributária na alienação ocorrida em processo de recuperação judicial: o bem objeto da alienação judicial não pode ser singular ou isolado, mas é preciso que se trate de um conjunto (complexo) de bens, organizados de forma a permitir a exploração de uma determinada atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. É preciso que aos bens objeto da alienação esteja ligada uma atividade empresarial que possa continuar a ser desenvolvida, a partir da exploração desses mesmos bens, pelo arrematante. É o exercício de uma determinada atividade empresarial que une os elementos que integram o estabelecimento [...]150

Wilson Alexandre Barufaldi também trata unidade produtiva isolada como sinônimo de estabelecimento.151

Gladston Mamede trata unidade produtiva isolada como complexo organizado de bens.152 Scilio Faver defende que unidade produtiva isolada deve ser entendida como parte(s) de um estabelecimento.153

Na mesma linha, segundo Newton de Lucca e Renta Mota Maciel154, o conceito de UPI está contido na ideia de estabelecimento. Apesar de não se confundir ontologicamente com o conceito de estabelecimento, já que a UPI pode ser destacada do estabelecimento e continuar tendo valor econômico mesmo de forma isolada, melhor seria a LRF ter utilizado o termo estabelecimento, há muito tratado pela doutrina.

Há, de fato, precedentes do STJ tratando UPI como estabelecimento. Confiram-se dois deles:

AGRAVO NO CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. SOCIEDADE

EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. TRESPASSE DO

ESTABELECIMENTO. RECONHECIMENTO DE SUCESSÃO

TRIBUTÁRIA PELO JUÍZO FEDERAL. EXECUÇÃO FISCAL

PROMOVIDA CONTRA A SOCIEDADE ADQUIRENTE. DECLARADA COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DA CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. 1. Configura-se o conflito de competência quando, de um lado, está o Juízo da Recuperação Judicial, que declarou a inexistência de sucessão dos ônus e obrigações decorrentes do

trespasse do estabelecimento da sociedade recuperanda; de outro, o Juízo

Federal, que, reconhecendo a sucessão tributária, promove execução fiscal contra a sociedade adquirente. (...) 4. É do Juízo da Recuperação Judicial a

150 MUNHOZ, 2007, p. 298.

151 BARUFALDI, Wilson Alexandre. Recuperação judicial: estrutura e aplicação de seus princípios. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017.

152 MAMEDE, Gladston. Falência e recuperação de empresas. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2019. 153 FAVER, Scilio. Curso de recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2014.

154 LUCCA. Newton de; DEZEM, Renata Mota Maciel M. A venda de ativos na recuperação judicial e os reflexos no âmbito dos registros públicos. In: MENDES, Bernardo Bicalho de Alvarenga (coord.). Aspectos polêmicos

competência para definir a existência de sucessão dos ônus e obrigações, nos casos de alienação de unidade produtiva da sociedade recuperanda, inclusive quanto à responsabilidade tributária da sociedade adquirente. 5. Agravo não provido.155 (grifo nosso)

[...] O entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, após a decretação da recuperação judicial de uma empresa, o juízo responsável pelo processo de recuperação será o competente para dirimir controvérsias, inclusive as que se relacionam à alienação de

estabelecimentos, sendo tal acontecimento regido pelo art. 60, parágrafo único, da Lei nº 11.101/05108. 156 (grifo nosso)

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já chegou a descaracterizar a venda de quotas sociais como se UPI fosse, a despeito desta expressa formatação no plano de recuperação (Agravo de Instrumento nº 2029620-72.2013.8.26.0000).

Ao julgar os embargos de declaração opostos a este acórdão, o TJSP decidiu:

Nesse sentido, a referência a uma “UPI” ou ao artigo 60 da Lei 11.101 não gera os efeitos pretendidos pelo recorrente e apesar da redação conferida ao edital do leilão não ter sido das melhores, ocorreu, sem a menor dúvida, a alienação de quotas de uma sociedade limitada (ZZPSPE Empreendimentos e Participações Ltda).

A recorrente, repita-se, ao efetuar a arrematação, frente ao teor do negócio jurídico celebrado, adquiriu quotas de uma sociedade limitada e não se colocou na posição de adquirente de um estabelecimento comercial, o que implica na falta dos pressupostos para a incidência dos referidos parágrafo único do artigo 60 e inciso II do artigo 141 da Lei 11.101” (fls. 280/282). [...]

Com efeito, uma unidade produtiva se enquadra no conceito mais amplo de estabelecimento empresarial e, aqui, não ocorreu a alienação de um estabelecimento empresarial. Ocorreu, isso sim, repita-se, a alienação de quotas sociais”157

Outra questão interessante a ser discutida pela corrente doutrinária que entende UPI como sinônimo de estabelecimento é a da concorrência entre alienante e adquirente.

Em outras palavras, o art. 1.147 do Código Civil dispõe que “não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência”.158

155 Ver STJ, AgRg no CC 116036 / SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, Julgado em 12/06/2013. 156 Ver STJ, CC nº 126.152/RJ, Rel. Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, j. 11/03/2013, Dje 19/03/2013. 157Agravo de Instrumento nº 2029620-72.2013.8.26.0000.

158 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 31 jul. 2019.

Tivemos a oportunidade de analisar, no item 2.3.1, a ratio essendi do dispositivo e como ele deve ser aplicado.

Quer nos parecer que o tema não vem sendo analisado com o cuidado devido quando se trata de recuperação judicial.

Dito de outra forma, se unidade produtiva isolada deve ser entendida como sinônimo de estabelecimento, é correto afirmar que o vendedor não poderá concorrer com o comprador pelo prazo de 5 anos, salvo disposição expressa em sentido contrário? Salvo exceções, os planos de recuperação não costumam abordar o tema.

Visto, ainda, de outra maneira, se não há dispositivo específico na Lei especial, há que aplicar as normas da Lei geral.

Desta forma, segundo essa corrente doutrinária que defende que UPI é sinônimo de estabelecimento, até mesmo por cautela, deve haver previsão expressa no plano de recuperação concedendo autorização para o devedor insolvente fazer concorrência ao adquirente no que toca à atividade desenvolvida pela UPI, se esse for o caso. Caso contrário, poder-se-ia sustentar que o alienante estaria proibido de exercer a concorrência.

Poderiam alguns dizer que o estabelecimento, ao ser vendido como UPI, muda sua natureza e passa a ser compreendido apenas desta forma. E que a LRF não prevê tal vedação à concorrência. Mas observaríamos este argumento com ressalvas, posto que se elas são expressões sinônimas, devem ser tratadas da mesma forma, exceto no que a Lei as diferencia. É o caso da sucessão, mas não da não concorrência.

Estas são as principais considerações a respeito da linha doutrinária que entende UPI como sinônimo de estabelecimento empresarial.

3.2 UPI como conceito jurídico indeterminado, a significar um ou mais ativos, em