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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP. Ruy de Mello Junqueira Neto

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Academic year: 2021

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Ruy de Mello Junqueira Neto

A Unidade Produtiva Isolada – UPI

Conceito, tratamento legal e questões relacionadas

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo 2019

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A Unidade Produtiva Isolada – UPI

Conceito, tratamento legal e questões relacionadas

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Ivo Waisberg.

São Paulo 2019

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A Unidade Produtiva Isolada – UPI

Conceito, tratamento legal e questões relacionadas

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Ivo Waisberg.

Aprovado em: ___/____/____

BANCA EXAMINADORA

___________________________________

___________________________________

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Dedico este trabalho a meus pais, Sonia e Ruy, e a meu irmão, Rodrigo, por todo o apoio ao longo de tantos anos. Dedico também a minha esposa, Giuliana, por tantas renúncias em virtude de uma escolha que não fez.

(5)

Agradeço em especial ao Professor Ivo Waisberg pela orientação. Meu reconhecimento e admiração, Professor. Agradeço também a todos os que integram os quadros da PUC-SP, pelo suporte e profissionalismo. Agradeço igualmente a Priscila da Silva Rodrigues, pelas valorosas contribuições.

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O presente trabalho trata de unidade produtiva isolada (UPI), mais especificamente sobre seu conceito e contexto no âmbito da insolvência de sociedades empresárias. Ele está dividido em 7 capítulos: breves considerações sobre insolvência, breve apanhado sobre estabelecimento empresarial, conceito de unidade produtiva isolada -UPI, UPI na recuperação judicial, UPI na recuperação extrajudicial e na falência, casos concretos e conclusões. Ao analisar o tema, o trabalho procurou demonstrar que a essência da UPI está alinhada com dois dos mais importantes princípios que devem nortear o moderno tratamento da insolvência. São eles: manutenção da atividade econômica e recuperação da empresa em crise. O trabalho buscou também abordar a questão conceitual da UPI. Ou seja, qual é o conceito de UPI, o que pode ser tratado como UPI e quais são as consequências de se adotar uma ou outra corrente. Além de doutrina, o trabalho também analisa casos concretos, levantamentos estatísticos e precedentes jurisprudenciais ligados ao tema.

Palavras-chave: Unidade produtiva isolada. Conceito. Recuperação de empresas.

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This paper is about isolated productive units (UPI), specifically about its concept and context, at the insolvency of commercial companies. The study is approached in 7 sections: brief considerations upon insolvency, brief considerations about commercial establishments, concept of UPI, UPI in judicial recovery, UPI in extrajudicial recovery and in bankruptcy, cases and conclusions. By analyzing the matter, this paper aims to demonstrate that UPI’s nature is aligned with two of the most important principles that should guide the modern treatment of insolvency, namely: maintenance of economic activity and recovery of the companies in crisis. Likewise, the study aims to approach the conceptual issue. In other words, how UPI can be defined, what can be classified as UPI and which are the consequences of adopting one or another understanding. In addition of doctrine, this study analyzes concrete cases, statistics and court decisions.

Key-words: Isolated productive units. Concept. Recovery of the company in crisis.

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Figura 1 – Estrutura da operação Neo Rodas em Vinhedo, São Paulo ... 111

Figura 2 – Estrutura da operação Neo Rodas em Vinhedo, São Paulo ... 112

Figura 3 – Estrutura da operação Neo Rodas em Vinhedo, São Paulo ... 112

Figura 4 – Estrutura da operação Neo Rodas em Vinhedo, São Paulo ... 113

Figura 5 – Operação Dana ... 114

Figura 6 – Fornos de indução na Unidade de Forjaria Dana em Campinas ... 114 Tabela 1 – Lances para aquisição das UPIs da Avianca... ...123/124

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INTRODUÇÃO ... 10

1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE INSOLVÊNCIA ... 13

1.1 Contexto histórico ... 13

1.2 Evolução do princípio da preservação da atividade econômica ... 19

1.3 A preservação da empresa sob a Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 – atual Lei de Recuperação e Falência ... 20

1.4 A Unidade Produtiva Isolada (UPI) neste contexto... 22

2 BREVE APANHADO SOBRE ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL ... 27

2.1 Elementos do estabelecimento ... 29

2.2 Atributos do estabelecimento ... 33

2.3 Trespasse ... 35

2.3.1 Regras de sucessão e não concorrências ... 36

2.4 Filiais ... 42

3 CONCEITO DE UNIDADE PRODUTIVA ISOLADA - UPI ... 44

3.1 UPI como sinônimo de estabelecimento ... 46

3.2 UPI como conceito jurídico indeterminado, a significar um ou mais ativos, em conjunto ou separados, dependendo do caso concreto ... 52

4 UNIDADE PRODUTIVA ISOLADA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL ... 57

4.1 Contextualização ... 57

4.2 Plano de recuperação judicial ... 57

4.3 Aprovação do plano pelos credores ... 61

4.4 Homologação pelo Poder Judiciário ... 63

4.5 Procedimento e modalidades de alienação ... 67

4.5.1 Leilão por lances orais ... 68

4.5.2 Propostas fechadas ... 69

4.5.3 Pregão ... 70

4.6 A não sucessão das obrigações do devedor pelo adquirente da UPI, na recuperação judicial... ... 71

4.6.1 Obrigações tributárias ... 73

4.6.2 Obrigações trabalhistas ... 75

4.7 Liberação dos ônus ... 79

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5.2 UPI na recuperação extrajudicial ... .98 5.2.1 O problema da sucessão ... .99 5.3 UPI na falência ... .101 6 CASOS CONCRETOS ... 103 6.1 Caso Sifco ... 103 6.2 Caso Tonon ... 115 6.3 Caso Avianca ... 119 6.4 Caso Unialco ... 124 7 CONCLUSÕES ... 128 REFERÊNCIAS ... 130

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a unidade produtiva isolada no âmbito do Direito Comercial e, mais especificamente, no contexto da insolvência de sociedades empresárias. De forma ainda mais detalhada, o trabalho busca responder às seguintes questões: (i) qual o conceito de unidade produtiva isolada, (ii) o que pode ser classificado como unidade produtiva isolada e (iii) quais são as consequências de se adotar uma ou outra corrente.

Para atingir tal desiderato, traçou-se primeiramente um histórico contextual da insolvência.

O Direito, em especial em países de tradição romano-germânica, sempre foi muito severo com empresários e sociedades insolventes. Nos primórdios, eram comuns penas corporais e sevícias contra aqueles que não honravam suas obrigações pecuniárias.

Houve inegavelmente evolução das civilizações no particular. Mas, mesmo após o banimento das penas físicas, os ordenamentos continuaram bastante rigorosos com relação aos insolventes. É o que vê, por exemplo, do Código Comercial Brasileiro, de 1850 e do Decreto-Lei que o substituiu no que diz respeito à regulação das quebras, o Decreto-Decreto-Lei 7.661, de 21 de junho de 1945.

Com a modernização das relações comerciais, evoluiu também o Direito da Insolvência. Passou a ficar claro que, além de a ninguém interessar a insolvência do empresário e da empresa, era preciso encontrar soluções, proposições e saídas, muito mais do que punições. Em outras palavras, o pensamento moderno passou a defender a importância da manutenção da atividade mercantil e da sociedade empresária. O Direito passou a tutelar a perspectiva de que a empresa gera empregos, paga tributos, gera renda, auxilia no fomento da pesquisa, da tecnologia, da saúde, da educação, do transporte, entre tantas outras relevantíssimas funções e, assim, deve ser preservada em prol de interesses maiores.

Muito mais importante do que punir é encontrar meios de manter a atividade econômica funcionando, bem como de possibilitar o soerguimento das sociedades em crise.

Evidentemente, há que se coibir os abusos e as violações à Lei. Há também um limite no que tange aos sacrifícios a serem aceitos pelos credores. E, de igual maneira, há que se pavimentar normas e diretrizes para estes sacrifícios.

É sempre bom lembrar, contudo, que empresários e empresas de boa-fé também passam por momentos de crise. É do risco do negócio. Pode acontecer por erro, aos quais todos se sujeitam, bem como por circunstâncias alheias e imprevisíveis, como crises externas, vulnerabilidade de determinado setor da economia em virtude de questões específicas etc.

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Em linha com esse pensamento, o legislador brasileiro tratou de atualizar o ordenamento e editou a Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que ficou conhecida como Lei de Recuperações e Falência.

Uma das principais novidades da Lei 11.101 de 2005, trazida justamente com o escopo de fornecer soluções à empresa em crise, foi a unidade produtiva isolada.

O cenário anterior à Lei 11.101/2005 no que toca à compra de ativos do devedor era incerto. Não havia dispositivos que garantissem ao comprador a não sucessão das dívidas.

Por conta disso, poucos negócios eram realizados, o que prejudicava credores, sociedade devedora e o próprio fomento da atividade econômica em si.

Buscando solução para este problema, como mencionado, previu-se na novel legislação a possibilidade de o devedor criar uma unidade produtiva isolada, submeter tal ponto à aprovação de seus credores e, havendo aprovação dos credores e homologação do Judiciário, vender a UPI sem que o adquirente o suceda nas dívidas relacionadas.

O instituto pode ser considerado um dos mais modernos e revolucionário em termos de Direito Comercial dos últimos anos.

Do ponto de vista da manutenção da atividade econômica, deve-se levar em conta que se determinada sociedade empresária já não é mais capaz de conduzir uma parcela de seus negócios, melhor será que outra sociedade o faça. Dito de outra maneira, se uma empresa saudável comprar a UPI, há grandes chances de ela manter empregos, renda, obrigação de pagar impostos e todos os demais vínculos da cadeia econômica.

Haverá, claro, uma redução operacional na sociedade em crise, mas o enxugamento é praticamente uma regra entre aqueles que pretendem se reerguer.

Ainda sob o ponto de vista do soerguimento, muito importante levar em conta a dificuldade que a empresa em crise tem para obter financiamento e, claro, para gerar caixa. Desta forma, uma das soluções mais viáveis para obtenção de novos recursos é justamente a venda de ativos e, agora, a venda de UPI.

Evidentemente que se houver risco de sucessão quanto às dívidas da empresa em crise, haverá poucos ou nenhum interessado na compra. Por isso, segurança jurídica e regramento claro andam lado a lado com o sucesso do instituto.

O êxito da ferramenta nas atuais recuperações é comprovado por levantamento jurimétrico, abordado neste trabalho, que aponta que boa parte dos planos de recuperação judicial prevê a venda de alguma unidade produtiva isolada.

Ocorre que a Lei não define o que é UPI. Um dos aspectos primordiais a que esse trabalho se propõe, portanto, é a abordagem conceitual do tema. Como se verá, parte da doutrina

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defende que UPI nada mais é do que estabelecimento comercial. Outra parte defende que UPI é conceito indeterminado e que sua definição deverá ser dada no caso concreto.

Levando em conta que parte da doutrina trata UPI como sinônimo de estabelecimento, seria impossível evoluir no trabalho sem fazer algum apanhado, ainda que breve, sobre este conceito secular. O capítulo 2, então, é destinado a abordar estabelecimento empresarial e temas relacionados, como o contrato de trespasse.

Feito o apanhado sobre estabelecimento e sobre algumas questões essenciais de insolvência, pode-se tratar do conceito de UPI. A isso se propõe o capítulo 3.

Como não poderia deixar de ser, há consequências distintas adotando-se uma ou outra corrente no que toca à definição de UPI. Este trabalho também se propõe a adentrar no tema.

O capítulo 4 trata de unidade produtiva isolada no âmbito da recuperação judicial. Apesar de unidade produtiva isolada ser por essência uma ferramenta utilizada na recuperação judicial da empresa em crise, a Lei não veda sua utilização no âmbito da recuperação extrajudicial e da falência. Disso trata o capítulo 5.

Alguns dos casos concretos de empresas relevantes que venderam UPIs para se reerguer foram tratados no capítulo 6.

Neste capítulo 6 foram estudados alguns casos emblemáticos. Levantou-se o nome da empresa, seu objeto social, a razão da crise, alguns dados econômicos relacionados àquela atividade, a forma que unidade produtiva isolada foi abordada no plano de recuperação, o que deliberaram os credores a respeito, a decisão homologatória, o ato de aquisição e, finalmente, quando o caso, o funcionamento daquela unidade produtiva isolada nas mãos do adquirente.

Além da bibliografia pertinente e do estudo estatístico mencionado acima, o presente trabalho aborda algumas das mais importantes decisões judiciais a respeito do tema.

Para que a leitura ficasse mais agradável e o precedente fosse inserido no seu respectivo contexto, optou-se por mencionar cada decisão na parte do trabalho em que o respectivo tema está sendo desenvolvido, ao invés de se abrir um capítulo próprio colacionando precedentes diversos.

Evidentemente, o presente trabalho não tem, e nem poderia ter, a pretensão de esgotar o tema.

O intuito do presente estudo, portanto, é apenas lançar luzes nos temas importantes que circundam a unidade produtiva isolada, fazendo-o com análise da Lei, com doutrina, jurisprudência, estatística e estudo de casos concretos.

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1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE INSOLVÊNCIA

1.1 Contexto histórico

A história do comércio é quase tão antiga quanto a história da própria humanidade. Na fase primitiva da vida em sociedade, os homens produziam para o próprio consumo e não detinham todos os bens para satisfação das suas necessidades. Assim, realizavam trocas de mercadorias entre si, sem qualquer equivalência de valor, na chamada economia de escambo.

A mera troca de mercadorias era também insuficiente para o bom desenvolvimento das civilizações, justamente em razão da impossibilidade de se medir o correspondente valor, bem como pelo fato de serem perecíveis, inviabilizando trocas mais longínquas, bem como o acúmulo de riqueza.1

Surge então a moeda como denominador comum de valor e a economia de escambo dá lugar à economia de mercado.

Na economia de mercado, o produtor não mais troca sua mercadoria por outra(s), mas a produz para vender, adquirindo moeda, para aplicar como capital no próximo ciclo de produção.

Com a evolução da economia de mercado, surge a necessidade de criar regras para as relações comerciais.

Rubens Requião refere que o Direito Comercial surgiu na Idade Média. No Código de Manu, na Índia, onde os historiadores encontraram diversas normas de natureza comercial, assim como nos institutos de direito comercial marítimo herdados pelos romanos dos fenícios, denominados Lex Rhodia de Iactu e Foenus Nauticum. Não se pode perder de vista também o Código do Rei Hammurabi, a primeira codificação de leis comerciais.2

Começa então a nascer o que viria a ser de fato um regime jurídico específico para as relações mercantis, principalmente em razão do fortalecimento do comércio marítimo.

Nesse contexto, os usos e costumes da prática do comércio eram a base do direito comercial e em suas determinações não havia participação do Estado.

1 BANCO CENTRAL DO BRASIL. Museu de Valores do Banco Central. Origem e evolução do dinheiro.

Disponível em:

https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/legado?url=https:%2F%2Fwww.bcb.gov.br%2Fhtms%2Forigevol.a sp. Acesso em: 01 jul. 2019.

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A tendência de codificação vai tomando corpo e em 1804 e 1808, respectivamente, são criados o Código Civil e o Código Comercial da França, surgindo a teoria dos atos do comércio, adotada pelo Brasil no Código Comercial de 1850.

Em razão da insuficiência da teoria dos atos do comércio, que se evidencia essencialmente após a Revolução Industrial, surge outro critério identificador da incidência do direito comercial, a saber, a teoria da empresa.3

Trata-se da superação do critério da mercantilidade e adoção do critério da empresarialidade para delimitar o âmbito da legislação comercial.4

Em razão da teoria da empresa, o Direito Comercial deixa de regular apenas determinadas relações jurídicas definidas em lei como comerciais e passa a cuidar de quaisquer atividades econômicas que sejam exercidas de forma profissional e destinadas a produzir ou fazer circular bens ou serviços.5 Conforme refere Waldirio Bulgarelli6, a matéria comercial passa a ser definida pela atividade, saindo do âmbito exclusivo do comerciante e do ato do comércio.

Em que pese o direito comercial brasileiro tenha se filiado à teoria francesa dos atos do comércio, após a publicação do Código Italiano de 1942, a jurisprudência dos Tribunais do Brasil começa a aplicar o conceito de teoria da empresa nas relações jurídicas.7

Como menciona Fábio Ulhoa Coelho8, nesse período, as decisões dos juízes já concediam a concordata preventiva9 aos pecuaristas e o direito à renovação compulsória dos contratos de aluguel para prestadores de serviços.10

O Código de Defesa do Consumidor, de 1990, reconhece a figura do fornecedor, independentemente da atividade que exerce, sinal de que a legislação brasileira já se adequava àquela realidade econômica.

3 COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. 4 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de direito empresarial: o novo regime jurídico-empresarial brasileiro.

4. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Jus Podivm; São Paulo: Método, 2010. 5 Ibid.

6 BULGARELLI, Waldirio. Direito Comercial. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

7 O Superior Tribunal de Justiça já vinha reconhecendo a negociação imobiliária e a prestação de serviços como atividades comerciais. Conforme REsp 777074/MG, Rel. Min. José Delgado, DJ 05/12/2005, e REsp 110962/MG, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 12/08/2002.

8 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 20. ed. rev. atul. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. v. 1.

9 Antigo benefício legal concedido ao comerciante insolvente, disciplinado pelo Decreto-Lei nº 7.661/1945, e revogado pela Lei nº 11.101/2015.

10 A Lei n° 8.245/1991 dispõe sobre a locação predial urbana e garantia a renovação compulsória do contrato de locação apenas aos que exerciam atividade comercial.

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Finalmente, o Código Civil Brasileiro de 2002 revoga a primeira parte do Código Comercial de 1850 e unificou a segunda parte. A Lei Civil Brasileira passou a tratar, no Livro II, Título I, do Direito da Empresa.

Adotou-se, pois, a teoria da empresa para determinar que o empresário é aquele que pratica atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços.11

Haroldo Verçosa pondera que as sociedades empresárias devem ser constituídas para o exercício da atividade própria de empresário.12

Em virtude da consolidação do critério da empresarialidade, a questão da insolvência ganha substancial relevância por reconhecer que não abrange apenas dois polos de uma relação comercial. Mas, em verdade, a questão da insolvência não nasce aí. Ao contrário, sua origem remete ao Império Romano.

Com efeito, em Roma a execução do devedor tinha caráter pessoal. O devedor podia ser vendido como escravo ou até mesmo ser morto como forma de solver suas dívidas ou punir o insolvente, o que se vê por exemplo na Lei das XII Tábuas, de 450 a.C.

A falência era considerada um delito grave, punida com penas rigorosas. Conforme descreve Manoel Justino:

[...] Estabelecem-se aí os primeiros delineamentos do direito falimentar, estendendo-se a falência tanto ao devedor comercial, quanto ao devedor civil, sendo o falido coberto de infâmia, tido como fraudador, réprobo social, sujeito a severas medidas penais, além da perda total de seu patrimônio.13

Muito se evoluiu na Europa após o período romano, mas descabe entrar em detalhes por não ser objeto do presente trabalho. Basta dizer que a despeito de tal evolução, a insolvência da empresa e do empresário continuou a ser tratada com muito rigor pelos ordenamentos.

No Brasil, as Ordenações Filipinas de 1603 foram o primeiro diploma a mencionar a falência do comerciante. Contudo, somente com a edição do Código Comercial Brasileiro de 1850, a falência foi de fato tratada pelo ordenamento pátrio.

Mas, como se dizia, em virtude da consolidação do critério da empresarialidade, a questão da insolvência da empresa ganha substancial relevância.

A insolvência hoje é entendida por muitos como o estado em que o devedor empresário não tem condições de saldar seus compromissos, podendo comprometer a vida

11 Art. 966, CC/2002.

12 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. 13 BEZERRA FILHO, M. J. Nova lei de recuperação e falências comentada. 5. ed. São Paulo: Revista dos

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financeira de outras empresas.14 Trata-se de pressuposto objetivo para a abertura de um procedimento de execução concursal, conforme refere Nelson Abrão.15

Para Fábio Ulhoa Coelho16, a crise da empresa pode ser econômica, financeira e/ou patrimonial, conforme o problema se encontre no âmbito dos negócios realizados pela empresa, em sua liquidez ou na insuficiência de bens no ativo para fazerem frente ao passivo, respectivamente.

Parte da doutrina comercialista17 aponta a existência de quatro sistemas de caracterização da insolvência empresarial, quais sejam: (i) estado patrimonial deficitário, (ii) cessação de pagamentos, (iii) impontualidade e (iv) atos enumerados em Lei.18

No sistema do estado patrimonial deficitário, a insolvência caracteriza-se pela insuficiência do ativo do devedor para satisfazer o seu passivo. Trata-se da demonstração de insolvência real do devedor, baseada na sua efetiva insuficiência econômica.

Para Rubens Requião19, a comprovação de tal situação deficitária do devedor torna-se na prática extremamente difícil, na medida em que o credor precisaria demonstrar contabilmente que o ativo do devedor é inferior a seu passivo.

Já segundo o sistema da cessação de pagamentos, o devedor se torna insolvente quando deixa de pagar suas dívidas, dando a entender que não teria condições de adimplir suas obrigações. Note-se que ao contrário do sistema anterior, em que a insolvência do devedor é real, aqui ela é presumida.

Este sistema foi adotado pelo Código Comercial Brasileiro de 1850 que, em seu artigo 797, estabelecia que o comerciante que cessasse seus pagamentos se entendia falido.20 No entanto, conforme refere Sérgio Campinho21, por se tratar de um critério de fato, este sistema gerava muitas incertezas, pois a sua definição ficava a cargo das decisões judiciais.

14 BARBOSA, Helio de Oliveira. A falência e a insolvência civil. In: SANTOS, Theophilo de Azevedo (coord.).

Novos estudos de Direito Comercial em homenagem a Celso Barbi Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

15 ABRÃO, Nelson. Curso de Direito Falimentar. 5. ed. rev. e atul. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 1997.

16 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 15. ed. rev. atul. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. v. 3.

17 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. São Paulo: Saraiva, 1988. v. 1.

18 Sérgio Campinho inclui ainda o sistema da incapacidade de pagar, no qual determinados fatos demonstram que o devedor não tem capacidade de pagar as suas dívidas. É muito semelhante ao sistema de cessação de pagamentos. In: CAMPINHO, Sérgio. Curso de Direito Comercial: falência e recuperação de empresa. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

19 REQUIÃO, loc cit.

20 Art. 797, da Lei n° 556/1850: “Todo o comerciante que cessa os seus pagamentos, entende-se quebrado ou falido”.

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Por sua vez, no sistema da impontualidade injustificada, ocorre a insolvência do devedor quando ele não paga uma determinada obrigação líquida no prazo de vencimento. Neste sistema, a insolvência também é presumida, mas basta o não pagamento de apenas uma dívida, não se exigindo a inadimplência reiterada.

Por fim, no sistema da enumeração legal, fica caracterizada a insolvência quando o devedor pratica determinados atos previstos de forma taxativa na legislação falimentar. Trata-se de atos de falência, que uma vez praticados fazem presumir que o devedor Trata-se encontra em estado de insolvência.

Nesse contexto, o direito brasileiro adotou um sistema misto para a caracterização da insolvência, contendo desde a vigência Decreto-Lei n. 7.661/45, elementos da impontualidade e dos atos de falência como caracterizadores do estado de insolvabilidade.22

Fábio Ulhoa Coelho23 esclarece que a insolvência como pressuposto do processo de execução concursal não deve ser entendida no sentido econômico, o que significa dizer que não é o real estado de insuficiência de bens do devedor para pagar seu passivo que caracteriza a insolvência.

Com efeito, a insolvência empresarial deve ser compreendida no conceito jurídico insculpido na Lei falimentar. E o que a LRF exige para que o devedor possa se submeter ao processo de execução concursal é a insolvência jurídica ou presumida.24

Assim sendo, a legislação brasileira presume a insolvência econômica do devedor de forma absoluta, mediante as hipóteses legais de impontualidade injustificada, execução frustrada e a prática de atos de falência.25

A impontualidade injustificada está prevista no artigo 94, I, da LRF, que estabelece a possibilidade da decretação de falência do devedor que “sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência”.

Nesta hipótese, será considerado insolvente o devedor que não paga, injustificadamente, obrigação líquida documentada em título executivo protestado e de valor superior a 40 (quarenta) salários mínimos, pouco importando se o devedor tem ativos suficientes para saldar suas dívidas. Trata-se, pois, de presunção legal absoluta.

22 REQUIÃO, 1988.

23 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 3. 24 Ibid.

25 SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

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Já o sistema de enumeração legal como caracterizador da insolvência é adotado no direito falimentar brasileiro quando a LRF estabelece em seu artigo 94, II e III, determinados atos que, ao serem praticados pelo devedor, fazem presumir a sua insolvência.

Segundo Marcelo Barbosa Sacramone26, é desnecessária a demonstração de intenção do devedor em prejudicar seus credores com a prática de quaisquer dos atos falimentares. Portanto, a verificação da insolvência nesse caso é feita objetivamente.

Este é um brevíssimo apanhado sobre questões atinentes à insolvência, importante para que se possa ter uma ideia fidedigna da origem, da evolução e de quais são os problemas que levaram o Direito Brasileiro a propor alternativas ao insolvente e seus credores, notadamente a alternativa que é objeto deste trabalho.

Como se dizia, o Código Comercial Brasileiro de 1850 regulava a insolvência como sinônimo de falência e adotava a linha de severidade, imputando uma série de consequências, inclusive na esfera criminal, ao insolvente. O Código Comercial não regulava a hipótese de o devedor alienar seus ativos parcialmente visando o soerguimento e eram poucas as transações realizadas, em virtude do receio de sucessão.

Assim também a legislação esparsa e o Decreto-Lei 7.661, de 21 de junho de 1945, então conhecida como Lei de Falências.

A Lei de Falência de 1945 dá os primeiros passos no sentido de imaginar saídas para a sociedade insolvente e traz ao ordenamento brasileiro a novidade da concordata.

A concordata passa a ser prevista como uma forma de tentar diminuir o tamanho da dívida e prolongar o prazo de pagamento. Sobre a concordata, Ruben Ramalho pondera:

[...] notadamente após o advento do Decreto-Lei n. 7.661/45, adquiriu um sentido bem peculiar. Não é acordo. Ideia totalmente superada. É uma forma legal de prorrogação de prazo ou de redução da dívida, com o objetivo de superar o estado de pré-insolvência do devedor [...]27

Havia no ordenamento a concordata preventiva e a suspensiva, que se diferenciavam por serem requeridas em Juízo antes ou depois da declaração da falência, respectivamente (art. 139 do Decreto).

Tanto a concordata preventiva quanto a suspensiva podiam ser de três modalidades: (i) moratória ou dilatória, por meio da qual o devedor propunha apenas uma prorrogação de

26 SACRAMONE, 2018.

27 RAMALHO, Ruben. Curso teórico e prático de falência e concordatas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 267.

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prazo para adimplemento de suas obrigações, (ii) remissória, por meio da qual se pedia um abatimento do valor total da dívida ou (iii) mista, isto, é, a conjugação das duas modalidades anteriores, no que resultava um abatimento da dívida e prolongamento de prazo. Como não poderia deixar de ser, esta terceira era a mais usual.28

A legislação de 1945 passou a ficar defasada na medida em que as relações comerciais foram evoluindo. Apesar de disciplinar e nortear uma forma de superação da crise pela sociedade insolvente (concordata), fato é que tal saída tornou-se insuficiente e quase que obsoleta. De fato, o mero abatimento da dívida e de juros, bem como o prolongamento da dívida, não resolvem questões básicas da insolvência tais dificuldades de fluxo de caixa, enxugamento das atividades, formas de reorganização da própria atividade empresarial e etc.

A experiência mostrava que poucas sociedades insolventes conseguiam de fato se recuperar sob a égide do ordenamento jurídico pátrio de então.

1.2 Evolução do princípio da preservação da atividade econômica

Como tivemos a oportunidade de observar nos tópicos anteriores, a insolvência do comerciante no Brasil foi tratada, desde 1850, essencialmente sob o prisma punitivo e arrecadatório.

Em outras palavras, a legislação preocupava-se em organizar o procedimento falimentar, punir os responsáveis, disciplinar os efeitos das obrigações que de alguma maneira envolviam o falido e os efeitos da própria decretação de quebra.

Após 1945, como vimos, a legislação ainda cuidou de estruturar a benesse legal chamada concordata, que nada mais era que prolongação de vencimento e redução de juros e principal.

Muito fácil concluir, sob esta ótica, que quase nenhuma chance havia para a empresa insolvente.

Dito de outra maneira, se a sociedade estava insolvente, eram enormes as chances de vir a ser liquidada, extinguindo-se com isso a correspondente atividade empresarial por ela exercida.

A evolução do pensamento jurídico, aliada à realidade negocial, trouxe um novo viés para a questão da insolvência.

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Ora, é notório que o exercício da atividade empresária através de sociedades comerciais tem sido ao longo dos anos um dos mais eficientes instrumentos de fomento à evolução humana.

As empresas, em regra, geram empregos e renda, pagam impostos, contribuem para a evolução de técnicas diversas, fomentam a pesquisa e a tecnologia, entre tantos outros aspectos relevantes.

Portanto, o mero viés arrecadatório e punitivo, com parcial pagamento aos credores e extinção da sociedade e da atividade econômica correspondente, já não trazia mais respostas adequadas sob as perspectivas social e econômica.

Nesse sentido, Fabio Ulhoa Coelho esclarece sobre o princípio da preservação da empresa:

[...] Quando se assenta, juridicamente, o princípio da preservação da empresa, o que se tem em mira é a proteção da atividade econômica, como objeto de direito cuja existência e desenvolvimento interessam não somente ao empresário, ou aos sócios da sociedade empresária, mas a um conjunto bem maior de sujeitos.29

Assim, o Direito começou a enfrentar o problema da insolvência sob este prisma, antes completamente estranho à legislação pátria, de proporcionar condições de recuperação, de soerguimento e, essencialmente, de manutenção da atividade empresária como fonte geradora de uma série de benefícios que atingem toda a coletividade.

1.3 A preservação da empresa sob a Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 – atual Lei de Recuperação e Falência

O primeiro passo dado rumo à transformação do paradigma então vigente foi a constatação de que o sistema anterior não dava mais respostas adequadas aos problemas que se apresentavam.

O legislador pátrio passou então a trabalhar em um novo projeto, que culminou com a promulgação da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 e que trouxe muitas novidades a respeito do tratamento da insolvência.

A exposição de motivos já revela que o legislador estava atento aos problemas e adotou a linha do raciocínio de que a atividade empresarial precisava ser preservada e que o

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ordenamento jurídico precisava trazer condições de soerguimento, de manutenção do ciclo virtuoso da economia, muito mais do que o racional liquidatório que prevalecia até então.30

Em seu parecer sobre o então Projeto de Lei, o Senador Tamez Tebet destacou a preservação da empresa como um dos princípios fundamentais da Lei n° 11.101/2005. In verbis:

[...] Preservação da empresa: em razão de sua função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento social do País. Além disso, a extinção da empresa provoca a perda do agregado

30 Confiram-se alguns importantes trechos: 3. Com as transformações econômico-sociais ocorridas no País, a legislação falimentar não mais atende aos reclamos da sociedade, fazendo-se necessária a edição de nova lei, mais ágil e moderna.

(...)

5. Antes as evidentes deficiências do texto legal que rege a matéria, optou a Comissão por apresentar um diploma que substituísse o mencionado Decreto-lei nº 7.661, de 1945, por absolutamente desatualizado e onde foram inseridas alterações superficiais paralelamente a leis esparsas - prática assaz condenada pela boa técnica legislativa.

(...)

9. Assim sendo, a proposta legislativa mencionada visa a, primordialmente, proteger credores e devedores, salvaguardando, também a empresa.

10. Pelo anteprojeto ficam sujeitas à falência, reservada tradicionalmente aos comerciantes, as pessoas jurídicas de natureza civil e o devedor individual que explorem atividade econômica, este quando o faça em nome próprio e de forma organizada com a finalidade de produzir bens ou serviços para o mercado.

O campo de aplicação da lei de falência sofre outra ampliação ao atingir a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica nos termos do dispositivo constitucional que as sujeita ao regime jurídico próprio das empresas privadas.

A intervenção do Ministério Público concentra-se na reabilitação civil do falido e na verificação da existência dos crimes falimentares. Será ouvido antes da prelação de decisões em que estiver presente o interesse público. 11. Adota-se a recuperação da empresa em substituição à concordata suspensiva, com a finalidade de proteger o interesse da economia nacional, e aos trabalhadores na manutenção dos seus empregos.

No caso da recuperação da empresa, deverão ser feitos o plano de saneamento e de solução do passivo, bem como ser elaborada a demonstração da viabilidade da execução do primeiro.

12. Valoriza-se a concordata mediante a simplificação do seu procedimento, prazo mais dilatado de pagamento aos credores, redução de despesas com as publicações obrigatórias, sobrestamento das execuções por dívidas não sujeitas aos seus efeitos, após a avaliação dos bens do devedor, e impossibilidade de instauração de novos processos. Entretanto, se o devedor deixar de cumprir pontualmente as obrigações decorrentes da concordata as execuções terão prosseguimento e novas ações poderão ser movidas por credores não compreendidos na concordata.

13. As questões surgidas na falência na recuperação da empresa e na concordata serão decididas em tempo hábil, aplicando-se normas semelhantes às do procedimento sumaríssimo.

14. De acordo com o princípio da unidade do Juízo falimentar, todos os créditos devem ser verificados da mesma forma, ainda que tenham preferência. Excetuam-se os créditos trabalhistas e tributários anteriores à decretação da falência, cujo valor de apurará respectivamente na Justiça do Trabalho e no órgão dotado de competência para esse fim.

15. No que se refere aos efeitos da falência sobre as relações jurídicas existentes na data da sua decretação, as novas disposições procuram atender a evolução do direito em matéria obrigacional. Por outro lado, atribui-se ao Juiz a tarefa de decidir, por analogia, os assuntos não regulados expressamente, tendo em consideração os princípios da unidade e universalidade do concurso e do tratamento paritário dos credores.

16. A venda dos bens será feita em leilão por forma que obedeça a uma ordem de preferência, podendo ser adotada mais de uma, ou autorizada pelo juiz, oura, que seja considerada mais conveniente aos interesses das falências. Pela ordem de preferência, vendem-se: a) empresa como unidade; b) os bens em bloco; c) unitariamente, em todos os casos após a avaliação por perito nomeado pelo Juiz (...). In: CÂMARA DOS DEPUTADOS. Legislação Informatizada - Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Exposição de Motivos. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2005/lei-11101-9-fevereiro-2005-535663-exposicaodemotivos-150148-pl.html. Acesso em: 4 jul. 2019.

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econômico representado pelos chamados intangíveis, como nome, ponto comercial, reputação, marcas, clientela, rede de fornecedores, know-how, treinamento, perspectiva de lucro futuro, entre outros.31

Corroborando todo o exposto até aqui, o art. 47 da já Lei de Recuperação de Empresas e Falência dispõe:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.32

Como afirma Sheila Cerezetti33, a preservação da empresa significa o respeito aos variados interesses abrangidos pela atividade empresarial, refletido nas regras procedimentais da recuperação judicial. Trata-se de princípio criado para a tutela desses interesses.

A Lei, então, se propôs a dar ferramentas, condições e instrumentos para a superação da situação de crise, com o escopo de manter a atividade econômica, a preservação da empresa, sua função social e todo o ciclo virtuoso disto decorrente.

1.4 A Unidade Produtiva Isolada (UPI) neste contexto

A ideia de unidade produtiva isolada nasce com a Lei 11.101/2005. Não havia no ordenamento pátrio anterior à mencionada Lei qualquer figura análoga à ideia atinente ao bojo de unidade produtiva isolada.

Tendo como norte a preservação da atividade econômica e a superação da situação de crise da empresa, a novel legislação previu a possibilidade de se criarem unidades produtivas isoladas para venda a terceiros, possibilitando a estes terceiros a compra sem o risco de sucederem a empresa em dificuldade nas suas respectivas dívidas.

É o que dispõe o artigo 60, da LRF. Verbis:

31 Parecer nº 534 da Comissão de Assuntos Econômicos, sobre o PLC n° 71, de 2003, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência de devedores pessoas físicas e jurídicas que exerçam atividade econômica regida pelas leis comerciais, e dá outras providências, Brasília, 2004. In: MACHADO, R. A. (coord.).

Comentários à nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas: doutrina e prática: Lei 11.101 de

09/02/2005 e LC 118 de 09/02/2005. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 362. 32 Art. 47 da LRF.

33 CEREZETTI, Sheila Christina Neder. A recuperação judicial de sociedade por ações: o princípio da preservação da empresa na Lei de Recuperação e Falência. São Paulo: Malheiros, 2012.

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Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei.34

Ou seja, com vistas à preservação da atividade econômica é possível a venda de unidades produtivas, passando o adquirente a desenvolver, sob sua responsabilidade, a atividade empresária que era desenvolvida pela sociedade empresária em crise, através dos elementos constantes daquela unidade produtiva.

Como transcrito, a LRF previu também a não sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, o que viabiliza a venda e a correspondente obtenção de recursos para o pagamento das dívidas da empresa em crise.

Além disso, a transmissão das unidades produtivas para terceiro com capacidade de continuar desenvolvendo a atividade traz melhores perspectivas de manutenção dos empregos, pagamento de tributos e geração de riqueza para os envolvidos no processo de recuperação.35

Tal medida não era prevista no modelo anterior. A própria venda de ativo já era praticamente impossibilitada, tendo em vista os riscos envolvidos. Com isso, dificilmente mantinham-se empregos e pagamento de tributos, como bem aponta Eduardo Munhoz.36

Percebe então a novel legislação que se a sociedade empresária que originalmente exercia determinada atividade não mais tem condições de fazê-lo, é melhor que outra o faça.

Ademais, a alienação de ativos agregados em unidade produtiva traz receita e alívio ao caixa da pessoa jurídica em crise. E esse é um dos pontos mais sensíveis para o soerguimento, especialmente diante da dificuldade de se obter crédito quando a situação de insolvência é iminente.

Como menciona Bruno Poppa:

Se a quebra de confiança com o empresário que esteve à testa dos negócios quando da instauração da crise econômico-financeira for ao ponto de inviabilizar a continuidade da empresa, a cessão dessa base instrumental a um terceiro, um novo empresário, pode ser uma solução adequada para manutenção da atividade empresarial, pois ele poderá desenvolvê-la sem o estigma que acompanhava o antigo titular do estabelecimento – e às vezes, isso pode bastar para dar um sopro de vida ao negócio. Além disso, um novo

34 Art. 60 da LRF.

35 MUNHOZ, Eduardo Secchi. [Sem título]. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro; PITOMBO, Sérgio A. de Moraes (coords.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

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empresário pode promover uma gestão mais eficiente que a antiga, ter interesses econômicos (como, por exemplo, sinergia com outros negócios, ganhos de escala ou outras questões estratégicas) que gerem um retorno superior ao que seria atingido nas mãos do empresário original, ou, simplesmente, ter a capacidade de injetar recursos necessários à reestruturação da operação – coisa que o antigo, geralmente, já perdeu.37

Para se ter uma ideia da importância que tomou o instituto, vale dizer que, segundo levantamento jurimétrico realizado em parceria entre a Associação Brasileira de Jurimetria e o Núcleo de Estudos de Processos de Insolvência - NEPI da PUC-SP38, no Estado de São Paulo cerca de 10,3% do total das recuperações tinham previsão de venda de UPI.

Após a criação das Varas Especializadas este número, na Capital do Estado chegou ao menos a 35,5% dos planos de recuperação. Ou seja, dentre todos os processos de recuperação distribuídos na Comarca da Capital de São Paulo entre 01/09/2013 a 30/06/2016, ao menos 35,5% tinham a previsão de venda de unidades produtivas isoladas, nos termos do artigo 60 da Lei 11.101/2005.39

Conforme defendem Ivo Waisberg, Marcelo Barbosa Sacramone, Marcelo Guedes Nunes e Fernando Corrêa, autores do mencionado estudo, a importância da UPI na realidade brasileira da insolvência ocorre essencialmente por dois motivos: regra de não sucessão e dificuldade de financiamento.

De fato, como teremos a oportunidade de detalhar neste trabalho, a regra da não sucessão traz segurança ao investidor, atrai interessados e faz com que o preço da UPI suba, beneficiando assim empresa em crise e os credores. Tal regra, portanto, contribui decisivamente para a manutenção da atividade econômica e para o soerguimento da sociedade em dificuldade. Igualmente, no Brasil há notória escassez de crédito e financiamento às sociedades em crise, de modo que a venda de unidade produtiva isolada para se fazer caixa vem sendo um dos instrumentos mais utilizados de defesa financeira, como mostra o estudo em tela.

37 TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; POPPA, Bruno. UPI e estabelecimento: uma visão crítica. In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; SATIRO, Francisco (coords.). Direito de empresas em crise.

Problemas e soluções. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 273.

38 WAISBERG, Ivo; SACRAMONE, Marcelo Barbosa; NUNES, Marcelo Guedes; CORRÊA, Fernando. Recuperação Judicial no estado de São Paulo - 2ª Fase do Observatório de Insolvência. Disponível em https://abj.org.br/wp-content/uploads/2019/04/Recuperacao_Judicial_no_Estado_de_Sao_Pa.pdf. Acesso em: 18 set. 2019.

39 O estudo apontou, também, que a venda de ativos em geral, fora as UPIs, está prevista em 53,2% dos planos. Novamente aqui se vê claramente a inviabilidade de soerguimento apenas por fluxo de caixa, dado que os ativos em regra são alienados para amortização de dívida. De novo surge claro o problema do sistema ineficiente de financiamento, pois tais vendas, assim como das UPIs, podem ser usadas para gerar caixa para a atividade.

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Aliás, há situações em que a constituição e venda da UPI são o ponto mais importante da recuperação judicial. Um dos exemplos concretos é a recuperação judicial de um conhecido grupo de cosméticos. Conforme relata o Desembargador Hamid Bdine ao julgar o agravo de instrumento nº 2159975-68.2016.8.26.0000, referido “Plano que tem seu principal pilar na constituição de Unidade Produtiva Isolada para valorização e posterior alienação”.40

Vale dizer que o art. 60 da LRF foi submetido a controle concentrado de constitucionalidade, por meio de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) movida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). O relator da ação foi o Ministro Ricardo Lewandowski, que destacou em seu voto:

[...] o referido processo (falimentar, nele compreendido a recuperação das empresas em dificuldades) tem em mira não somente contribuir para que a empresa vergastada por uma crise econômica ou financeira possa superá-la, eventualmente, mas também busca preservar, o mais possível, os vínculos trabalhistas e a cadeia de fornecedores com os quais ela aguarda verdadeira relação simbiótica.41

O voto do relator prevaleceu e a constitucionalidade do artigo foi reconhecida pelo STF.

Desta forma, é correto afirmar que a venda de unidade produtiva isolada vem ao encontro de dois princípios fundamentais ao moderno Direito da Insolvência, a saber, a manutenção da atividade econômica e o soerguimento da empresa em crise.

E que, como tivemos a oportunidade de mencionar, não havia, até a entrada em vigor da Lei 11.101/2005, qualquer proteção efetiva a quem se interessasse por comprar um bem pertencente a sociedade insolvente.

Desta forma, correto afirmar que havia poucos negócios envolvendo tais bens, posto que o risco ao comprador era muito alto. Todos saiam prejudicados nesta realidade. A sociedade devedora, porque não conseguia fazer caixa. Os credores da sociedade insolvente, porque os recursos que deixavam de entrar no caixa em última análise servir-lhes-ia como forma de pagamento. E sofriam a própria atividade econômica em si e o ciclo virtuoso da economia.

40 No mesmo sentido, entre outros, Agravo de Instrumento nº 2114535-78.2018.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Estado de São Paulo, relator Desembargador Araldo Telles e Agravo de Instrumento nº2012991-86.2014.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Estado de São Paulo, relator Desembargador Francisco Loureiro. Íntegras em: www.tjsp.jus.br.

41 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.934-2/DF. Requerente: Partido Democrático Trabalhista. Requerido: Congresso Nacional. Relator: Min. Ricardo Lewandowski, 27 de maio de 2009. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI3934RL.pdf. Acesso em: 4 jul. 2019.

(27)

Pensando em equacionar este problema, como mencionado, a LRF criou o instituto da UPI. Mas não o definiu. Criou-se, então, uma celeuma, que será abordada em detalhes mais adiante, a respeito do conceito de UPI.

Parte da doutrina e da jurisprudência passou a defender que UPI nada mais era do que estabelecimento comercial. Outra parte passou a sustentar que se tratava de conceito jurídico indeterminado e que, portanto, sua conceituação era mais ampla. Tudo isso será abordado em detalhes a seguir.

Como consequência lógica, para que este debate possa ser entendido em sua plenitude, mister se faz abordar o conceito de estabelecimento, bem como demais questões relacionadas a este secular instituto de Direito Comercial.

(28)

2 BREVE APANHADO SOBRE ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

Cediço que a atividade empresarial depende, além da capacidade do empresário,

dos serviços correlatos e dos bens colocados à disposição da produção.

Da alocação dos bens destinados à atividade empresária de forma organizada decorre o conceito de estabelecimento.

Em outras palavras, o efetivo exercício da atividade empresarial em regra depende de uma série de bens. Esses bens alocados de forma estratégica e reunidos de maneira planejada formam um conceito muito mais valioso do que a somatória deles de maneira desorganizada.

Dito de outra forma: imaginemos que em uma sala qualquer tenhamos forno, massa, fermento, facas etc, colocados cada um em seu canto de forma isolada. Será que a somatória do valor desses bens é a mesma do que se estivessem eles organizados de forma estratégica e organizada para o exercício da empresa? Valerão, em outras palavras, o mesmo que uma padaria funcionando? Certamente não. A organização desses bens em estabelecimento gera uma mais valia.

Essa reunião de bens, organizados de forma estratégica para o exercício da empresa, forma o que o Direito convencionou chamar de estabelecimento, também conhecido pelas expressões fundo de comércio ou azienda.42

Nesse sentido, o art. 1.142 do Código Civil Brasileiro define estabelecimento como todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

Rubens Requião é da opinião que:

O estabelecimento comercial pertence à categoria dos bens móveis, transcendendo às unidades de coisas que o compõem e são mantidas unidas pela destinação que lhes dá o empresário, formando em decorrência dessa unidade um patrimônio comercial, que deve ser classificado como incorpóreo. O estabelecimento comercial constitui, a nosso sentir, um bem incorpóreo, formado por um complexo de bens que não se fundem, mas mantém unitariamente sua individualidade própria.43

Nesse sentido, o estabelecimento comercial foi conceituado pela doutrina brasileira como o complexo de bens (lato sensu), incluindo também os serviços, organizado pelo empresário ou sociedade empresária para o exercício da atividade empresarial.

42 FARIA, Luiz Alberto Gurgel. O restabelecimento do alienante após a transferência do estabelecimento. Revista

do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 23, p. 111-126, ago./nov. 1998.

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O estabelecimento comercial, portanto, representa a projeção patrimonial da empresa, conforme refere Oscar Barreto Filho.44

Com efeito, o conceito de estabelecimento é interligado ao conceito de empresa, na medida em que o exercício da atividade econômica pressupõe um complexo de bens como objeto de trabalho.

Nesse sentido, Barreto Filho esclarece que o estabelecimento existe em função da atividade empresária, representando o organismo técnico-econômico pelo qual o empresário organiza os fatores de produção da empresa.

Assim sendo, o autor defende que o estabelecimento comercial deve ser definido como uma universalidade de fato.

Ressalta o autor que para que pudesse ser considerado universidade de direito, seria necessário entender o estabelecimento como patrimônio do empresário. No entanto, a relação entre o empresário e o estabelecimento comercial é de titularidade e não de propriedade. Com efeito, o empresário não precisa ser proprietário de todos os bens que compõe o estabelecimento para que este possa utilizá-los na atividade econômica.45

Ademais, ainda segundo Oscar Barreto Filho46, o estabelecimento não poderia ser definido como universalidade de direito em razão de três características: 1º) o estabelecimento é o centro de organização da atividade produtora e como tal, em existência real, e não apenas fictícia; 2°) o estabelecimento é criado pela vontade do homem e só depois é reconhecido pela lei como bem unitário; 3°) o estabelecimento é constituído unicamente de bens, materiais ou imateriais, constituindo, portanto, somente o ativo do titular.

Sendo um complexo de bens organizados pelo empresário para o exercício da empresa, isto é, da atividade empresária, a doutrina majoritária entende que o estabelecimento comercial tem natureza jurídica de universalidade de fato.47-48-49-50-51-52-53

44 BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial: fundo de comércio ou fazenda mercantil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988.

45 Ibid. 46 Ibid.

47 ROCCO, Alfredo. Princípios de direito comercial. Tradução: Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN, 2003.

48 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. 49 CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 50 CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 13.

51 BARRETO FILHO, 1988.

52 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2001. v. 15. 53 FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1962. v. 6.

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O art. 90 do Código Civil Brasileiro define universalidade de fato como pluralidade de bens que, pertencentes à mesma pessoa, tenha destinação unitária.

Nesse sentido, vale destacar a lição de Luiz Alberto Gurgel de Faria:

Não se pode, pois, confundir a azienda com uma universitas juris, como alguns já defenderam, tendo em vista que esta apenas se constitui, no direito brasileiro, por força de lei, como acontece com a herança, a massa falida etc. No estabelecimento comercial falta essa característica do surgimento por determinação legal, motivo pelo qual ele se insere no âmbito das universitas facti, assim como ocorre com o rebanho, a biblioteca, dentre outros, cujas unidades são reunidas pela vontade de seu proprietário, formando um todo, de modo a alcançar uma finalidade predefinida.54

Trata-se, pois, de uma universalidade de fato, constituída de bens e serviços destinados ao exercício da atividade empresária, alocados, nesta universalidade, de modo organizado e estratégico, o que faz com que valham mais desta forma do que somados individualmente.

2.1 Elementos do estabelecimento

Importante tratar também dos elementos que compõem o estabelecimento empresarial.

A doutrina os divide em bens corpóreos e incorpóreos.55 Bens corpóreos também são chamados de materiais ou tangíveis e são aqueles que podem ser tocados, ou melhor, que ocupam espaço. Assim, dentro de um estabelecimento podem estar bens corpóreos, como mercadorias, máquinas e móveis.56

De acordo com Fran Martins57, as mercadorias são as coisas móveis que o empresário adquire para revender. Já as máquinas e demais móveis como estantes, armários e mobiliário em geral, são os acessórios que integram o fundo de comércio e, na hipótese de alienação, figuram também como patrimônio do empresário.

Ainda sobre bens corpóreos, há divergência sobre a possibilidade de o estabelecimento compreender também os bens imóveis. Como se sabe, o imóvel é um dos bens

54 FARIA, Luiz Alberto Gurgel. O restabelecimento do alienante após a transferência do estabelecimento. Revista

do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 23, p. 111-126, ago./nov. 1998, p. 113.

55 REQUIÃO, 2014.

56 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. v. 1.

57 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa, empresários e sociedades. 42. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

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utilizados pelo empresário para desenvolver a atividade empresarial, razão pela qual poderia ser também ser considerado parte integrante do estabelecimento.

A teoria mais aceita hoje parece ser a de que os imóveis compõem sim o estabelecimento, posto que este tem natureza de universalidade de fato, por isso, pode compreender tanto bens móveis quanto imóveis. Tanto assim que os terrenos, edifícios e construções fazem parte dos estabelecimentos industriais, assim como as lojas e depósitos, dos estabelecimentos destinados ao comércio.58

Assim, todos os bens corpóreos reunidos e utilizados pelo empresário para o exercício da atividade econômica são considerados elementos do estabelecimento empresarial. Quanto aos imóveis, porém, importante a ressalva feita por Marlon Tomazete59, segundo o qual o imóvel deve ser de propriedade do empresário para constituir elemento do estabelecimento. Caso contrário, se o imóvel for locado, apenas o direito de uso do imóvel integrará o estabelecimento.

Em outras palavras, o imóvel somente pode ser considerado bem corpóreo se for próprio do empresário, ocasião em que também será tratado como elemento do estabelecimento. Se for de terceiro, tratar-se-á de mero direito de uso, bem incorpóreo portanto.60

Quanto aos bens incorpóreos que compõem o estabelecimento empresarial, sabe-se que são os que não podem ser tocados, tem existência abstrata e representam direitos.

Nessa categoria, há o ponto empresarial, as garantias legais ao uso do imóvel empresarial, o nome empresarial, o título de estabelecimento, as patentes de invenção, as marcas registradas e os nomes de domínio.

O ponto empresarial, (também chamado casa do comércio ou estabelecimento) é o local físico que o empresário escolhe para expor suas mercadorias ao público, e em geral, onde realizará suas vendas.

Hoje, o ponto empresarial vem dividindo importância com o ponto virtual, posto que há diversas operações que permitem aos consumidores comprarem os mais diversos produtos através da internet.61

Já as garantias legais ao uso do imóvel empresarial compreendem tanto o direito do locatário empresário de pedir a renovação do contrato de locação comercial, quando forem

58 BARRETO FILHO, 1988. 59 TOMAZETTE, op cit.

60 LUCCA, Newton de; DOMINGUES, Alessandra de Azevedo. Análise crítica da evolução do estabelecimento empresarial. In: FINKELSTEIN, M. E. R.; PROENÇA, J. M. M. (coords.). Direito societário: tipos societários. São Paulo: Saraiva, 2009.

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preenchidas as exigências legais, bem como o direito a indenização caso o contrato não seja renovado, conforme a Lei nº 8.245/91.

Nesse sentido, a referida Lei permite a renovação da locação quando o contrato for escrito e com prazo determinado de 5 (cinco) anos, no mínimo, ou a soma dos prazos ininterruptos seja desse período, e que o locatário esteja explorando a atividade no mesmo ramo pelo prazo mínimo e interrupto de 3 (três) anos.62 Ademais, o direito a renovação se estende aos cessionários e sucessores do empresário63, e o pedido de renovação deve ser feito dentro de um ano há seis meses, antes de terminar o contrato de locação que se pretende renovar.64

Quanto ao nome empresarial, Frans Martins assevera que “é por meio dele que o empresário se identifica e assume as obrigações atinentes a sua empresa”.65 Esse nome empresarial pode ser chamado de firma ou denominação. Nas sociedades de responsabilidade ilimitada, adota-se a firma, formada pelos nomes dos sócios, enquanto nas sociedades limitadas, fala-se me denominação ou fantasia, seguida da espécie de sociedade, como sociedade limitada, sociedade anônima etc. Ademais, o empresário individual, como tem responsabilidade ilimitada, faz uso de firma composta por seu nome.

Segundo o autor, a distinção serve para dar ciência aos terceiros sobre a responsabilidade dos sócios nas sociedades. Destaca-se, também, que a firma e a denominação devem ser inscritas e arquivados na Junta Comercial, sob pena de se utilizar o nome empresarial irregularmente, ocasião em que não haverá garantia do emprego exclusivo do nome.66

O título de estabelecimento é um acessório do nome empresarial. Trata-se de um termo ou expressão que identifica a atividade empresarial do estabelecimento, como “Empório das Bonecas”, ou “A cachaça Mineira”. Serve para aumentar a identificação da pessoa jurídica, além da firma ou denominação.67

Atualmente, o nome empresarial e o título de estabelecimento são protegidos pela legislação brasileira. Nesse sentido, o uso indevido de título de estabelecimento ou nome

62 Art. 51: Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente: I - o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado; II - o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos; III - o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.

63 Art. 51, §1º: O direito assegurado neste artigo poderá ser exercido pelos cessionários ou sucessores da locação; no caso de sublocação total do imóvel, o direito a renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário. 64 Art. 51, §5º: Do direito a renovação decai aquele que não propuser a ação no interregno de um ano, no máximo,

até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor. 65 MARTINS, op cit., p. 347.

66 Não pode haver nomes empresariais idênticos, conforme estabelece o artigo 1.163, do CC, bem como o artigo 3º, §2º da Lei nº 6.404/76 (Lei das SA).

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empresarial de terceiro, configura crime de concorrência desleal68, e é assegurada a indenização por perdas e danos.69

As patentes de invenção compreendem o direito do proprietário de uma invenção industrial. Esta, por sua vez, é a criação de um processo, produto, ou instrumento que possa ser aplicado para melhorar a indústria. A Lei protege esse direito.

A esse respeito, a Constituição Federal de 1988, dispõe:

Art. 5ª, XXIX. A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes das empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.70

Nesse contexto foi que a Lei n° 9.279 (Lei de Propriedade Industrial), de 1996, seguindo o comando da Constituição Federal, passou a assegurar o direito do autor de invenção de obter patente que lhe garanta a sua propriedade.71

Já as marcas registradas são “os nomes, palavras, denominações, monogramas, emblemas, símbolos, figuras e quaisquer outros sinais usados com o fim de distinguir mercadorias, produtos industriais ou serviços de outros semelhantes”.72 Dividem-se em marcas de indústria, de comércio ou de serviços.

As marcas de indústria são usadas pelos fabricantes em seus produtos, enquanto as marcas de comércio são as empregadas pelos comerciantes em suas mercadorias e as marcas de serviços, as utilizadas pelos profissionais autônomos, entidades e empresas para distinguir seus serviços.

68 Art. 195 da Lei nº 9.279/96: Comete crime de concorrência desleal quem: V - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências.

69 Art. 209 da Lei nº 9.279/96: Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.

70 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:

Presidência da República, [2016]. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 4 jul. 2019.

71 Art. 6º: Ao autor de invenção ou modelo de utilidade será assegurado o direito de obter a patente que lhe garanta a propriedade, nas condições estabelecidas nesta Lei.

Referências

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