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8.2 Medidas Sócio-educativas em meio aberto

8.2.2 Liberdade Assistida

Dispõe o art. 118 do ECA:

A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.

99

Maria da Graça Maurer Gomes Türck, A Operacionalização das medidas Sócio-educativas: Prestação de Serviço à Comunidade e Liberdade Assistida, p.692.

100

§ 1º - A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.

§ 2° - A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.

Não se trata de uma sanção penal, mas de medida apta a limitar a liberdade e alguns direitos do jovem infrator, segundo as condições impostas, com vistas aos seus fins pedagógicos101. Na prática, a Liberdade Assistida consiste na decisão, emanada do juízo, de colocar o adolescente sob os cuidados e a assistência do Conselho Tutelar, ainda que o jovem não seja extirpado de seu meio natural.

Ainda que aparentemente branda, a medida tem todo um aspecto coercitivo, concretizado na responsabilização individual e social daquele que praticou o ato infracional. Mais uma vez a medida possui um caráter educativo/terapêutico.

A Liberdade Assistida, além de buscar a responsabilização individual e social do adolescente, procura resgatar a participação dos pais na formação do jovem infrator. Os pais são chamados a participar, de forma ativa e decisiva, no processo de reinserção social do adolescente.

Mas que tipo de ações deveriam ser desenvolvidas para que a Liberdade Assistida tivesse sua efetividade máxima concretizada? Os estudiosos do assunto são unânimes em descartar o simples acompanhamento da conduta do jovem infrator, com o escopo de inibi-lo em possíveis novas condutas delitivas. Para Graça Türck102, as ações destinadas aos adolescentes infratores devem ser concentradas nas seguintes abordagens:

a) centrada no adolescente: a partir do ato infracional relacionando- o com o contexto sócio-familiar-cultural;

b) centrada na família: o ato infracional como problema e a função deste problema na família;

c) centrada na problemática dos meninos (as) de rua: a partir do ato infracional relacionando-o com o contexto sóciofamiliar-cultural;

101

Jason Albergaria, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 127-128.

102

d) centrada no acompanhamento de atendimento terapêutico na

comunidade: a partir do ato infracional relacionando-o também, com

o contexto sócio-familiar-cultural;

e) centrada na mediação transformativa: a partir do

restabelecimento de uma relação negociada103.

O Grande desafio da aplicação prática da Liberdade Assistida está na disponibilidade de recursos sociais, que permitam preencher as necessidades individuais dos adolescentes infratores, sobretudo na recuperação de jovens viciados em drogas ou com sérios problemas emocionais, para os quais é imprescindível um acompanhamento psicológico adequado.

Não se pode tergiversar ante a necessidade de uma perfeita harmonia e coadunação na utilização dos recursos, que possibilite ações conjuntas, cujo propósito seja a obtenção de suportes sociais terapêuticos e educativos, nas áreas da saúde, educação, trabalho, serviços e lazer.

Em Natal, as medidas de Prestação de Serviço à Comunidade - PSC e Liberdade Assistida - LA - são executadas pela Fundação Estadual da Criança e do Adolescente – FUNDAC.

Junto à Vara da Infância e da Juventude podem ser obtidos dados sobre os adolescentes em cumprimento de medida sócio-educativa, o que é de extrema importância para se traçar um perfil da aplicação da Liberdade Assistida e da Prestação de Serviço à Comunidade no Estado do Rio Grande do Norte. Os dados foram organizados na tabela a seguir, facilitando assim a análise dos mesmos:

TABELA 4

Adolescentes cumprindo Medidas Sócio-Educativas de PSC e de LA. Natal/RN, Janeiro/2007.

Medidas sócio-educativas Masculino Feminino

Prestação de Serviço à Comunidade 67 09

Liberdade Assistida - LA 52 03

FONTE: Dados fornecidos pelos programas de PSC e LA /FUNDAC em Janeiro/2007

103

BRASIL. Ministério da Justiça. Políticas Públicas. Estratégias de Atendimento Sócio-Educativo ao adolescente em conflito com a lei, p. 49.

Os Recursos Humanos dos programas de PSC e LA compõe-se dos seguintes funcionários:

01 (um) Coordenador; 01 (um) Vice-Coordenador.

A Equipe Técnica é assim composta: 01 (um) Psicólogo;

05 (cinco) Assistentes Sociais; 01 (um) Pedagogo;

01 (um) Bacharel em Letras; 01 (um) Secretário Executivo. O Pessoal de Apoio:

02 (duas) pessoas de apoio;

03 (três) Estagiários do Curso de Serviço Social da UFRN.

As Instalações Prediais não podem ser consideradas satisfatórias, posto que se traduzem em salas mal ventiladas, despojadas de cor e nimiamente confortáveis.

Os programas desenvolvidos com os adolescentes infratores são realizados em uma única sala, o que acarreta problemas, principalmente com relação ao atendimento, posto que há ocasiões em que os jovens são atendidos em grupo, o que além de ser anti-didático, não atende aos objetivos das medidas, ou seja, não há possibilidade de dar atenção especial aos jovens e a orientação necessária para a sua completa recuperação.

Quanto às condições de higiene e salubridade, o prédio carece de pintura urgente, ainda que as faxinas sejam diárias e não permitam o acúmulo de lixo ao redor e a rua de acesso é calçada.

Os Equipamentos existentes pertencem ao Centro Integrado de Atendimento - CIAD. Até mesmo o telefone é do Centro.

O Tipo de Atendimento é destinado ao atendimento individualizado dos adolescentes que estão cumprindo as medidas de PSC e LA. Em linhas gerais, o jovem é encaminhado à família, que se responsabiliza pela colocação

daquele na escola do bairro. Não há nenhum acompanhamento e orientação à família dos adolescentes, o que ocorre, segundo informações colhidas junto à equipe técnica, pela inexistência de transportes disponíveis para realização dos trabalhos.

A equipe técnica monitora a vida escolar do adolescente, com a realização de visitas mensais às escolas, para saber como o adolescente está se comportando e como está o seu desempenho escolar.

Os encaminhamentos para o Mercado de Trabalho é que apresentam uma dificuldade muito grande. Os jovens são encaminhados para o Programa de Encaminhamento ao Mercado de Trabalho – PROENT –, para serem absorvidos no mercado de trabalho, porém o nível de escolaridade dos adolescentes infratores é muito baixo e o programa só atende a quem tem um grau de escolaridade mais elevado.

A procura por trabalho é cada vez maior e, com isso, os jovens desde cedo são lançados no meio de uma acirrada disputa, onde o grau de instrução de cada um é fator determinante na luta pelo primeiro emprego. O Mercado de Trabalho não consegue absorver todos os que tentam uma colocação e, nesta corrida, os adolescentes mais preparados, com maior grau de escolaridade, levam a melhor.

Jovens com um nível de instrução mais baixo encontram maiores dificuldades em adentrar no Mercado de Trabalho, isto é um fato. Para os jovens infratores a perspectiva de um emprego é ainda mais distante.

Os programas governamentais e as iniciativas privadas, que deveriam ser a base de uma tentativa sólida no sentido de devolver esses adolescentes infratores à sociedade de forma digna, não têm estrutura suficiente para fazê- lo, pois, mesmo com a existência de programas como o PROENT, que tenta reintegrá-los, os obstáculos são grandes, já que o nível de escolaridade desses adolescentes infratores é muito baixo e este programa privilegia aqueles com maior instrução educacional.

As falhas nesse tipo de programa são visíveis e o paradoxo, latente: como é que uma iniciativa criada com o foco de atender jovens infratores e

reintegrá-los à sociedade, pode limitar seus esforços a um determinado adolescente infrator, de nível educacional mais elevado, quando é irrefutável que a grande maioria desses jovens carece de maior instrução educacional?

É preciso questionar se esses programas realmente são criados para atender jovens infratores ou são uma tentativa de ajudar estudantes carentes que contribuem para o sustento da família. Não estamos dizendo com isso que esses últimos não necessitem de apoio do nosso sistema, é óbvio que a criação de programas que os ajudem também é essencial, mas são dois tipos distintos de adolescentes, com problemas e anseios diferentes, e como tal devem ser tratados.

A questão pungente para nós é saber se os programas existentes destinados aos adolescentes infratores se adequam ao nosso dia a dia ou se estamos apenas tentando, em vão, resolver problemas paralelos de um mesmo modo. Será que a nossa realidade é condizente aos programas assistenciais que possuímos? Nesse contexto, onde se encaixa a proposta pedagógica exposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente?

Embora o ECA nos oriente sobre a importância da criação de parcerias com várias instituições, para que o jovem possa ampliar seus horizontes e, com isso, dar mais um passo em direção a uma profissão digna, a prática nos mostra uma realidade bem diferente.

Atualmente, a FUNDAC não disponibiliza outros cursos além do de Panificação, e, como agravante ao fato de que não dar ao jovem nenhuma outra escolha, não existe uma tentativa se construir parcerias com outras instituições, em nítido descompasso à orientação do ECA.

A falta de opção de cursos para o adolescente, e o descaso na obtenção de parcerias é um retrocesso se analisarmos que, a partir desses conhecimentos, o jovem, além de aprender um ofício futuro, dá um enorme passo em direção a ressocialização e para longe da marginalidade.

O programa do PSC, como mencionado anteriormente, funciona no mesmo local e também trabalha com a mesma equipe técnica da Liberdade Assistida e atualmente existem, em média, 60 empresas e/ou entidades

cadastradas para trabalhar com os adolescentes que estão cumprindo esta medida.

A falta de preparo das empresas ou entidades cadastradas é outro problema que agrava o sentimento de rejeição e dificulta a ressocialização dos adolescentes infratores que, não raro, ao serem encaminhados a essas instituições, desenvolvem serviços menores, como de office boy, de acompanhamento dos médicos nas visitas domiciliares aos doentes, de auxiliar de serviços gerais, de arquivos, etc.

O adolescente infrator necessita de disciplina e limite, mas, ao mesmo tempo, de carinho e atenção. Ele deve sentir que os profissionais que o cercam estão realmente empenhados em ajudá-lo, em devolvê-lo a sociedade não na condição de marginal, mas sim como cidadão. O envolvimento superficial de alguns técnicos, além de não ajudar esses jovens, por vezes aumenta a sensação de rejeição e abandono.

Ao se imaginar sozinho o jovem, como um instinto de proteção, se fecha numa redoma e bloqueia todas as tentativas de ajuda. É como se ele sentisse que a sociedade espera que ele falhe, que seja mais um na marginalidade e, enfraquecido pelos olhares de censura, ele apenas se deixa levar pelas más companhias.

Um exemplo do que estamos falando é a falta de compromisso dos diretores de escolas estaduais com a ressocialização dos jovens infratores. Esse é outro grande obstáculo encontrado pelo programa do PSC. A maioria dessas instituições de ensino não faz segredo ao impedir que o jovem preste serviço nas suas dependências: “não queremos marginal junto com nossos alunos".

Essa postura tão discriminatória infelizmente é comum nas escolas estaduais. Os próprios diretores, que deveriam ser os primeiros a buscar reintegrar esses jovens a sociedade, já que possuem os requisitos para fazê-lo,

assumem uma postura antidemocrática e sem o menor compromisso com o resgate da cidadania desses adolescentes. Esse tipo tão eloqüente de discriminação expõe uma total falta de conhecimento dos objetivos do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A inexistência, em Natal, de uma Clínica de Recuperação ou Comunidade Terapêutica para que o adolescente que abusa do uso de drogas possa se tratar é um outro problema sério com o qual nos deparamos.

A falta de um ambiente adequado para onde possamos encaminhar esses jovens dificulta sua melhora, já que a internação do drogadito, na maioria das vezes, funciona como uma porta de entrada para conscientizar o dependente químico104.

Na internação, os profissionais têm mais tempo para interagir com o adolescente, quebrando a barreira da desconfiança e ajudando-o não só a superar o problema com as drogas, mas também a reintegrá-los a sociedade com dignidade, como verdadeiros cidadãos.

Chegamos à conclusão, com a nossa análise das medidas existentes, que o esforço solitário de determinado órgão ou entidade não trará resultados fortes o suficiente para que possamos avançar na luta contra a marginalidade adolescente. Somente o esforço conjunto formará alicerces rígidos o bastante para que vençamos esse mal.

É preciso que haja um compromisso maior do órgão executor das medidas de PSC e LA, ou seja, da FUNDAC, do Governo do Estado, do Poder Judiciário, da Sociedade Civil e da Família, bem como que se crie uma proposta pedagógica séria e sistemática para a resolução definitiva do problema.

104

Todos os dados apresentados foram colhidos em visita in loco e em entrevistas com técnicos dos programas de PSC e LA da FUNDAC, realizada em janeiro/2007.