• Nenhum resultado encontrado

Primeiras ferramentas para a eficácia dos direitos sociais

Mas de que instrumentos poder-se-ia valer para a plena eficácia dos direitos sociais? Não se trata, entretanto de uma questão de inércia por parte dos constituintes pátrios que, com muita propriedade, estabeleceram no artigo 5º, parágrafo 1º, que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. A abrangência de tal preceito parece alcançar os direitos sociais consagrados dentre os artigos 6º a 11º da Constituição.

Mas o texto constitucional, longe de ser a solução para todos os problemas, também estabeleceu a dependência de legislação infraconstitucional para regular a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais e coletivos. Em tese, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos sociais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada e aplicabilidade indireta.

Ressalte-se que não se trata de considerar o parágrafo 1º do artigo 5º como letra morta, mas de reconhecer os limites e diretrizes de sua aplicação. Nesta concepção bem menos utópica, temos que os direitos sociais são aplicáveis até onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento, além de nortear a atuação do judiciário que, em sendo provocado a propósito de uma situação concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições existentes.

Os primeiros remédios existem e serão abordados, ainda que se ressalte que suas consagrações não representaram a solução esperada no caso

brasileiro, e que será dada atenção a outros caminhos, como a ação civil pública, em momento posterior deste trabalho.

O primeiro meio para se conquistar a plena eficácia dos direitos sociais é o mandado de injunção. O instituto é uma criação do direito inglês do século XIV e teve seu nascedouro associado ao juízo de equidade e era traduzido em um juízo discricionário a ser utilizado quando a lei (statutes) que regulasse determinada matéria fosse inexistente.

Mas o apogeu do mandado de injunção viria no continente americano e seria utilizado como ferramenta para enfrentar-se a questão da segregação racial, cujas conseqüências ainda podem ser percebidas na sociedade americana atual, tal como uma fagulha que aguarda o menor vento para voltar a ser fortalecida. O caso Brown V. Board of Education of Topeka de 1954 é emblemático, pois foi julgado procedente um mandado de injunção estabelecendo o direito dos estudantes negros à educação em escolas até então segregadas, com base nos direitos garantidos na 14ª Emenda à Constituição norte-americana.

O mandado de injunção é, portanto, a ferramenta para a aplicação direta de todas as normas constitucionais, o que não deixa dúvidas, quando da análise de sua previsão constitucional:

Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Não obstante o caráter incisivo do preceito constitucional supracitado, cujo objetivo inequívoco era de fazer valer um direito consagrado constitucionalmente, mas que poderia ser maculado em face da inexistência de regulamentação, a interpretação advinda do Supremo Tribunal Federal limitou a utilização do instituto, estabelecendo que o mesmo seria apenas invocado para a obtenção de declaração da inconstitucionalidade por omissão. Ficou mais ou menos como um médico, que ao detectar uma enfermidade em um paciente, limita-se a classificá-la, sem entretanto, buscar a sua cura.

Ressalte-se ainda, que a doutrina pátria não se revela uníssona no que diz respeito à utilização do mandado de injunção como ferramenta possível para se pugnar a tutela de todos os direitos consagrados constitucionalmente. Celso Ribeiro Bastos limitou a utilização de tal instituto apenas aos direitos contidos no Título II da Constituição. Na mesma concepção restritiva do uso do mandado de injunção seguiu a opinião do professor Ferreira Filho, segundo a qual o instrumento em tela só poderia ser utilizado para a parte final do dispositivo constitucional - “inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.

Do artigo 283 da Constituição portuguesa surgiu a inspiração para o segundo modo de alcance da eficácia dos direitos sociais: a inconstitucionalidade por omissão, que remete a casos em que inexistam os atos executivos e legislativos que possibilitem a plena aplicação das normas constitucionais, buscando a elaboração de uma lei ou a exaração de ato administrativo que efetivem os direitos consagrados pela Carta Magna.

Mas o Constituinte pátrio, maculando o desiderato do instituto em tela, acovardou-se ante a questão da sanção a ser imposta ao poder público, em virtude de tal inércia, abrandando em demasia as conseqüências do reconhecimento do instituto em questão, como se percebe na análise do texto constitucional inserido no parágrafo 2º do artigo 103:

Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Vale a pena lembrar que os mesmos membros da assembléia constituinte seriam o alvo de qualquer sanção maior que pudesse advir da declaração de inconstitucionalidade por omissão. Talvez por este motivo, tenha-se optado pela medida claramente ineficaz de comunicar a omissão ao poder legislativo, que quando muito, só seria moralmente obrigado a suprir o vácuo legal, posto que, juridicamente, tolheu-se a possibilidade de compelir o legislativo a sanar o problema detectado.

Ao mandado de injunção e a declaração de inconstitucionalidade por omissão, Vicente Greco Filho119 ainda acrescenta a argüição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição, estabelecido no parágrafo 1º do artigo 102 da Constituição Federal, entendendo que o mesmo se apresenta como um mecanismo adequado para controlar omissões normativas que atentem contra a Carta Magna.

José Afonso da Silva120 percebe, na argüição de descumprimento de preceito fundamental, uma semelhança com o recurso consagrado no direito germânico intitulado Verfassungsbeschwerde, sob a ressalva de que a ausência de parâmetros constitucionais, além da falta de uma referência à lei que poderá determinar sua disciplina jurídica, deixam o intérprete de mãos atadas, sem dispor de elementos suficientes para um melhor entendimento sobre o referido instituto, que, devido a estes motivos, poderia ser compreendido sob qualquer tipo de concepção sobre sua utilização.

O instituto da iniciativa popular pode, ainda que com limitações, ser utilizado como ferramenta que tenha como objetivo a elaboração de leis ordinárias ou complementares integradoras da eficácia de normas constitucionais. A iniciativa popular foi consagrada no texto constitucional em seu artigo 61, parágrafo 2º:

A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estado, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

Ainda que não se trate de uma solução definitiva, posto que a omissão do poder legislativo não pode ser totalmente suprida pela participação popular,

119

Vicente Greco Filho, Tutela constitucional das liberdades, p.137.

120

o peso que a assinatura de milhares de eleitores atribui à iniciativa popular pode sensibilizar o legislativo para a solução do problema.