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O histórico das decisões oriundas dos Tribunais brasileiros, bem como a análise doutrinária nacional, retratam uma oposição ferrenha à possibilidade de reconhecimento e implantação dos direitos sociais. Ainda que bastante incipientes, devem ser destacadas decisões que, na década de noventa, em sede de mandado de segurança, acolheram a tese do dever do Estado no fornecimento do coquetel de medicamentos a pessoas acometidas pelo vírus HIV.

Ainda que as decisões individuais, mesmo que de forma tímida, sejam albergadas por nossas cortes, ainda nos encontramos muito distantes de uma possibilidade de tutela coletiva dos direitos sociais, ainda que alguns doutrinadores pátrios comecem a apontar as vantagens advindas da opção por tal tendência.

A implementação judicial dos direitos sociais estaria melhor se fosse alcançada por meio da ação civil pública em detrimento das ações individuais, por dois motivos bastante claros: Em primeiro lugar pela necessidade de adequação à adoção de uma medida transindividual. Tome-se como exemplo a determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente de que exista abrigo para crianças e adolescentes em situação de risco. Parece insano que a provocação judicial individual levasse o município a construir abrigo para apenas o pretendente. A verdadeira solução do problema só viria mediante ação civil pública, intentada pelo Ministério Público, com o objetivo de tutela de um interesse difuso.

O outro motivo seria a maior possibilidade de alcance de decisões mais justas. Imagine-se, por exemplo, que um indivíduo obteve, mediante ordem judicial, a possibilidade de se tratar com superdosagens de coquetel para combate à AIDS e que, tal decisão implicou, por carência de recursos, que outros doentes tivessem acesso a doses regulares do referido coquetel. Teríamos então uma situação em que uma decisão individual poderia prejudicar um número enorme de outras pessoas necessitadas do tratamento.

Já através de uma ação civil pública, poderia se analisar o conjunto dessas pretensões, possibilitando ao Magistrado uma correta análise da situação, com a abrangência que é necessária, de forma a possibilitar o auxílio a todas as pessoas que se encontrem na referida situação e, portanto, carentes da ação advinda do Estado.

Curioso é que os estudiosos do tema apontam a legislação brasileira como uma das mais aptas, em termos mundiais, para a implementação dos direitos sociais pela via judicial. É o que se verifica, por exemplo, na Lei nº 7.3478/85, que dotou os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos de mecanismos de tutela específica, sob o prisma de que os direitos sociais ligados ao mínimo existencial são bens indisponíveis e que de nada adiantaria uma tutela baseada na sub-rogação da prestação originária em obrigação pecuniária. Deste modo, a lei da ação civil pública, em seu artigo 11 preconiza:

Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente e compatível, independentemente de requerimento do autor.

Já através de uma ação civil pública, poderia se analisar o conjunto dessas pretensões, possibilitando ao Magistrado uma correta análise da situação, com a abrangência que é necessária, de forma a possibilitar o auxílio a todas as pessoas que se encontrem na referida situação e, portanto, carentes da ação advinda do Estado.

Quando se tratar de um direito social a ser garantido pelo Ente Estatal, a execução pode se valer do instituto da imposição de multa diária, que atuando de maneira coercitiva, será ferramenta primordial para compelir a administração a cumprir a decisão judicial e, por conseguinte, efetivar o direito social postulado em juízo.

Mas os defensores da implementação dos direitos sociais ainda devem ser comedidos em comemorar com bazófia a legislação brasileira. Tome-se, por exemplo, a possibilidade de descumprimento, por parte da administração

pública, da ordem judicial garantidora de um direito social. Resta ao Magistrado a majoração da multa diária, o que, em última análise, importa em aumento do ônus econômico para a pessoa jurídica de direito público, sem que o administrador sinta em seu bolso qualquer prejuízo conseqüente de sua própria inércia.

Os mais apressados poderiam sacar a possibilidade de prisão do administrador, sob a alegação de descumprimento de ordem judicial, como sanção adequada para a efetivação do provimento mandamental. Mas a ameaça da sanção criminal também se revelaria inócua, por se tratar de delito de menor potencial ofensivo, punível com detenção de quinze dias a seis meses, no qual a própria autoridade policial pode conceder a liberdade provisória obrigatória, sem a necessidade, sequer, de recolhimento de fiança, como determina o artigo 310, parágrafo único, em coadunação com o 313, ambos constantes do Código de Processo Penal brasileiro.

Não há como se furtar, diante de tudo que foi exposto, de uma discussão mais ampla sobre a admissão, em nosso ordenamento jurídico, da prisão processual por descumprimento a provimento mandamental, já bastante consagrada nos ordenamentos dos Estados anglo-saxônicos, nos quais recebe a denominação de contempt of court.

Parte-se da análise do texto legal inserido no artigo 84 da Lei nº 8.078/90, cuja aplicação se desdobra para a generalidade das ações civis públicas, como estatui o artigo 117 da própria Lei. Restou Determinado que o magistrado deverá assegurar "a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento". Para tanto, o juiz ainda lançar mão de "medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial", como preconiza o artigo 84 em seu parágrafo quinto.

As medidas mencionadas constituem um rol meramente explicativo e são aplicadas diuturnamente pelos oficiais de justiça nas diversas comarcas brasileiras, ainda que com resultados pífios em relação à coerção de autoridades públicas para o cumprimento às ordens judiciais. Muito mais

incisivo é o parágrafo quarto do artigo supracitado, que apresenta medidas que podem ser rotuladas de definitivamente inibitórias e merecem destaque:

O juiz poderá, na hipótese do §3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

Destaca-se do dispositivo mencionado a necessidade de que o Magistrado verifique se a multa imposta é suficiente e compatível. Caso não seja, o Juiz pode se valer de outros meios para exercer, de fato, uma coerção que produza os efeitos pretendidos, garantindo o cumprimento da decisão.

Ainda que haja a ressalva de que o contempt of court não se encontra consagrado em nosso ordenamento jurídico, parece bastante plausível que o referido instituto seja utilizado quando se esgotarem as outras possibilidades de execução, menos gravosas e determinadas pela Lei pátria, não se revelarem suficientes para seus propósitos. Entretanto, não se pode desprezar a idéia de que o contempt of court não se configura em uma pena, tendo, portanto, seus efeitos cessados imediatamente quando do adimplemento da prestação para o qual se utilizou a medida.

Mas existe sempre a possibilidade de um instituto como o contempt of court ter sua constitucionalidade questionada quando da aplicação com base no ordenamento jurídico pátrio, em que se verifica a vedação da prisão civil, com exceção apenas das do alimentante inadimplente e do depositário infiel, nos moldes do artigo 5º, LXVII, da Constituição de 1988.

Talvez o melhor caminho seja a ponderação desta vedação com o princípio, consagrado constitucionalmente, da inafastabilidade da jurisdição, cujo enunciado determina incondicionalmente: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Deste modo, se o direito processual pátrio não proporciona uma solução para um direito que já teve sua legitimidade apreciada pelo Judiciário, não resta outro caminho para o Magistrado, que não seja o da coragem para adotar outras medidas mais coercitivas e, por conseguinte, mais eficazes.

Com o desdobramento de tais idéias, poderia se pugnar, por exemplo, pelo alargamento do conceito de alimentos. A prisão civil como reação ao inadimplemento voluntário e inescusável da dívida de alimentos encontra defensores de norte a sul do país, pois é respaldada no princípio deontológico de predominância do direito aos alimentos frente à liberdade do devedor. Se a existência de um ser humano é ameaçada pela resistência do outro em cumprir ordem judicial, nada mais justo que se valer da coerção, que em muitos casos, revela-se plenamente eficaz.

O mesmo raciocínio deveria ser empregado para o caso em que o ser humano tem sua condição mínima de vida com dignidade afetada pela administração pública. Percebe-se claramente que tais idéias não se afastam, em momento algum, da noção de direitos fundamentais e do mínimo existencial. Se há um alargamento do conceito de alimentos e, desta forma, podem ser caracterizados como tal alguns direitos sociais, temos então sanado o vício da inexistência de requisito constitucional para a adoção da prisão civil.

Claro que sempre haverá a questão da responsabilidade, por parte do magistrado, em uma decisão desse quilate, sobretudo pela possibilidade de oneração excessiva do dinheiro público. Mas, em se reconhecendo a grandeza da decisão judicial, não se pode negar que tal magnitude já está presente nas decisões sobre alimentos, nas quais se determinam prestações de importância existencial em limites muito mais restritos, ressalvando-se a inexistência do complicado conceito de interesse público em tais decisões.

É imprescindível, para que tais idéias não produzam conseqüências ainda mais nefastas que o descumprimento da decisão judicial, que o Magistrado não perca de vista o caráter não punitivo da medida, estando sempre concentrado tão somente no postulado de efetividade da tutela. As decisões judiciais se valem, normalmente do crime de desobediência como medida de coerção e não baixam a guarda em relação a esta reserva do necessário, para não converter em pena um instituto cuja essência difere totalmente deste recurso. Nesse sentido, destaca-se emenda emanada do Superior Tribunal de Justiça:

Para a configuração do delito de desobediência não basta o fato material do não cumprimento da ordem legal dada pelo funcionário competente. É indispensável que, além de legal a ordem, não haja sanção especial para o seu não cumprimento” Precedentes do STJ.

M.S. 65.312, publ. DJU de 15.01.2001).

Trata-se, portanto, de um remédio a ser utilizado com parcimônia, sem o furor característico das paixões, observando-se a proporcionalidade da decisão e exaurindo as outras medidas possíveis, como a multa diária, desde que estas não se revelem ineficazes, caso em que não resta outra alternativa, que não seja a determinação de uma nova sanção.

Além de consagrar a tutela específica, vale lembrar que a Lei nº 7.347/85 também alberga a tutela de urgência. Os provimentos antecipatórios, hoje tão comuns nas varas da justiça brasileira, tiveram seu nascedouro com a Lei da Ação Civil Pública, mais precisamente em seu artigo 12, sendo este o primeiro dispositivo pátrio a preconizar essa ferramenta tão importante para os operadores do Direito.

A importância da antecipação da tutela, quando se trata de direitos sociais, é inegável, pois estes direitos se referem especificamente à existência digna do seu titular, tratando de um bem jurídico cuja falta pode trazer prejuízos cuja reparação se revele difícil, ou até mesmo impossível, posto que pode levar o indivíduo a óbito.

Ainda que os instrumentos processuais consagrados pela Lei nº 7.347/85 não possam ter sua importância diminuída, posto que sem eles tudo ficaria mais difícil, os mesmos se tornariam inúteis sem a existência de um órgão independente, que possuísse a prerrogativa de intentá-los, tendo como objetivo a implementação dos direitos sociais.

A Constituição elegeu, em seu artigo 127, o Ministério Público como guardião da ordem jurídica e democrática, do interesse social e dos direitos individuais indisponíveis, enquanto que o parágrafo segundo garantiu a independência funcional do Parquet.

Mesmo tendo a Lei Maior estendido a possibilidade de outros entes se legitimarem a pugnar por demandas do Ministério Público, este órgão tem

destaque no ajuizamento da ação civil pública, sobretudo se o bem a ser defendido possui incontestável valor social.

Mas não se deve pensar no Ministério Público apenas como parte em demanda judicial. Sua função extrapola essa limitação e, talvez, a atuação desse órgão seja mais eficaz, quando consegue atuar preventivamente, através dos termos de ajustamento de conduta. Trata-se de instituto pelo qual o autor de lesão a interesse transindividual, incluído aqui o administrador público, sob coerção do Parquet, acaba por adimplir a prestação devida, com o escopo de evitar a demanda judicial, cujas conseqüências, às vezes, podem ser mais danosas, inclusive para a imagem do demandado.

Paulo Cézar Pinheiro Carneiro123 aborda o tema dos termos de ajustamento de conduta, retirando dos mesmos a classificação de acordos, pois os interesses em questão são indisponíveis e, por conseguinte, vedados a qualquer espécie de transação. Ademais, a lição do referido autor ressalta o caráter de título executivo que pode surgir do não cumprimento da prestação no prazo estabelecido pelo Ministério Público:

No máximo, a matéria objeto do termo comporta contemporizações: a eleição de uma forma de implementação da prestação social que seja mais adequada à Administração Pública, ou a concessão de um prazo para que a prestação seja concluída. Findo o prazo concedido no termo sem que a prestação seja realizada, este documento, que possui a natureza de título executivo extrajudicial, pode ser utilizado para embasar execução.