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A análise detalhada das posições em cada par de notas ligadas, mesmo com o uso desses comandos, pode ser extremamente exaustiva quando aplicada a grandes trechos musicais. Para facilitar um pouco essa exploração no repertório alvo aqui proposto, o

programa anaRch apresenta uma outra leitura desses dados, alinhando todas as combinações de posições possíveis, agrupando os pares de frase em frase e separando as possibilidades pelo tipo de transição. Para esse tipo de análise, o programa emprega o comando 'g' com a opção 'e' associado ao número do estudo desejado. Com esse comando pode-se observar melhor a distribuição das possibilidades de ligadura de par em par. A Figura 5.6 ilustra o uso desse comando com o Estudo Melódico No. 37. Cada frase precisa, para ser executada, de uma escolha de posições para cada par nela contida. Obviamente somente pares de notas com posições finais e iniciais iguais podem ser concatenados para compor a frase. Neste exemplo, as notas inciais encontram-se na região médio/grave do instrumento e portanto apresentam poucas possibilidades de posição. Então o par inicial, [48/50], que tem apenas uma possibilidade de posição, da sexta para a quarta, pode ser seguido do próximo, [50/52], com duas possibilidades: da quarta para a sétima ou da quarta para a segunda.

Figura 5.6 - Posições e Ligaduras em Rochut

Curiosamente, o programa revela que alguns trechos do repertório estudado podem realmente ser tocados inteiramente utilizando ligaduras naturais, ou seja, sem a necessidade do uso de língua na articulação. Um ótimo exemplo são as duas primeiras frases do Estudo No. 2, mostradas nas Figuras 5.7 e 5.8, respectivamente. Nessas duas frases bastante semelhantes, predominam os arpejos de tônica. Aqui, quase todas as notas podem ser tocadas

na sexta posição, mudando apenas uma vez para a quarta, e usando apenas uma articulação inicial.

Figura 5.7 - Ligaduras Naturais - Estudo No. 2, frase 1

Mas embora seja possível compor peças para o trombone explorando essas possibilidades, os contornos melódicos nesse tipo de frase ficam limitados principalmente a arpejos na região média e grave, podendo, eventualmente, incluir notas contíguas na região aguda. Numa obra caracteristicamente vocal, como é o caso dos vocalises de Bordogni aqui abordados, onde há grande predominância de graus conjuntos, o trombone constantemente esbarra na necessidade de passar por notas do mesmo harmônico, sendo obrigado a combinar as duas possibilidades de ligadura. Essa tendência pode ser observada na maioria das frases do repertório estudado. Para facilitar a visualização desses padrões, pode-se usar novamente como exemplo a primeira frase do primeiro estudo, mostrado na Figura 5.9. Aqui fica evidente que, mesmo que o trombonista queira aproveitar ao máximo as ligaduras naturais, em algum momento da frase, será necessário lidar com notas no mesmo harmônico.

Figura 5.9 - Frases mistas: ligaduras naturais e de mesmo harmônico

Para começar, a primeira nota, um SOL 2, precisa ser tocada na quarta posição no trombone tenor sem chave. A partir daí o trombonista tem apenas duas alternativas, ir para o LÁ na segunda ou na sexta, como mostram os parênteses listados junto ao primeiro par. Se ele optar pela segunda posição, provavelmente terá que usar a língua para essa primeira transição, mas em seguida poderá escolher uma sequência de posições que utilizem apenas ligaduras naturais, movendo da segunda para a sétima e completando a seguinte sequência para a frase completa: 4,2,4,6,7,7. Caso opte pela sexta no primeiro movimento da vara, não vai precisar

rearticular a segunda nota, mas ao chegar ao SI na sétima posição, não terá outra alternativa senão mover pelo mesmo harmônico em direção ao DÓ na sexta, ficando o restante da frase semelhante à primeira opção: 4,6,7,6,7,7.

O problema de se tentar aproveitar as mudanças de harmônico e as ligaduras naturais até as últimas consequências, é que esse caminho pode muitas vezes levar a resultados indesejados em outras áreas da técnica do instrumento. O exemplo acima mostra duas soluções de movimentação da vara que culminam em notas agudas tocadas nas últimas posições, o que é pouco recomendado por produzir uma sonoridade distante do timbre do tubo fechado e aumentar a instabilidade do som por conta das notas que precisam ser tocadas em harmônicos muito altos. Quando se trata de frases na região média da extensão do instrumento, esses problemas se agravam. Aqui a tentativa de se explorar ao máximo as ligaduras naturais pode resultar em movimentação desnecessariamente complicada da vara, o que em última instância prejudica as ligaduras ao invés de melhorá-las. O Estudo No. 36, por exemplo, apresenta uma série de frases baseadas em trechos de escalas em torno do terceiro e quarto harmônicos do trombone. Uma dessas frases (compassos 31 e 32) é ilustrada pela Figura 5.10. Como o número de posições disponíveis para essas notas é limitado, a preferência sistemática por posições que permitem ligaduras naturais leva a uma movimentação com repetidas mudanças de direção da vara e grandes pulos em direção à sétima posição.

O ganho em termos do uso das ligaduras naturais, neste caso, é claramente pequeno perto da "turbulência" causada pela movimentação da vara. É importante ter em mente que este não se trata de um exemplo isolado. Conforme os números apresentados pelas análises quantitativas dos intervalos no início deste capítulo, as transições por grau conjunto, ascendente ou descendente, predominam nesse repertório. Apesar de muitos desses estudos conterem porções significativas de frases arpejadas, praticamente em todos eles as segundas maiores e menores são mais abundantes. Como evidência particularmente contundente dessa predominância, além do Estudo No. 36 mostrado acima, pode-se citar o exemplo dos Estudos 9, 13, 20, 30, 34, 37, 39, 40, 42 e 45. Esses dados sugerem que a simples opção por ligaduras naturais não garante necessariamente o sucesso ao se tocar legato em Rochut.

Qualquer que seja a preferência do trombonista por alguma estratégia específica para as ligaduras, o objetivo final da técnica é sempre o mesmo: produzir transições bem conectadas, livres de interrupções, acentuações ou portamentos indesejados entre as notas. Então, independentemente do uso ou não uso da língua nas articulações, é preciso levar em consideração diversos outros fatores, ao se escolher em que posições e harmônicos produzir cada uma das notas, nas centenas de frases ligadas encontradas nos Estudos Melódicos de Rochut/Bordogni.