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A discussão iniciada no Capítulo 2 evidencia a grande diversidade de opiniões, na literatura do trombone de vara, sobre como se deve lidar com a questão da ligadura no instrumento. Embora muitos autores tendam a convergir em alguns princípios gerais como a necessidade de se trabalhar a continuidade da coluna de ar e a eficiência no movimento da vara, pode-se notar ainda muitas divergências, principalmente no que diz respeito ao uso ou não uso da língua na articulação do legato. Uma das vertentes defende que o trombonista deve tentar aproveitar, sempre que possível as ligaduras naturais e tentar aproximar o legato com língua do som daquelas. Outros acreditam que, para produzir um legato homogêneo, é preciso articular todas as notas com a língua o mais leve possível. Há mesmo quem proponha que se deva abandonar o uso da língua por completo e tentar eliminar os portamentos indesejados utilizando simplesmente o ar e a movimentação da vara. O fato é que, a despeito dessas diferenças de opinião, todo trombonista está sujeito às limitações impostas pela estrutura do instrumento, a qual define, em grande parte, as possibilidades de produção de sons ligados. Por mais que se queira, por exemplo, explorar as ligaduras naturais e de movimento contrário da vara, frequentemente não há como fugir do problema da movimentação entre notas do mesmo harmônico e o fantasma do glissando. Por essa razão, a exploração sistemática de todas as possibilidades de ligadura no trombone parece apontar para um caminho menos turbulento no aprendizado da técnica do instrumento.

O programa anaRch provê recursos de análise da estrutura do trombone em busca de esclarecimentos sobre as possibilidades de ligadura entre cada nota produzida no mesmo, dentro da extensão proposta pelo modelo de Estrutura do Trombone (ver Capítulo 3: Metodologia). De acordo com esse modelo, muitos pares de notas podem ser produzidos no trombone utilizando mais de uma combinação de posições para as notas. Uma vez que nenhuma nota pode ser produzida em mais de uma posição no mesmo harmônico, decorre que cada combinação específica de posições para um dado par de notas produz uma transição com características diferentes. O comando 'p' mostra em detalhes essas diferenças para cada par de notas possível. As opções disponíveis para este comando são as mesmas usadas anteriormente para buscar a ocorrência das transições nos Estudos Melódicos. A combinação 'p p' mostra as possibilidades de posição da vara para um determinado par de notas e, para cada combinação de posições, informa: se as notas estão no mesmo harmônico, se estão na mesma posição, o número de harmônicos entre elas, a distância e a direção da movimentação

da vara para produzi-las, se a transição envolve movimento contrário e o grau de dificuldade daquela combinação específica. A Figura 5.4, mostra um exemplo de utilização desse comando. Utilizando 'p i', ao invés, o programa fornece as mesmas informações, mas para todos os pares de notas existentes que se encaixem na descrição do intervalo solicitado.

Figura 5.4 - anaRch: Consulta de Posições para o par de notas [57/62]

Esse relatório detalhado de possibilidades pode auxiliar o trombonista na exploração de cada combinação de posições e das respectivas características de cada uma delas. O par mostrado na figura, por exemplo, consiste de uma quarta justa entre o LÁ 2 e o RÉ 3. O programa mostra que esse par específico de notas pode ser tocado em seis combinações de posições diferentes: da segunda para a primeira, da segunda para a quarta, da segunda para a sétima, da sexta para a primeira, da sexta para a quarta e da sexta para a sétima. Apenas uma dessas combinações utiliza notas do mesmo harmônico. Em todas as outra há mudança de harmônico, possibilitando o uso de ligadura natural ou movimento contrário. Para um intervalo tão comum no repertório do trombone, essas informações talvez sejam redundantes, uma vez que o trombonista provavelmente vai tocar essas notas quase sempre nas primeiras posições. Porém, eventualmente, ele pode precisar por exemplo fazer um glissando intencional do LÁ para o RÉ. Nesse caso, a lista o ajudaria a ver que para essa finalidade é obrigatório o uso da sexta posição, uma posição frequentemente ignorada para se tocar um LÁ médio. Em casos de intervalos envolvendo notas mais agudas, as possibilidades se multiplicam e pode haver mais de uma opção até mesmo para um glissando. O par compreendido entre o FÁ 3 e o LÁ bemol 3, por exemplo, produz uma lista de combinações de posição muito maior (Figura 5.5).

Figura 5.5 - anaRch: Consulta de Posições para o par de notas [65/68]

No caso desse par, um glissando entre as duas notas, poderia ser feito com mais de uma combinação de posições: da quarta para a primeira ou da sexta para a terceira. Provavelmente a segunda opção deveria ser escolhida, por razões de afinação do LÁ bemol agudo. A exploração das possibilidades da estrutura do trombone vai, porém, muito além da produção de efeitos como esses. Muitas possibilidades podem passar despercebidas para o trombonista no dia a dia de estudo/performance no instrumento, mas poderiam ser úteis para a escolha de uma transição mais adequada para um determinado trecho musical. Especificamente para produzir uma ligadura entre o FÁ e o LÁ bemol, o primeiro impulso do trombonista provavelmente seria tocar essas notas usando a primeira e a terceira posições. Entretanto, o movimento da quarta para a terceira pode ser uma excelente alternativa para essa transição, uma vez que envolve, como se pode notar pelos dados fornecidos pelo programa, harmônicos e posições adjacentes. Mesmo o movimento da quarta para a quinta, dificilmente lembrado como uma alternativa viável para se ligar entre essas duas notas, pode ser na verdade uma excelente escolha para mover rapidamente em legato dependendo das notas que se seguem no contexto musical. Pela listagem do programa pode-se notar que se trata de uma ligadura de movimento contrário, com apenas um harmônico intermediário e também entre posições adjacentes, o que diminui sensivelmente a interferência causada nas ligaduras por grandes movimentações da vara.