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Limitações da Lei n.º 28/84, de 14 de agosto Período entre 1984 e 2000

CAPÍTULO II – ARQUITETURA DO SISTEMA DE SEGURANÇA SOCIAL

2.2. Memórias da evolução do sistema de segurança social português

2.2.2. Limitações da Lei n.º 28/84, de 14 de agosto Período entre 1984 e 2000

Desde logo, não conseguiu obviar as situações de incumprimento por parte dos contribuintes,

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Vd. artigos 28.º a 32.º da Lei n.º 28/84, de 14 de agosto.

168 Cfr. Ilídio das NEVES, Direito da Segurança Social, obra cit., p. 154. 169 Cfr. Ilídio das NEVES, Direito da Segurança Social, obra cit., p. 127.

das suas obrigações de declarar e de pagar as contribuições. A dificuldade de proceder à completa regularização da dívida, tem levado o legislador a adotar regimes especiais de regularização da dívida, nomeadamente através do seu pagamento em prestações mensais, com redução dos juros de mora vencidos e vincendos170.

Por outro lado, a evolução da realidade e a grande produção legislativa que se seguiu à publicação da Lei n.º 28/84, vieram colocar a questão de saber se este diploma ainda seria adequado e suficiente para responder aos novos desafios e condicionalismos colocados à segurança social. De facto, foram muitas as alterações introduzidas no regime de segurança social, especialmente depois da elaboração do Livro Branco da Segurança Social, com o intuito de responder aos desafios económicos, sociais e demográficos já referidos, os quais, apesar de não serem proibidos pela lei de bases, não encontravam nela um claro suporte legal.

Entre as alterações sofridas, destacamos a implementação da Taxa Social Única, aplicável no regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, pelo Decreto-Lei n.º 140-D/86, de 14 de junho, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 295/86, de 19 de setembro, no valor de 35,5%, montante este que foi alterado para 34,75% pelo Orçamento de Estado para 1995, aprovado pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de dezembro. A taxa social única integrou, com algumas adaptações, as contribuições que antes eram estabelecidas para a previdência social, as quotizações para o extinto Fundo do Desemprego e a contribuição prevista para a cobertura do risco de doenças profissionais. Como salienta Ilídio das Neves, a taxa social única procedeu à integração de taxas anteriores que eram diferenciadas, pelo que deve entender-se a expressão “única” no sentido de “unificada” ou “integrada”171.

Em 1993 ocorreu uma reforma muito importante na segurança social, ditada pela situação económica e demográfica, bem como pela pressão financeira exercida no sistema. Em 1988 e 1989, o rácio entre as contribuições e as despesas correntes atingiu um pico acima dos 100%, as despesas cresceram a um ritmo bastante elevado, levando este rácio a atingir apenas os

83,2% em 1993172. Além disso, o fácil preenchimento do prazo de garantia e a desadequação

geral da legislação vigente obrigaram à reforma de 1993173.

Após a aprovação da primeira Lei de Bases da Segurança Social, tornou-se necessário dar resposta a um conjunto de problemas e preocupações identificados em volta da evolução

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Exemplo disso foi o Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de agosto.

171 Para mais desenvolvimentos sobre a matéria, vd. Ilídio das NEVES, Direito da Segurança Social, obra cit., p. 388 e ss..

172 Cfr. dados constantes do Relatório final elaborado por António Maria Aniceto de CARVALHO, Sistemas de Poupança, obra cit., p. 6. 173 Destacamos o pacote legislativo de 1993, que incluiu o Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de setembro, que estabeleceu o regime jurídico das

pensões de reforma por velhice e invalidez, alargando os respetivos prazos de garantia e alterando as remunerações de referência e as fórmulas de cálculo das pensões; o Decreto-Lei n.º .º 327/93, de 25 de setembro, que procedeu ao enquadramento dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas no regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, e o Decreto-Lei n.º 328/93, de 25 de setembro, que determinou a obrigatoriedade de inscrição e de desconto dos trabalhadores independentes para a segurança social.

futura do sistema de segurança social, que requeriam um novo enquadramento legal. A título de exemplo, citamos as seguintes matérias que careciam de novo enquadramento legal: a necessidade de dar primazia à proteção social de cidadania e à proteção da família, considerados ramos de proteção universais; a necessidade de reforçar a sustentabilidade financeira do sistema, mediante a consagração do financiamento tripartido e a diversificação das fontes de financiamento, a instituição do princípio da adequação seletiva, a alteração das regras de cálculo das pensões e a previsão de novas bases de incidência tributária174.

2.2.3. Lei n.º 17/2000, de 8 de agosto: consagração do direito à segurança social como direito de cidadania

A Lei n.º 17/2000, de 8 de agosto, deu pleno cumprimento ao direito constitucional da segurança social consagrado no artigo 63.º, nº 1 da CRP, como direito de cidadania, instituindo um modelo universal de proteção social.

Com esta LBSS alterou-se a denominação do sistema de segurança social para sistema de solidariedade e segurança social, o qual tinha como objetivos prioritários a promoção da melhoria das condições e dos níveis de proteção social e o reforço da respetiva equidade; a promoção da eficácia do sistema e a eficiência da sua gestão; a promoção da sustentabilidade financeira do sistema, como garantia da adequação do esforço exigido aos cidadãos ao nível de desenvolvimento económico e social alcançado (artigo 2.º).

Foram fixados como princípios gerais do sistema os da universalidade, da igualdade, da equidade social, da diferenciação positiva, da solidariedade, da inserção social, da conservação dos direitos adquiridos e em formação, do primado da responsabilidade pública, da complementaridade, da garantia judiciária, da unidade, da eficácia, da descentralização, da participação e da informação (artigo 4.º).

O sistema de solidariedade e segurança social era composto por três subsistemas, a saber, de proteção social de cidadania, de proteção à família e previdencial (cfr. Anexo I do presente trabalho). O primeiro incluía o regime de solidariedade e a ação social, enquanto o subsistema previdencial abrangia os regimes de segurança social aplicáveis à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem e aos trabalhadores independentes e os regimes de inscrição facultativa.

Esta Lei de Bases veio introduzir uma certa seletividade na atribuição das prestações sociais, no sentido referido por Nazaré da Costa Cabral175, que se traduz não apenas na dependência da atribuição de certas prestações da condição de recursos (artigo 29.º, n.º 3), mas também que o montante das prestações varie conforme os rendimentos do agregado familiar, verificando-se a diferenciação positiva na sua atribuição (artigo 8.º).

A Lei n.º 17/2000 referiu pela primeira vez a possibilidade do sistema público de segurança social desenvolver um regime de prestações complementares públicas, porquanto a Lei n.º 28/84 apenas previa a existência de esquemas complementares de iniciativa privada.

Também se ficou a dever à Lei n.º 17/2000 a introdução dos princípios que atualmente norteiam o financiamento do sistema, o princípio da diversificação das fontes de financiamento e o princípio da adequação seletiva, bem como a profunda alteração do critério de determinação dos montantes das pensões, que vinha do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de setembro, e que limitava-se a considerar como remuneração relevante para fixação do montante global da pensão a correspondente aos melhores 10 anos dos últimos 15 da carreira contributiva. A Lei n.º 17/2000 estipulou o princípio segundo o qual o cálculo das pensões de velhice devia ter por base os rendimentos de trabalho de toda a carreira contributiva, segundo o artigo 57.º, n.º 3 desse diploma legal.

De salientar ainda que esta lei alterou o prazo de prescrição das contribuições, o qual tinha sido fixado em dez anos pelo artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 511/76, de 3 de julho e, posteriormente, pelo artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de maio. Com esta nova LBSS, o prazo de prescrição passou a ser de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.

Foi ainda esta LBSS que clarificou que a obrigação contributiva decorre do exercício de atividade profissional (artigo 60.º), ao contrário do que sucedia no âmbito da Lei n.º 28/84, de 14 de agosto, na qual a obrigação contributiva decorria da remuneração (artigo 24.º). Um exemplo que ilustra bem esta alteração é o despacho de 8 de outubro de 1986 de Sua Excelência o Ministro do Trabalho e Segurança Social (Circular n.º 44, de 30.10.1986)176, que aprovou um conjunto de orientações interpretativas e instruções de execução da Lei n.º 17/86,

175 Vd. Nazaré Costa CABRAL, A Nova Lei de Bases do, obra cit., p. 89.

176 O despacho de 8 de outubro de 1986 de Sua Excelência o Ministro do Trabalho e Segurança Social (Circular n.º 44, de 30.10.1986) foi

posteriormente contrariado, em 1999, por Despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações de Trabalho (Circular n.º 6, de 26.05.1999), na parte relativa ao conceito de retribuição, tendo este último entendido que deveria considerar-se retribuição em dívida não apenas a remuneração base, mas também os outros componentes da retribuição, como o subsídio de férias e de Natal e outros de natureza análoga.

de 14 de junho177, com vista à conveniente aplicação às situações por ela abrangidas em matéria de retribuições em atraso e regime de proteção assegurado pela segurança social. A Lei n.º 17/86 veio conferir ao trabalhador o direito a rescindir o contrato de trabalho ou a suspender a prestação de trabalho em caso de falta de pagamento de retribuição, verificados os requisitos estabelecidos nesse diploma, nomeadamente os relativos aos prazos de atraso no pagamento da retribuição. Durante o período da suspensão, o artigo 7.º do diploma legal em apreço conferia ao trabalhador o direito à perceção do subsídio de desemprego ou à percentagem máxima do subsídio social de desemprego, reforçando o artigo 8.º que os beneficiários com retribuições em dívida não perdiam quaisquer direitos e regalias concedidos pela segurança social. Para concretizar este direito, teriam que ser obtidas remunerações médias com referência a períodos em que não havia registos de remunerações, em virtude de haver retribuições em dívida e não entrega de folhas de remunerações na segurança social. Para o efeito, deveriam as entidades patronais declarar os meses de retribuição em dívida, os quais seriam confirmados pelos serviços da Inspeção-Geral do Trabalho (atualmente, Autoridade para as Condições do Trabalho). Nestes casos, à semelhança do atual regime, a obrigação contributiva subsistia até à suspensão ou rescisão do contrato de trabalho, ainda que não tivesse havido pagamento efetivo de retribuição.