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Princípio da contributividade: equivalência entre o valor das prestações e

CAPÍTULO I O DIREITO FUNDAMENTAL À SEGURANÇA SOCIAL –

1.6. Princípio fundante e princípios estruturantes do direito à segurança social

1.6.2. Princípios estruturantes

1.6.2.9. Princípio da contributividade: equivalência entre o valor das prestações e

O artigo 54.º da LBSS estabelece que “o sistema previdencial deve ser fundamentalmente autofinanciado, tendo por base uma relação sinalagmática direta entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações.”

Tomando por base a relação sinalagmática assinalada, poder-se-á retirar deste normativo a correspondência direta entre o montante das contribuições pagas e o valor das prestações a auferir? Ou seja, será que as contribuições sociais, que têm por finalidade compensar o custo das prestações fornecidas pelo Estado que o indivíduo provoca ou aproveita, não podem ser transformadas num exercício de solidariedade do indivíduo para com a comunidade, onerando aquele em função da sua capacidade económica?

Com base no artigo 54.º da LBSS, parte da doutrina entende que o sistema contributivo baseia-se no princípio da equivalência, segundo o qual o tributo deve ser fixado tendo em conta o valor que o contribuinte atribui aos bens que são prestados pelo Estado, estabelecendo-se uma equivalência de benefício que reproduz a lógica de mercado. Neste sentido, Sérgio Vasques entende as contribuições para a segurança social, na parte relativa às quotizações, como verdadeiras contribuições, distinguindo-as das taxas e dos impostos na medida em que “representam prestações pecuniárias e coativas exigidas por uma entidade

pública em contrapartida de uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo”119 e com uma finalidade compensatória, confirmada pelo destino da receita cobrada, que se encontra consignada. As contribuições são marcadas pelo pressuposto da obtenção de uma prestação social, em troca do esforço contributivo, no caso de ocorrer uma das eventualidades legalmente previstas, tendo por objetivo substituir os rendimentos perdidos em consequência da verificação dessa eventualidade.

Por seu turno, João Carlos Loureiro entende que o princípio da contributividade não estabelece uma relação sinalagmática entre o montante das contribuições e o valor das prestações no sentido de uma correspondência direta120. Na medida em que o sistema previdencial assenta num modelo de repartição e não de capitalização, tem-se, pois, entendido que não vale nesta matéria uma justiça de equivalência entre o montante das contribuições e das prestações121.

Também Ilídio das Neves entende que é “altamente duvidoso que se possa falar numa “relação sinalagmática direta” entre as duas situações jurídicas.” O autor refere várias razões para essa posição, designadamente o facto de algumas prestações serem financiadas mediante o recurso a receitas fiscais; a falta de pagamento das contribuições não imputável aos trabalhadores não prejudicar o direito às prestações, como decorre do disposto no artigo 61.º, n.º 4 da LBSS; serem admitidos, com caráter de generalidade, complementos sociais para garantia de valores mínimos das pensões contributivas, nos termos do artigo 62.º, n.º 3 da LBSS; a diferenciação positiva das prestações poder ser aplicada no sistema previdencial, conforme previsto no artigo 63.º, n.º 3 da LBSS122.

As contribuições mantêm o sinalagma, apesar das prestações não serem efetivas, como sucede nas taxas, nem meramente eventuais, como nos impostos, mas apenas presumidas. Podemos encontrar duas situações específicas em que não existe uma correspondência direta entre o montante das contribuições pagas e o valor das prestações a auferir.

A primeira respeita ao facto de a falta do cumprimento da obrigação contributiva, na vertente da obrigação de pagar as contribuições, que não seja imputável ao trabalhador, não determinar a perda do direito às prestações. Esta regra está prevista no artigo 61.º, n.º 4 da LBSS e espelha o caráter universalizante do direito à segurança social consagrado no artigo 63.º, n.º 1 da CRP. Como realça Nazaré da Costa Cabral, “a função garantística do Direito da

119 Cfr. Sérgio VASQUES, O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Coleção Teses, Almedina, Coimbra, 2008,

citado por Nazaré da Costa CABRAL, Contribuições para a Segurança Social: natureza, aspectos de regime e de técnica e perspectivas de evolução num contexto de incerteza, Cadernos IDEFF, nº 12, Almedina, Coimbra, 2010, p. 49.

120

Vd. João Carlos LOUREIRO, Constituição da segurança social, obra cit., p. 241.

121 Vd. João Carlos LOUREIRO, Constituição da segurança social, obra cit., p. 242.

Segurança Social vai muito para além do que aquilo que seria aceitável num modelo de seguro típico”123, acrescentando que “a Segurança Social exerce uma função social, de atribuição de direitos às prestações sociais, ainda que não seja (pelo menos desde logo) paga para isso.” A lei confere à segurança social mecanismos próprios que lhe permitem efetuar o pagamento das prestações aos beneficiários nestas situações, como sejam, o registo oficioso de remunerações e a responsabilidade criminal ou contraordenacional a que dá lugar o incumprimento das obrigações contributivas postas a cargo das entidades empregadoras.

A segunda respeita ao instituto do registo de remunerações por equivalência, previsto no artigo 17.º do CRCSPSS e que visa impedir que os beneficiários venham a ser prejudicados nas situações em que se verificam as eventualidades protegidas pelo regime geral, em que não existe exercício de atividade profissional e, como tal, existe um hiato contributivo. A lei ficciona nestas situações a entrada de contribuições, a que dá relevância jurídica. Estas situações acontecem sobretudo quando o beneficiário está a receber prestações imediatas da segurança social, tais como subsídios de desemprego, de doença, de parentalidade, não estando nestas situações a ser remunerado pela entidade empregadora e não havendo, como tal, a entrada de contribuições na segurança social. Pretende-se que nestas situações de inatividade o beneficiário não seja prejudicado nos seus direitos à proteção social, nomeadamente no que respeita à formação do seu direito à pensão. Este instituto do registo de remunerações por equivalência é mais uma manifestação solidarista no sistema previdencial que não seria admissível numa lógica de contributividade pura ou no estrito âmbito da sinalagmaticidade da relação contributiva.

O que fica dito evidencia que não existe uma correspondência direta entre o montante das contribuições e o valor das prestações.