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CAPÍTULO I O DIREITO FUNDAMENTAL À SEGURANÇA SOCIAL –

1.6. Princípio fundante e princípios estruturantes do direito à segurança social

1.6.1. Princípio fundante: a dignidade da pessoa humana

O direito da segurança social está construído sobre um princípio basilar do Estado de direito democrático: o princípio da dignidade da pessoa humana, com assento constitucional no artigo 1.º da CRP.

A Constituição baseia o Estado de direito numa conceção antropológica, segundo a qual a pessoa humana constitui o fundamento e o fim da existência do Estado - em primeiro lugar está a pessoa humana, só depois a organização política. Dignidade da pessoa humana entendida nas três dimensões assinaladas por Canotilho: dignidade como dimensão intrínseca do ser humano, dignidade como dimensão aberta e carecedora de prestações e dignidade

63 João Carlos LOUREIRO, Adeus ao Estado social?, obra cit., p. 191 e ss..

64 João Carlos LOUREIRO, Adeus ao Estado social?, obra cit., p. 201 e ss., nos sujeitos distingue os beneficiários, para enunciar o princípio

da universalidade, os prestadores, para assinalar os princípios do primado da responsabilidade pública de prestação, da complementaridade (e da subsidiariedade?), o garantidor, para destacar o princípio da responsabilidade pública de garantia, e os financiadores, para destacar o princípio da pluralidade das entidades financiadoras; relativamente ao território, o autor refere o princípio da territorialidade; nas prestações do sistema, destaca os princípios da generalidade ou da integralidade, da garantia das prestações, da igualdade em matéria de prestações, (da equivalência entre contribuições e montante da prestação?), do aproveitamento do tempo total de serviço, da reserva de lei e criação de prestações, (da proibição de retrocesso social?); quanto à organização e financiamento, o autor distingue os princípios organizacionais da Segurança Social (princípios da unidade, da descentralização, da participação e da cooperação), dos princípios relativos ao financiamento (princípios da sustentabilidade, da autonomia orçamental, da reserva de lei, da diversidade das fontes de financiamento; em relação ao tempo, o autor salienta os princípios da proteção da confiança, da proporcionalidade e temporalidade, igualdade e temporalidade, justiça e sustentabilidade intergeracionais, da adequação temporal da resposta, da tutela ou proteção dinâmica; no que concerne ao procedimento, distingue os princípios de intervenção das associações sindicais e das comissões de trabalhadores na legislação da Segurança Social e o do procedimento administrativo justo; por último, quanto às dimensões cosmopolita, internacional e comunitária da segurança social, salienta os princípios da responsabilidade pela proteção social dos cidadãos portugueses no estrangeiro e o da coordenação.

como expressão do reconhecimento recíproco de uns com os outros65, sendo a segunda referida (dimensão aberta e carecedora de prestações) que legitima e justifica a socialidade (os direitos sociais), traduzida na garantia de “condições dignas de existência”66.

Neste sentido, o direito à segurança social pode ser visto como condição para uma existência condigna, para a efetivação de um mínimo de proteção social, entendido como o “direito à sobrevivência”, sendo uma garantia que deriva sobretudo do princípio da dignidade da pessoa humana. A esta luz, a toda a pessoa humana deve ser garantido um mínimo que lhe permita viver com alguma dignidade, sendo que o direito a um mínimo de proteção social deve ser exigido positivamente ao Estado, para garantia da realização plena do homem.

Nestes termos, incumbe obrigatoriamente ao Estado a garantia das prestações mínimas de proteção social, existindo um dever público em garantir os pressupostos mínimos para uma existência humana condigna, a que correspondem, por seu lado, direitos subjetivos originários a prestações por parte de quem não consegue alcançar esses pressupostos. Canotilho considera mesmo que, atendendo ao seu caráter essencial e até para garantia do direito à vida, “o direito a uma prestação pública que garanta aos carenciados uma existência minimamente digna deve ser considerado como um direito positivo imediatamente vinculante e justiciável, mesmo à margem da lei” e que, por igual razão, “esse direito justifica que ninguém deve ser privado de rendimentos de modo a ficar abaixo do limiar da existência minimamente condigna”67.

O artigo 63.º da CRP, que consagra o direito de todos à segurança social, protege os cidadãos nomeadamente em duas situações, conforme decorre do disposto no n.º 3 do mesmo preceito, a saber, em situações de falta ou diminuição dos meios de subsistência, compreendendo o desemprego, a viuvez, a orfandade e a falta de meios de subsistência tout

court, e em situações de falta ou diminuição de capacidade para o trabalho, abrangendo a

velhice, invalidez, doença. O legislador constitucional pretendeu, pois, assegurar que, em situações de vulnerabilidade suscetíveis de comprometer o acesso a rendimentos, todos os cidadãos não deixem de ter as condições materiais mínimas compatíveis com uma existência condigna68. Decorre, pois, deste dispositivo constitucional que o fundamento do direito à segurança social decorre do princípio da dignidade da pessoa humana, princípio enformador

65 Neste sentido, vd. J.J. Gomes CANOTILHO e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, obra cit., p. 198 e ss.. 66

Neste sentido, cfr., o Acórdão do TC n.º 509/2002, de 19 de dezembro de 2002, proferido no âmbito do Proc. n.º 768/02, sobre o RSI.

67

Cfr. J.J. Gomes CANOTILHO e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, obra cit., p. 818-819.

68 Vd. Maria Inês de Oliveira MARTINS, Do Direito à Segurança Social, in Boletim das Ciências Económicas, Volume LVI, Faculdade de

de todo o sistema de segurança social, nomeadamente do sistema de proteção social de cidadania.

A nossa jurisprudência constitucional tem recorrido várias vezes ao princípio da dignidade da pessoa humana para fundamentar o direito a prestações da segurança social69, o que tem merecido a crítica da doutrina no sentido de que o recurso a este princípio relega para segundo plano o direito à segurança social, o que parece desnecessário, porquanto a nossa lei fundamental consagra expressa e autonomamente este direito70.

No que a esta questão concerne, perfilhamos a crítica formulada por João Carlos LOUREIRO, no sentido de que, apesar do princípio da dignidade da pessoa humana ser a pedra-angular do direito da segurança social, é dispensável o recurso a este princípio para justificar as prestações da segurança social, enquanto garantia de um mínimo para uma existência condigna, na medida em que o direito à segurança social serve de garantia a esse mesmo mínimo e tem consagração específica numa norma constitucional autónoma, sem prejuízo de se poder recorrer àquele princípio a título subsidiário e em situações excecionais.