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CAPÍTULO I O DIREITO FUNDAMENTAL À SEGURANÇA SOCIAL –

1.6. Princípio fundante e princípios estruturantes do direito à segurança social

1.6.2. Princípios estruturantes

1.6.2.1. Princípio da universalidade

Dos artigos 12.º e 63.º, n.º 1 da CRP decorre o princípio da universalidade, consubstanciado no facto de todos os cidadãos ou residentes do país terem direito à segurança social, a qual visa assegurar um certo mínimo vital, independentemente da respetiva situação profissional ou laboral.

Embora a primeira LBSS, a Lei n.º 28/84, de 14 de agosto, consagrasse entre os princípios orientadores do sistema o da universalidade, que se traduzia, à luz do seu artigo 5.º, n.º 2, no “alargamento progressivo do âmbito de aplicação pessoal do sistema”, a verdade é que esse diploma legal ficou muito aquém dos objetivos universalistas, acabando por consagrar um modelo laboralista de proteção social, baseado na lógica do sistema contributivo de proteção dos trabalhadores por conta de outrem71. Só com a Lei n.º 17/2000 é que foi instituído um modelo universal de proteção social, que procura garanti-la a todos os cidadãos enquanto tais e não tendo em conta a sua qualidade laboral ou profissional.

O princípio da universalidade determina que todos têm direito à segurança social, o que se traduz no facto de não ser um direito exclusivo dos cidadãos portugueses, mas ser igualmente extensivo aos estrangeiros e apátridas72, ainda que se possa exigir, quanto aos dois últimos, uma conexão territorial ou, em relação aos nacionais, a residência em território português.

Em relação aos cidadãos não nacionais, existe regulamentação comunitária sobre a coordenação dos sistemas de segurança social73, que estabelece regras comuns destinadas a proteger os direitos dos cidadãos da UE em matéria de segurança social quando estes se deslocam no interior da EU e na Islândia, no Listenstaine, na Noruega e na Suíça. Contudo, esta legislação não substitui os sistemas nacionais por um sistema europeu único, continuando as legislações nacionais a decidir quanto a determinados aspetos, tais como, os beneficiários dos seus sistemas de segurança social, os níveis das prestações e as condições de elegibilidade. O Regulamento (CE) n.º 883/2004, de 29 de abril, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, abrange todos os ramos tradicionais da segurança social e

71 Neste sentido, vd. , Nazaré COSTA, A Nova Lei de Bases do Sistema de Solidariedade e Segurança Social, obra cit., p. 87. 72

No sentido do artigo 63.º, n.º 1 da CRP de acolher o conceito de universalidade em sentido amplo, vd. João Carlos LOUREIRO, Adeus ao Estado social?, obra cit., , p. 202 e ss..

73 Vd. Regulamento (CEE) n.º 1408/71 do Conselho de 14 de junho de 1971, Regulamento (CE) n.º 883/2004 do Parlamento Europeu e do

estabelece como beneficiários destas regras de coordenação comunitárias todos os cidadãos da UE, e respetivas famílias, abrangidos pela legislação de segurança social de um país da UE, sendo aplicáveis aos trabalhadores por conta de outrem e por conta própria, aos funcionários públicos, aos estudantes e aos pensionistas, aos desempregados e às pessoas que ainda não trabalham ou que já deixaram de trabalhar. Também estão abrangidos por estas regras os cidadãos de países não pertencentes à UE e respetivos familiares que residam legalmente na UE. Para determinar a legislação do Estado-Membro aplicável é fundamental precisar a noção de residência, a qual está definida no artigo 1.º, alínea j) do Regulamento (CE) n.º 883/2004, como sendo o “lugar em que a pessoa reside habitualmente”. Havendo divergência entre as instituições de dois ou mais Estados-Membros quanto à determinação da residência para efeitos de aplicação do regulamento comunitário, o artigo 11.º, n.º 1 do Regulamento (CE) n º 987/2009 fornece uma lista de critérios que podem ser utilizados na avaliação da residência de um determinado cidadão, os quais são meramente indicativos e têm como objetivo levar as instituições a estabelecer de comum acordo o “centro de interesses da pessoa em causa”. Quando a ponderação dos vários critérios referidos no n.º 1 do artigo 11.º não permitir às instituições chegar a acordo, é considerada determinante a vontade da pessoa para estabelecer o seu lugar efetivo de residência, tal como se revela a partir de factos e circunstâncias, em especial os motivos que a levaram a mudar de residência, conforme estabelece o n.º 2 do mesmo dispositivo legal.

O artigo 6.º, n.º 1, alínea a) e n.º 4 da Lei n.º 13/2003, de 21 de maio, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de junho74, diploma que revogou o rendimento mínimo garantido, previsto na Lei n.º 19-A/96, e criou o RSI, constitui um exemplo do que acaba de referir-se, na medida em que faz depender o reconhecimento do direito ao RSI, entre outros requisitos e condições gerais, do facto de o requerente possuir residência legal em Portugal há, pelo menos, um ano, ainda que seja cidadão português. Estas duas normas foram recentemente objeto de apreciação por parte do Tribunal Constitucional75, tendo o requerente, o Provedor de Justiça, sustentado o pedido de declaração de inconstitucionalidade com base no facto de a exclusão dos cidadãos nacionais, que residam em Portugal há menos de um ano,

74 Determina o artigo 6.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 13/2003, de 21 de maio, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de junho

que “O reconhecimento do direito ao rendimento social de inserção depende de o requerente, à data da apresentação do requerimento, cumprir cumulativamente os requisitos e as condições seguintes: a) Possuir residência legal em Portugal há, pelo menos, um ano, se for cidadão nacional ou nacional de Estado membro da União Europeia, de Estado que faça parte do espaço económico europeu ou de um Estado terceiro que tenha celebrado um acordo de livre circulação de pessoas com a União Europeia;” e o n.º 4 do mesmo dispositivo legal que “O disposto nas alíneas a), b), e), f), g), i), j) e k) do n.º 1 é aplicável aos membros do agregado familiar do requerente, salvo no que respeita ao prazo mínimo de permanência legal, relativamente aos menores de 3 anos.”.

75 Vd. Ac. do TC n.º 141/2015, de 25 de fevereiro de 2015, proferido no âmbito do Processo n.º 136/14, publicado no DR, 1.ª série, n.º 52, de

da titularidade do RSI lesar o princípio da universalidade, constante do artigo 12.º, n.º 1 e do artigo 63.º, n.º 1 da CRP, o princípio da igualdade, constante do 13.º da CRP, e contrariar o direito a um mínimo de existência condigna, que decorre dos artigos 1.º, 2º e 63.º, n.º 1 e 3 da CRP. O TC veio a declarar inconstitucionais os mencionados dispositivos legais por violação do princípio da igualdade76, dispensando a análise da questão em apreço à luz do princípio da universalidade convocado pelo requerente77. Mais recentemente, o mesmo órgão jurisdicional declarou a inconstitucionalidade do artigo 6.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 do mesmo diploma legal, que fixa um prazo de 3 anos de residência legal em Portugal aos cidadãos estrangeiros para poderem beneficiar do RSI, com base na violação do princípio da proporcionalidade78.

À luz do princípio da universalidade, podemos questionar se o acesso à generalidade das prestações da segurança social deve estar sujeito a prova de recursos, ou seja, se deve ser exclusivo dos cidadãos carenciados, cujos rendimentos se situem abaixo de um determinado limite legalmente fixado. A resposta a esta questão não é inteiramente pacífica, alguns autores defendem que “os direitos sociais, enquanto direitos específicos, não são direitos de todas as

pessoas, mas apenas das que precisam, na medida da necessidade”79, não sendo neste caso a

universalidade do direito mais do que uma exigência da igualdade de tratamento, devendo ser prosseguida quando se verifique escassez de recursos, fazendo a “diferenciação entre os que

precisam e os que não precisam, ou entre os que precisam mais e os que precisam menos”80.

Quanto a esta questão, acompanhamos o entendimento de Maria Inês de Oliveira Martins no sentido de que, não obstante o direito apenas ser exercido quando estiverem preenchidos os respetivos pressupostos concretos, a exigência constitucional da universalidade só fica satisfeita com a perspetiva não assistencialista da segurança social, isto é, não redutora do

76 Considerou o citado Ac. do TC n.º 141/2015, de 25.02.2015, que “(…) Ao impor que os cidadãos portugueses comprovem ter pelo menos

um ano de «residência legal» em Portugal, o legislador ordinário está a instituir um regime mais gravoso de acesso ao RSI para um grupo específico de portugueses. Como sustenta o requerente, em causa estarão «situações [...] em que cidadãos portugueses acabados de regressar a Portugal, por terem voluntariamente decidido ou até sido forçados a abandonar o país de acolhimento, [...] se confrontam com o peso de uma condição pessoal de debilidade económica».

77 Refere o mesmo Ac. do TC n.º 141/2015, de 25.02.2015, que ““ quanto a este (princípio da universalidade) sempre se poderá dizer que

«(a) universalidade típica dos direitos fundamentais apenas vale enquanto expressão da sua qualificação axiológica como direitos de igualdade, de modo que não pode pretender-se basear na universalidade outras exigências normativas para além daquelas que podem ser feitas ao legislador em função do respeito devido ao princípio da igualdade de tratamento», convocando a argumentação de Vieira de ANDRADE, O “Direito ao Mínimo de Existência Condigna” como Direito Fundamental a Prestações Estaduais Positivas – Uma Decisão Singular do Tribunal Constitucional – anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 509/02, Jurisprudência Constitucional, nº 1, Jan/Mar 2004, pág. 26.

78 Cfr. Ac. do TC n.º 296/2015, de 15 de junho de 2015, proferido no âmbito do Processo n.º 1057/14, publicado no DR, 1.ª série, n.º 114, de

15 de junho de 2015, onde se refere que “a imposição de um prazo de 3 anos – que se traduz na negação da concessão de meios de sobrevivência a um cidadão estrangeiro em situação de risco social, antes de decorrido esse período - é excessiva, colidindo, de modo intolerável, com o direito a uma prestação que assegure os meios básicos de sobrevivência. Com uma tal duração, o prazo definido constitui um sacrifício desproporcionado ou demasiado oneroso, em face da vantagem associada aos fins de interesse público que se visa atingir com a sua fixação.”.

79

Vd. Vieira de ANDRADE, O “Direito ao Mínimo de Existência Condigna”, obra cit., pág. 26, reforçado por José Casalta NABAIS, O financiamento da segurança social em Portugal, obra cit., p. 630-631.

sistema às prestações não contributivas que beneficiariam apenas os não trabalhadores ou trabalhadores com pouca capacidade contributiva81.

1.6.2.2. Princípio da solidariedade: direito de solidariedade versus dever de