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Limites à ação estatal no âmbito tributário

No documento Legalidade tributária e prática fiscal (páginas 55-59)

CAPÍTULO 1 SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

1.3 Princípios no Direito T rib u tário

1.3.4 Limites à ação estatal no âmbito tributário

Diante do extraordinário poder estatal no exercício de sua competência tributária, podendo, normalmente sem se preocupar com a capacidade contributiva dos sujeitos passivos, até mesmo turbar e restringir a liberdade do cidadão, bem como arrebatar seu direito de propriedade, sem que este seja oponível à sujeição fiscal por guardar limitações e caraterística de subjacência frente ao poder impositivo, este tem fluído através de parâmetros sem qualquer eqüidade.

Na realidade, resultam os aludidos direitos e outros, cada vez mais minimizados e debilitados diante da crescente dimensão da investida fiscal, conduzida à força, com todas as vicissitudes decorrentes, como aponta Edmar Oliveira Andrade Filho54:

“Todavia, a imposição desse tipo de obrigação, em contrapartida de um direito estatal, não pode ficar sem um conjunto de princípios conformadores dos limites desse direito e que garanta que os tributos não se tomem instrumentos de aniquilamento de direitos e garantias individuais.

Tal é a magnitude desse direito estatal de arrecadar tributos que o mesmo atua num patamar superior a alguns princípios e garantias individuais, na medida em que o particular que pratica a conduta descrita como geradora da obrigação tributária validamente imposta, deve se despojar de seu patrimônio, que é alcançado por garantia constitucional de resguardo do direito de propriedade, sem que possa invocar essa proteção constitucional. As exações tributárias ferem também, de forma inapelável, a liberdade dos cidadãos, porquanto as leis tributárias estabelecem relações jurídicas por sua própria força, sem indagar se o sujeito passivo quer ou não a elas se integrar.”

Diante da sanha arrecadatória com tendências expansionistas permanentes, sistematicamente à beira da ilegalidade quando não nesta adentrando, o legislador constituinte teve a sensibilidade acurada de balizar pelo menos alguns limites que, apesar dessa realidade, vêm sendo contínua e agressivamente desrespeitados pelo Fisco.

Essa coerção do Estado sobre os cidadãos sempre se justificou em nome do interesse público para se converter em lei. De qualquer modo, era de tal envergadura a necessidade de constar da Carta Magna um mínimo de proteção aos contribuintes que alguns princípios ali foram inclusive codificados na esteira das motivações alinhadas por Edmar Oliveira Andrade Filho55:

“Esses princípios estão codificados nos arts. 150 a 152 da Carta Magna sob a rubrica ‘Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar’ e atuam sempre em favor daqueles que são convocados a contribuir com os tributos necessários à manutenção do Estado brasileiro. A significação de tais princípios como garantes de que os tributos só poderão ser exigidos com a conformação da competência tributária traçada na Carta Magna foi muito sintetizada pelo Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, em erudito despacho que proferiu nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 712-2 DF (DJU 1 de 09.08.93, p. 15.685).

Na ocasião o ilustre Ministro teceu, com profundidade peculiar, densas considerações sobre a significação dos princípios constitucionais tributários, dizendo: ‘ Sobre representarem importante conquista político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos individuais aos particulares pelo ordenamento estatal. Desde que existem para impor limitações ao poder de tributar do Estado, esses postulados têm por destinatário exclusivo o poder estatal, que se submete à imperativídade de suas restrições ’.”

Embora os princípios antes invocados decorram e guardem estreita simbiose com as garantias fundamentais da Carta Política, como defende escorreitamente parcela da doutrina que, com acerto, visualiza nessa circunstância sua impossibilidade de supressão através de Emendas Constitucionais, já que, nesse caso, estariam aquelas sob o pálio e fariam parte das denominadas cláusulas pétreas, o Poder Judiciário resiste em se posicionar dessa forma, inobstante comungue das posições que se situam a um passo dessa opinião, como demonstram as considerações extraídas da obra de Edmar Oliveira Andrade Filho56:

“A análise individual de cada um desses princípios constitucionais tributários revela que os mesmos decorrem da explicitação dos princípios e garantias fundamentais ou constituem elementos limitadores ao exercício da competência tributária, e que foram eleitos pelo poder constituinte originário na busca da realização dos princípios fundamentais indicados na Carta Política.

Todavia, a colocação dos princípios informadores do ‘poder de tributar’ ao lado, e portanto com a mesma dignidade, dos princípios relativos aos direitos e garantias fundamentais, enfrenta resistências na nossa mais alta corte. Com efeito, no Supremo Tribunal Federal, essa questão já foi amplamente debatida, em sessão plenária, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 939-7

55 Idem, p. 29. 56 Idem, ibidem.

DF - Medida Liminar (RJSTF - Lex 186:69), em 15.9.93, oportunidade em que se discutiu se o princípio da anterioridade tributária, previsto no art. 150, III, b, da Constituição Federal, que veda a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, seria ou não suscetível de supressão por emenda à Constituição.”

O poder tributante, além de ter a obrigação constitucional de manter incólumes os direitos e garantias constitucionais, na edição de leis e atos normativos na esfera tributária, deve ainda, quando da aplicação desses comandos, respeitar os princípios insculpidos no artigo 37, caput, da Constituição Federal, sem o que sua atuação, também sob esse ângulo, estará fadada a descambar para a ilegalidade ou inconstitucionalidade. Esses pressupostos condicionam toda a ação fiscal, inclusive a edição do ato legislativo do qual emana, como se pode ver a seguir:

“Mas não basta apenas que o capítulo dos direitos e garantias individuais seja observado pelo legislador tributário. É necessário que se observem os princípios da administração pública previstos nos arts. 37 e 38 da Carta Magna, pois a imposição de tributos não pode ser feita de forma desarrazoada e imotivada. O Poder Público, por qualquer de suas formas de manifestação está jungido ao princípio da moralidade administrativa e, por isso, lhe são vedadas práticas que desvalorizem esse princípio, tanto por ocasião da formulação quanto da aplicação das leis tributárias.

Além disso, os tributos, por representarem uma intervenção do Estado no domínio econômico, devem ser instituídos preservando e fazendo valer os princípios fundamentais da República encartados no art. Io da Carta Magna, dentre os quais o da livre iniciativa. Portanto, é vedado ao legislador tributário criar exações que possamc n inviabilizar ou cercear essa livre iniciativa.”

Outras vozes58 também defendem a aplicação do princípio da moralidade na tributação por parte do ente tributante, o que, apesar de encerrar generalidade, tem velada procedência, de modo especial face ao status de princípio que agrega, embora se presencie, lamentavelmente, a reticência do Judiciário em privilegiar e fortalecer sua aplicação nos casos concretos.

Com certeza, se a postura do Judiciário fosse outra, fazendo valer na norma individual e concreta59 uma configuração das relações jurídicas entre Fisco e contribuinte representativa de um efetivo afastamento das ilegalidades e abusos por aquele praticados nas entrelinhas ou

57 FILHO, Edmar Oliveira Andrade. Idem, p. 31.

58 Dentre essas MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). O princípio da m oralidade no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. Pesquisas Tributárias. Nova série, n° 2.

quiçá, atingir um nível de civilidade pelo menos razoável.

Não obstante se reconheçam as dificuldades em matéria legislativa que a questão apresenta, mesmo assim Ives Gandra da Silva Martins60 não deixa de manifestar importantes considerações quanto à aplicação do princípio da moralidade, inclusive, em sede de produção legislativa, como ora se demonstra: “Mas, a meu ver, macula a ética e a moralidade toda a produção legislativa que fira a Constituição e os princípios gerais de Direito, com a possibilidade, mesmo que o parlamentar não tenha agido em beneficio próprio, ser responsabilizado.

E, à evidência, com muito mais razão, o presidente, que, sendo legislador único a produzir medida provisória que dilacere a moralidade pública, pode e deve ser responsabilizado, notadamente, se a medida estiver em fase de reedições.”

Porém o Judiciário, embora atue como legislador negativo, diante de tantos descomedimentos reiteradamente praticados pelo poder tributante, não pode, sob a esquiva de que não lhe é dado substituir o legislador, deixar de coibi-los com decisões arrojadas e fulcradas principalmente nos fundamentos constitucionais autorizativos, sob pena de, em inversão da lógica e interpretação assente do Direito, equivocadamente - ou sem superar a mera formalidade - priorizar a prestação jurisdicional nos casos concretos em função de normas isoladas e contraditórias a princípios constitucionais. Não é essa postura que dele se espera.

Raros exemplos positivos de decisões judiciais progressistas61 se colhem nos tribunais quando é de se fazer valer um princípio para desconstituir uma exigência tributária. Deveria ocorrer justamente o contrário, com o Poder Judiciário dando eficácia às normas e princípios

60 Op. cit., p. 34.

Em nota de rodapé (idem, p. 34-35) comenta esse mesmo autor: “Escrevi, quando da edição do Plano Collor I: ‘ Os presentes comentários já estavam prontos e revistos quando o Poder Executivo, com inumeráveis medidas provisórias, alterou pontos fundamentais da ordem econômica, do sistema tributário, dos direitos fundamentais da cidadania e de variados outros aspectos pertinentes à ordem constitucional.

A título de combater inflação, maculou seriamente a Constituição Federal, pisoteando o direito à propriedade, as prerrogativas do contribuinte e os princípios estruturais da ordem econômica, na maior intervenção do Estado na vida do cidadão que a história brasileira registrou e que nem os regimes autoritários anteriores causaram.

O Brasil deixou de ser um estado cuja ordem econômica é configurada pela livre iniciativa e pela livre concorrência, para se tomar um Estado socialista, que permite que a livre iniciativa exista, desde que subordinada ao pequeno grupo que cerca o presidente e nos termos enquanto o grupo desejar’. (Comentários à Constituição do Brasil, 6o v., 1.1, Saraiva, 1990, p. 581).”

constitucionais, justamente como prestígio desses instrumentos à limitação dos excessos estatais.

No documento Legalidade tributária e prática fiscal (páginas 55-59)