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Sanções políticas

No documento Legalidade tributária e prática fiscal (páginas 123-126)

CAPÍTULO 2 LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

2.4 Limites das Sanções T ributárias

2.4.1 Sanções políticas

Sempre atentatórias aos postulados constitucionais e sistematicamente repelidas pelo Poder Judiciário, as denominadas sanções políticas são esferas preferidas pelo Fisco para canalizar ilegalidades que, por outra via, não teria coragem de fazer, já que nesse caso estaria exposto em demasia a severas críticas e, então, à virtual censura judicial. Hugo de Brito Machado bem resume essa realidade: “Prática antiga, que, no Brasil, remonta aos tempos da ditadura de Vargas, é a das denominadas sanções políticas, que consistem nas mais diversas formas de restrições a direitos do contribuinte como forma oblíqua de obrigá-lo ao pagamento de tributos.” 183(Grifos no original.)

Os direitos e garantias individuais insculpidos na Constituição Federal não admitem revogação, nem sequer mitigação por vias oblíquas, muito menos por atos legais ou normativos emanados do Fisco que, velada ou sutilmente, se destinem exatamente a reduzir ou até excluir o alcance e eficácia daquelas, como tem cristalizado com elevada insistência a legislação tributária.

Essa predileção do Fisco em encontrar no comodismo e arbítrio das sanções políticas mecanismos intimidatórios para compelir o contribuinte ao pagamento de tributos sem a observância das garantias constitucionais a estes asseguradas, principalmente o devido processo legal, é incompatível com o Estado Democrático de Direito. Novamente a lição abalizada de Hugo de Brito Machado alerta para o risco que a prática fiscal representa quando pautada nessa diretriz: “Apesar de inconstitucionais, as sanções políticas são hoje largamente praticadas, no mais das vezes por puro comodismo das autoridades da Administração

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Tributária, que nelas encontram meio fácil de fazer a cobrança de tributos.”

A gravidade e o ferimento das sanções políticas aos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal, em particular o princípio da legalidade, residem na dimensão considerável dos danos que provocam aos destinatários, na quase totalidade dos casos, sobremodo quando aplicada mais de uma, concomitante ou sucessivamente, normalmente produzindo efeitos isolados ou contextuais hábeis, inclusive à inviabilidade de sua atividade produtiva, o que, por si só, impede a aplicação dessas reprimendas185, considerando-se ainda a

183 Curso de direito tributário, p. 378. 184 Idem, p. 378-379.

existência de outras possibilidades ao dispor do Fisco para atingir os mesmos fins, inobstante por comodidade sejam alvejados somente através das sanções políticas em preterimento daquelas.

Como se não bastasse essa realidade por si só já bastante desalentadora, a prática fiscal vigente tem demonstrado uma moldura ainda mais perversa quando, mesmo sendo censurada por medida judicial protetiva contra essas arbitrariedades, continua praticando-as indiferente à tutela jurisdicional deferida, na maioria dos casos, até para com o próprio destinatário da proteção judicial conferida, sob os mais variados e incríveis pretextos, esgrimando para tanto fundamentos esdrúxulos, como, por exemplo, não ser a infração praticada da mesma natureza daquela motivadora da sanção afastada, tratar-se de hipótese diversa, ser outro caso, etc.

A legalidade a que devem cega obediência, para determinadas autoridades fazendárias, quando favorável ao contribuinte ou limitadora de suas ações, é aspecto insignificante a ser criativamente contornado186. Uma prova contundente dessas ocorrências prescinde de estatística, podendo ser facilmente colhida no elevado número de Mandados de Segurança impetrados com esse objeto diariamente nos tribunais.

Entre as sanções políticas mais usuais estão “ a apreensão de mercadorias em face de pequena irregularidade no documento fiscal que as acompanha, o denominado regime especial de fiscalização, a recusa de autorização para imprimir notas fiscais, a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes, a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte, entre muitos

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outroá’ . Sobre a ilegal apreensão de mercadorias , é preciso não confundir com mera

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

186 MACHADO, Hugo de Brito, idem, p. 379: “Enquanto ninguém for responsabilizado pelas práticas ilegais, o fisco vai continuar agindo de forma arbitrária, porque as autoridades não estão preocupadas de nenhum modo com a legalidade.”

187 MACHADO, Hugo de Brito, idem, p. 378.

188 A Súmula n° 323 do Supremo Tribunal Federal prescreve: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.”

A Súmula n° 70 do Supremo Tribunal Federal diz: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.”

retenção, esta em princípio lícita e permitida, quando necessária ao seu exame, bem como coleta da prova material por parte de agentes fazendários para eventual autuação, limitada, porém, ao tempo necessário para citadas providências.

Uma outra faceta preocupante das sanções políticas à luz da legalidade tributária é sua exagerada utilização como meio coercitivo ao pagamento de tributos justamente quando a Administração Tributária não é provida de auto-executoriedade nesse aspecto, contudo insistindo em fazer verdadeira execução indireta pelas próprias mãos, longe do Judiciário, em retomada de resquícios ditatoriais que lembram os “ anos de chumbo” onde foi cunhado o hoje ainda vigente Código Tributário Nacional. Tanto é assim que sequer uma multa tem poder de exigir sem que seja através do processo administrativo estatuído na legislação vigente, sempre preservado e mantido o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, quanto mais gravames ou punições que vão muito além da mera - porém já importante - imposição de uma multa.

Por essas razões e nessas circunstâncias, a coerção pelas sanções políticas é sempre inconstitucional e ilegal quando empregada de forma inapropriada como de modo vezeiro faz o Fisco, inclusive em desvio de finalidade, expondo-se de plano à velada nulidade diante dos vícios antes indicados189.

Uma alternativa para tolher os danos que a utilização de sanções políticas de forma desmedida vem atormentando os contribuintes é apontada, acertadamente, por Hugo de Brito Machado, quando assevera: “O caminho para inibir ás sanções políticas é a ação de indenização por perdas e danos contra a entidade pública, com pedido de citação também da

A Súmula n° 547 do Supremo Tribunal Federal enuncia: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.”

Quanto a esta última orientação, cumpre dizer que o Fisco, sempre todo-poderoso e ameaçador, parece ignorar a Constituição Federal vigente e o posicionamento cristalizado dos tribunais sobre determinadas vedações a seus abusos, mesmo naqueles casos cujos governos teoricamente são mais democráticos. Um exemplo mais recente dessa realidade verte nas palavras do Secretário da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul quando veiculou na imprensa promessa de não mais fornecer talonários de notas fiscais às empresas que não estivessem em dia com suas obrigações tributárias quando tal postura, se concretizada, incidirá em velada

inconstitucionalidade, a teor da citada Súmula 547 do STF e, por ofensa literal, dentre outros, aos artigos 5o,

inciso XIII e 170, § único, ambos da Constituição Federal.

189 Nesse sentido a Súmula n° 127, do Superior Tribunal de Justiça, prescreve:

“É ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado.”

Ou, ainda: No REsp. n° 89.597-SP, Rei. Min. José Delgado, entendeu o STJ que “o administrado, em face do princípio da ampla defesa, não está condicionado ao pagamento de percentual da multa aplicada pela Administração para que só então lance mão do recurso administrativo” (DJU de 21.06.1996). FELIPE, Jorge Franklin Alves. Direito tributário na prática forense. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 25.

autoridade responsável pela ilegalidade, tudo com fundamento no art. 37 e seu § 6o, da vigente Constituição Federal. A sanção política, conforme o caso, pode causar dano moral, dano material e lucros cessantes, tudo a comportar a respectiva indenização, desde que devidamente demonstrados.” 190

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