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Sanções penais no âmbito tributário

No documento Legalidade tributária e prática fiscal (páginas 126-128)

CAPÍTULO 2 LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

2.4 Limites das Sanções T ributárias

2.4.2 Sanções penais no âmbito tributário

No âmbito das relações tributárias, as sanções penais, quando a natureza da repressão por óbvio é muito mais grave e densa, têm na prática fiscal abrigado verdadeira tirania, com agressões veladas de toda sorte contra a ordem jurídica constituída, e, fundamentalmente, as mais comezinhas lições seculares do Direito Penal. A produção legislativa nesse segmento, fomentada não raras vezes por arroubos falaciosos e apelos circunstanciais do momento, do tipo “a ordem pública está ameaçada!’ , o “ caos social se instaura!’ , e outros, tem conduzido ao arbítrio, bem como inconseqüente e injustificável criminalização esdrúxula de condutas, além da exacerbação de penas restritivas de liberdade191 e, por incrível que pareça, até mesmo a tentativa de aniquilar os sagrados direitos e garantias constitucionais do exercício à ampla defesa, devido processo legal e contraditório.

Ao mesmo tempo em que necessária uma legislação penal contributiva para reduzir a evasão fiscal, também resta inegável a incoerência do Estado ao pretender, sob esse pretexto, substituir sua truncada Administração Tributária pela exasperação das penas e criminalização de condutas192, para suprir nessa exclusiva medida suas próprias deficiências. Igualmente incontroversa a inadequação desse mecanismo para radicalizar a questão, na busca de mais e mais receitas para os cofres públicos, de vez que tal postura também provocará resistência diante dos excessos de poder e descomedimentos que desencadeia, em uma reação natural.

190 Op. cit., p. 379.

191 Um singelo exame da legislação tributária penal, principalmente da Lei 8.137/90, já é mais do que suficiente para confirmar essa realidade. Como se não bastasse, é comum o oferecimento de denúncia nos denominados crimes fiscais por parte do Ministério Público contemplando, cumulativamente, diversas condutas, muitas delas atinentes a pretensos crimes-meio, mediante capitulações específicas para cada uma, em inadvertido desígnio de lograr, ao final da persecução penal, a condenação do acusado a somatório de penas que faria, por exemplo, qualquer veterano líder do tráfico de drogas se sentir no paraíso. Mais uma vez aqui o conteúdo da lei tem se prestado a distorções incompatíveis com a Constituição Federal e seus princípios mais salientes.

192 MARTINS, Ives Gandra da Silva, op. cit., p. 16, esclarece: “A periculosidade, no direito penal, não se assemelha à do contribuinte, que dolosa ou culposamente procura não pagar seus tributos, até porque, em seu

Não é por acaso que já se houve até mesmo parlamentar propagando que, da forma que está hoje o Sistema Tributário Nacional, a desobediência civil já é uma realidade. A gravidade desse quadro, cujo incentivo e contribuição para o descalabro continua partindo do próprio Estado, no mínimo exige cautela, quando prioriza a repressão como solução.

A manipulação a manu militari da legalidade pela entidade tributante quando movida pela perspicácia arrecadatória converte meras infrações tributárias em infrações penais, além de contrastar com os primados constitucionais, exige no mínimo prudência por parte tanto dos legisladores e, com muito mais razão, dos operadores do Direito. Essa transição extremamente grave e capaz de causar lesões irreversíveis e irreparáveis sob diversos enfoques, ao livre alvedrio do Poder Executivo como vem sendo tratada, ou no mínimo sob o olhar complacente do Legislativo, reclama imposição de rígidos limites e regramentos, sem o que, mais uma vez, o conteúdo axiológico da tirania fiscal resultará vertido em linguagem jurídica, mediante texto normativo que fere a Constituição Federal vigente e funde Estado com Direito, como se tal junção fosse possível. Paulo José da Costa Jr. e Zelmo Denari bem observam a facilidade que tal hipótese tem para se materializar, eis que “a conversão de uma infração tributária em delito fiscal é mera questão de política criminal, na exata medida em que para alcançar aquele resultado basta converter o ‘tipo administrativo’ em ‘tipo penal’.” 193

Essa panorâmica digressão às sanções penais no âmbito tributário não colima tão- somente potencializar a visão de alguns sobre os desajustes visíveis, mas, com prioridade, alertar para a utilização desse mecanismo repressivo para atingir fim comprovadamente diverso e repugnado pela legislação tributária, qual seja: a cobrança de tributos por meio não autorizado constitucionalmente e que, ao final, é a ameaça ou o efetivo encarceramento do contribuinte inadimplente. Tanto é assim que a maior prova dessa realidade encontra-se no artigo 34, da Lei 9.249/95194, ao permitir a extinção da punibilidade havendo pagamento do tributo que deu causa à ação penal, quando é feito antes do recebimento da denúncia.

íntimo, o contribuinte que assim procede não se convence da legitimidade da pretensão estatal, nela muitas vezes vendo uma forma de o Estado apropriar-se de bens que não lhe pertencem.”

193 Infrações tributárias e delitos fiscais, p. 82.

194 Dispõe citado dispositivo in verbis: “Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei n° 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei n° 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”

Como a prisão civil por dívidas é constitucionalmente vedada195, o Fisco, mais uma vez maleando a legalidade tributária a seu bei talante e para atender seus próprios e exclusivos interesses, logra, nesse ardil, levar à prisão, por via indireta, aqueles que não recolherem os tributos que exige, até quando a inadimplência comprovada for a única causa do referido descumprimento.

O conteúdo antiisonômico dos preceitos legais que orientam a prática fiscal que se sujeita ao seu inteiro cumprimento, no que repercute aos contribuintes seus destinatários finais, é a principal causa do hiato que hoje separa contribuintes e Fisco. Exemplo dessa realidade se colhe, dentre tantos, no artigo 136, do Código Tributário Nacional196, que contempla a responsabilidade objetiva para as infrações tributárias, isto é, ignora a intenção do agente ou responsável, despreza a aferição e presença necessária do dolo ou culpa (elemento subjetivo) por parte daquele, para que sua conduta seja possivelmente antijurídica. Sua inconstitucionalidade frente ao disposto no primado constitucional da presunção de inocência, conforme reza o artigo 5o, inciso LVII, da Carta Política, é patente. Suas conseqüências, quando transpostas para a materialidade delitiva penal, desastrosas.

No documento Legalidade tributária e prática fiscal (páginas 126-128)