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1.10 – LIMITES MORAIS, ÉTICOS E SOCIAIS AO DIREITO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL DOS OGMS (UMA CONTRIBUIÇÃO

DE JÜRGEN HABERMAS E HANS JONAS COM O QUE CHAMOU “O

PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE”)

Para abordarmos a questão dos limites morais, éticos e sociais ao Direito de Propriedade Intelectual das OGMs, utilizaremos os estudos desenvolvidos por Jürgen Hbermas68 e Hans Jonas.69

De 1956 a 1959, Jürgen Habermas colaborou estreitamente com Adorno no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, sendo que, em 1968, transferiu-se para Nova York, passando a lecionar na New Yorker New School for Social Research.

Na obra O Futuro da Natureza Humana,70 o filósofo da Escola de Frankfurt da ética do discurso dedica-se a questões éticas de suma importância para a sociedade contemporânea.

O Futuro da Natureza Humana está calcado em duas conferências: a primeira delas, apresentada em 9/7/2000, na Universidade de Zurique, ocasião em que Habermas recebeu um prêmio, foi baseada no texto “Moderação Justificada”, e a segunda, baseada em outro texto denominado “Fé e Saber”, serviu de base para outra conferência, em 14/10/2000, na qual recebeu outro prêmio.

Na página 39 da obra em tela,71 especificamente na nota de rodapé 19, o autor comenta qual seria o objetivo fundamental do livro aqui discutido, qual seja tentar responder à seguinte questão:

Quais são os princípios morais mais básicos que poderiam guiar a política pública e a escolha individual em relação ao uso de intervenções genéticas em uma sociedade justa e humana, em que os poderes da intervenção genética serão muito mais desenvolvidos do que hoje?

Além de o livro ser composto dessas conferências acima referidas, apresentadas por ele entre 2000 e 2001, contém também um posfácio, no qual o autor esclarece sua posição sobre eugenias liberais, transmitidas nas duas conferências dantes mencionadas.

Na primeira das conferências – Moderação Justificada – encontram-se alusões pós-metafísicas para a questão sobre a “vida correta, ou não-fracassada”, na qual o autor parte da distinção entre a teoria kantiana da justiça e a ética do “ser si mesmo” de Kierkegaard,72 (filósofo existencialista) e a necessidade de a filosofia adotar uma posição moderada no que tange às questões substantivas acerca do que consiste uma vida boa, correta ou não fracassada.73

68 Jürgen Habermas, nascido em 1929, em Gummersbach, é considerado um herdeiro direto da escola de Frankfurt. Licenciou-se em 1954, com um trabalho sobre Schelling (1775-1854), intitulado O Absoluto e a

História.

69 Jonas, O Princípio Responsabilidade.

70 Habermas, O Futuro da Natureza Humana, São Paulo, Martins Fontes, 2004. 71 Ibid.

72 Sören Kierkegaard confronta a concepção ética com a estética, e com isso acaba fornecendo o ponto de referência filosófico tratado por Habermas em O Futuro da Natureza Humana, p. 1, 8-9, 11-5, 13 n. 7, 19, 86 n. 53. São Paulo, Martins Fontes, 2004.

73 Habermas cita Nietzsche e Adorno: referindo-se ao fato de que a vida correta foi considerada, por muito tempo, campo da filosofia, e que a Ética, regrediu à ciência triste, porque, quando muito, ela permite reflexões originadas a partir da VIDA PREJUDICADA.

Antigamente, a filosofia74 consistia em um conjunto de conselhos práticos acerca do que seria uma vida boa e feliz, mas, atualmente, encontra-se restrita às questões de justiça e moral, em suas propriedades formais, concernentes aos processos de tomada de decisões morais e jurídicas, sem, contudo, manifestar-se sobre o conteúdo das formas de vida ética.

Por isso Habermas (à semelhança de John Rawls) adota uma posição procedimentalista75 de justiça. Segundo Habermas, Kierkegaard foi o primeiro a ter respondido à questão ética fundamental com um conceito pós-metafísico – o conceito de “poder ser si mesmo” – concluindo que, embora Kierkegaard tente oferecer uma resposta pós-metafísica à questão ética fundamental, não consegue oferecer uma resposta pós- religiosa.

A referência a Deus apresenta-se como indispensável ao existencialista. Uma autocompreensão religiosa parece ser necessária a uma consciência moral pós-convencional.

Na verdade, Kierkegaard tenta superar Kant e Sócrates à luz da fenomenologia psicológica, considerando o “ser si mesmo” como padrão de forma de vida correta, mas deixa claro que o abismo entre fé e saber não pode ser superado pela sapiência dos seres finitos.

Habermas entende que a linguagem é o único veículo possível na discussão acerca da vida correta, não obstante entender que deve ser ela eminentemente pública, tanto quanto o acordo sobre a vida boa.

Parece-nos que Habermas chega a concordar com a posição de Kierkegaard sobre a necessidade de considerar as respostas religiosas, no que concerne à vida boa ou correta, prescrevendo que devem ter direito à voz, na discussão, todas as posições religiosas que se sentirem ofendidas.

É importante ressaltar que Habermas parece estar sugerindo que a integração da perspectiva religiosa ao debate público tome lugar, não em uma ética privada e individual, mas sim em uma ética da espécie.

No caso da ética do indivíduo, em um contexto de pensamento pós-metafísico, a moderação da filosofia diante de respostas substanciais é justificada.

No entanto, a moderação quanto à vida correta tem seu limite, porque, para o autor em comento, quando discutimos questões que dizem respeito à ética da espécie, entra em jogo a autocompreensão ética da espécie.

A filosofia, então, não pode mais se abster de questões substantivas no momento em que o desenvolvimento da biotecnologia moderna veio a possibilitar intervenções de um tipo completamente novo, que podem afetar significativamente a autocompreensão normativa da espécie como um todo. Essas intervenções minam a fronteira entre aquilo que somos naturalmente e aquilo que damos a nós mesmos.

Habermas não adota uma atitude de oposição radical ao desenvolvimento científico enquanto tal, mas sim uma oposição ao prejuízo que a disponibilidade e uso não regulamentado dessa tecnologia poderiam causar à autocompreensão normativa de pessoas que agem de maneira responsável e autônoma.

74 Sobre isso, Habermas comenta que a ética do juízo (Enunciados Universais sobre o “modo de ser si mesmo” possuem valor normativo e força de orientação), se obtém do direcionamento determinado de projetos de vida individuais e de formas de vidas particulares (satisfazendo as condições do pluralismo ideológico). Contudo, quando novas questões, como as de ordem biotecnológicas entram em jogo, a Filosofia não pode mais se furtar a tomar posição a respeito de questões de conteúdo, por exemplo, sobre a “Ética da Espécie”, esbarrando nesses LIMITES.

75 A adoção da perspectiva procedimentalista, não é, na verdade, segundo Charles Feldhus, da Universidade Federal de Santa Catarina e um dos comentadores da obra em tela, uma opção, mas sim quase uma imposição, após a derrocada das respostas metafísicas às questões éticas, morais e de justiça.

A programação genética, de algum modo, interfere na autocompreensão normativa do indivíduo programado, de tal modo que ele não pode se entender como único autor de seu projeto de vida, mas sim com um projeto de vida limitado por preferências subjetivas de terceiros (em geral, de seus pais).

O tipo de atitude exemplificado pelas práticas eugênicas somente poderia ser exercido sobre coisas e não pessoas; Habermas parece recorrer à fórmula da humanidade kantiana e a sua distinção correlata entre uma “coisa” e uma “pessoa”.

Para Kant,76 uma pessoa é dotada de dignidade, ao passo que uma coisa pode ser instrumentalizada, isto é, uma coisa pode ser usada apenas como meio.

No uso das novas técnicas de intervenção no genoma humano, não estão em jogo apenas questões de ordem moral, mas questões de uma espécie totalmente diferente: sobre autocompreensão normativa, a saber, como queremos nos entender ou que identidade queremos assumir enquanto membros da espécie homo sapiens.

As novas tecnologias parecem ter como conseqüência o fato de tornar disponível aquilo que, até então, era indisponível e deixado a cargo da natureza e do acaso.

Habermas entende ser preciso tornar normativamente indisponível aquilo que, até então, era naturalmente indisponível. É preciso moralizar a natureza humana.

Desse modo, embora à filosofia não seja adequado atribuir a função de oferecer um estudo sobre o que constitui a vida correta às sociedades pluralistas contemporâneas, no que diz respeito aos indivíduos e grupos de indivíduos, a biotecnologia parece abrir espaço à filosofia para uma discussão da melhor forma de vida boa, no que concerne à espécie como um todo, isto é, que identidade a humanidade como um todo deseja ou não assumir.

A discussão de Habermas em torno da autocompreensão ética da espécie centra-se no esclarecimento discursivo sobre o Diagnóstico Genético de Pré-Implantação (DGPI) à luz das premissas do Estado constitucional de direito.

As pesquisas na área da biogenética orientada, por um lado, pela necessidade de absorver os recursos dos investidores e, por outro, pelas reivindicações de êxito por parte dos governos, surgiriam como uma ameaça a uma esfera pública esclarecida.

Habermas parece partir da constatação de que o debate atual, sobre muitas questões éticas e jurídicas controversas, resultantes dos avanços da biotecnologia moderna, especialmente a terapia gênica e o DGPI, não têm obtido resultados consideráveis ao centrar a questão no estatuto moral do embrião ou na vida humana pré- pessoal.

Por isso pretende mostrar uma compreensão alternativa do que, no seu entender, está em questão. Caso a medicina tenha êxito nessa área, a perspectiva parece, segundo o autor frankfurtiano, a de que serão permitidas manipulações genéticas de células somáticas e de células germinativas para evitar doenças

76 Após Kant, as teorias deontológicas ainda poderiam explicar muito bem como as NORMAS MORAIS devem ser fundamentadas e aplicadas; no entanto, elas não são capazes de responder por que devemos efetivamente ser morais. Tampouco as teorias políticas respondem por que os cidadãos de uma comunidade democrática na discussão sobre os PRINCÍPIOS DA VIDA EM COMUM devem se orientar pelo BEM-ESTAR COMUM, em vez de se contentarem com um MODUS VIVENDI negociado de acordo com os PRINCÍPIOS DA RACIONALIDADE voltada para fins específicos (ZWECKRATIONALITÄT). As teorias da justiça, desatreladas da ÉTICA só podem esperar pela “transigência” de processos de socialização e formas políticas de vida. Para Habermas, mais inquietante ainda é saber que a ÉTICA FILOSÓFICA deixou o campo livre àquelas PSICOTERAPIAS que, com a eliminação das perturbações psíquicas, se encarregam da clássica tarefa de orientar a vida sem grandes escrúpulos.

graves que prejudicam significativamente a qualidade de vida de quem as possui e, como o passar do tempo, no caso de outras doenças, estendendo até mesmo a escolha de traços desejáveis na prole.

Tendo essa perspectiva em mente, Habermas aponta para a necessidade de se recorrer à distinção entre “eugenia positiva” e “eugenia negativa”,77 classificando os casos contemplados por ambas e restringindo a permissão apenas à negativa, desde que haja pouca, ou nenhuma objeção moral a ser feita, enquanto que no segundo caso (da eugenia positiva) parecer estarmos pisando em terreno proibido.

Quando ultrapassamos o limite da “eugenia negativa”, começa a entrar em jogo a autocompreensão normativa do ser humano, pois parece que começamos a compreender o ser humano, ou melhor, a vida humana, como algo de que podemos dispor livremente para propósitos de seleção.

Essa mudança na percepção cultural diante da vida humana pré-pessoal pode ter a conseqüência de reduzir a sensibilidade moral das pessoas, porque abre a perspectiva de uma auto-instrumentalização e de uma auto-otimização da espécie.

Os homens, se as promessas da biotecnologia moderna se concretizarem, terão nas mãos o poder de controlar sua própria evolução biológica!

Para Habermas, o DGPI deve ser usado apenas a fim de evitar que pessoas futuras sejam afetadas por doenças graves, e não com o intuito do aperfeiçoamento genético.

A eugenia negativa, que visa apenas ao tratamento de doenças graves, parece justificável, porém, a eugenia positiva, que visa a alterar o patrimônio genético do indivíduo, parece condenável.

Essa linha de objeção geralmente é denominada sllipery slope argument (argumento da ladeira escorregadia) ou Dammbruchargumente (argumento efeito bola de neve).78

Qual a relação entre a posição de Habermas e essa objeção freqüentemente suscitada à introdução de novas tecnologias ou posturas éticas à luz de novas tecnologias?

Esse argumento, geralmente, possui dois aspectos: um cognitivo e um emotivo e sua pertinência depende do temor da reação das pessoas de uma determinada comunidade diante da modificação de um padrão historicamente compartilhado.

O texto habermasiano não trata muito claramente da relação entre o argumento da ladeira escorregadia e o seu próprio argumento. Contudo, parece dar a entender que se a eugenia negativa levar à positiva pode também ser questionável moralmente.

O apelo central dos argumentos na linha da objeção da ladeira escorregadia sugeriria que a terapia gênica seria imoral por causa de certa insegurança moral79 suscitada pela DGPI80 e pela terapia gênica. Correríamos o risco de cair em um tipo de “queda-livre” moral, em que as pessoas não seriam capazes de distingui o certo do errado.

Defende Habermas uma “moralização da natureza humana”,81 sendo necessário defender certa autocompreensão ética da espécie.

77 A aplicação deve se restringir a casos graves, que não poderiam ser suportados pela própria pessoa potencialmente em questão.

78 Ethic @, Florianópolis, v. 4, n. 3, p. 309-319, dez 2005, por Charles Feldhaus.

79 Dworkin, o limite crucial está na base de nossos critérios de valor entre o ACASO e a LIVRE DECISÃO: citado por Jünger Habermas: O Futuro da Natureza Humana. São Paulo, Martins Fontes, 2004.

80 Diagnóstico Genético Pré-Implantação (DGPI).

As justificações da tecnização da natureza humanas, empreendidas pela biotecnologia moderna, baseiam-se em parte em uma expectativa de uma vida mais saudável e mais longa.

Entretanto, Habermas sustenta que é preciso problematizar as premissas liberais envolvidas no processo e que parecem tender ao favorecimento do debate sobre a autonomia da pesquisa.

Habermas apresenta-se a favor de uma regulamentação ou proteção jurídica, a fim de que evitemos nos acostumar com a eugenia liberal, e indaga:

O que é a eugenia liberal? Em que se distingue de outras?

Habermas distingue eugenia liberal de eugenia conservadora, considerando que a eugenia liberal busca o aperfeiçoamento da raça humana orientando-se pelo livre mercado e pelas preferências individuais, enquanto que a eugenia conservadora teria um núcleo centrado em um critério de orientação do processo de aperfeiçoamento, orientado, em geral, pelo Estado.

A proteção jurídica defendida pelo filósofo alemão basear-se-ia em um direito a uma herança genética não manipulada.

Essa proteção teria a conseqüência, segundo ele, de não tornar previamente decidida a questão da admissibilidade da eugenia negativa, pois sempre poderia ser o caso de uma “ponderação moral” e uma formação democrática da vontade decidir contra a utilização da técnica em um caso determinado.

Aqui, como em outras obras, Habermas parece assumir o paradigma procedimentalista de tomada de decisão no que tange às questões de ordem moral e jurídica.

A decisão moral ou jurídica correta dependerá de acordos prévios entre os pais ou responsáveis legais, entretanto, os principais interessados não terão a oportunidade de manifestação de sua vontade sobre a opção gênica que está sendo feita, no momento em que não podem ser consultados, já que ainda não existem como pessoa humana, mas como pessoa pré-humana, decisão essa irreversível e sobre a qual enfrentarão um sério dilema existencial!

Exatamente por isso, o caso da terapia gênica contém complexidades que tornam difícil uma aplicação do modelo de decisão da ética discursiva.

O concernido, a pessoa potencial ou quem o embrião se tornaria, não parece ter direito à voz no debate de argumentos.

A mudança da autocompreensão ética causada pela terapia gênica, principalmente na linha de aperfeiçoamento, impede que nos enxerguemos como únicos autores de nossa própria história, tornando-nos nascidos sob condições de assimetria, portanto, em desigualdade de condições.

Habermas enfatiza que esse argumento poderá ocasionar dano à autocompreensão normativa dos seres humanos.

Então, já concluindo meu entendimento sobre o primeiro dos textos enfrentados, creio que a resposta passa por uma reflexão profunda a respeito de se queremos mesmo caminhar na direção de uma eugenia liberal que ultrapassa objetivos rigorosamente terapêuticos.82

Aborda Habermas a dignidade humana e a dignidade da vida humana, em especial da vida humana pré-pessoal do embrião, afirmando que poderá ocorrer uma quebra da simetria.

O caminho habermasiano segue a tentativa de mostrar um nexo entre a dignidade humana e a simetria das relações interpessoais. É preciso manter em mente a distinção entre direitos e bens, porque a criança ou embrião, ainda que não seja uma pessoa no sentido estrito do termo, não é por isso um bem material utilizável a bel prazer.

A corrente bioética principialista adota quatro fundamentais princípios, a saber: - autonomia;

- beneficência; - não maleficência; - justiça.

Tem tal corrente sido adotada como procedimento-padrão na tomada de decisão no que pertence às questões que envolvem o início e o fim da vida.

Pela legislação de países alienígenas, exige-se o respeito ao consentimento livre como regra prima facie, sujeita à exceção quando for justificável; contudo, o problema é que o paternalismo somente parece justificável no tratamento de doenças e não na programação do próprio genoma da pré-pessoa humana.83

De toda sorte, noto que a questão subjacente a essa problemática passa, obrigatoriamente, pelo desafio da moderna compreensão do que seja liberdade.

Indo adiante e enfrentado o segundo texto proposto na obra em comento, objeto de outra de suas conferências – Fé e Saber –, Habermas aborda o tema da secularização na sociedade pós-secular, remetendo a dois episódios da história contemporânea:

a) o debate acerca da biotecnologia moderna, que está dividido entre o temor de se cair no obscurantismo e no ceticismo científico e a oposição cega à ciência;

b) e o atentado de 11 de setembro ao World Trade Center em Manhattan. Comenta ele que o ato dos seguidores do terrorista Osama Bin Laden teria incitado o retorno do político na sociedade mundial contemporânea sob um prisma hobbesiano e schmidtiano, e não em um sentido de um poder conciliador e civilizador, como seria esperado no contexto mundial atual (estando pressuposto na noção política da democracia deliberativa habermasiana).

Indaga Habermas, com esse texto, o que a secularização exige: a) dos cidadãos de um Estado constitucional democrático? b) dos fiéis?

c) dos não-fiéis?

Na sociedade pluralista contemporânea mundial, Habermas acredita que, a fim de limitar o potencial destrutivo dos monoteísmos reinantes, as doutrinas ou comunidades religiosas precisariam aprender a assimilar o contato com os outros credos e religiões, carecendo de adaptações à autoridade das ciências enquanto monopólio do saber sobre o mundo, estando abertas às premissas do Estado84 constitucional. Na linguagem de John Rawls, precisariam ser razoáveis. Contudo, ao mesmo tempo, o Estado democrático não pode, diante de um conflito entre religião e ciência, por exemplo, sobre a técnica genética, adotar uma posição, já que se espera que permaneça ideologicamente neutro.

83 Não se pode tratar a vida humana pré-pessoal como um bem submetido à concorrência!

84 Na verdade, o Estado está longe de ser neutro, e esse fato é também colocado por Habermas em outros textos. É inevitável que o Estado serve a quem lhe legitima o poder: a Igreja (em um regime de cristandade) ou ao aparato científico-tecnológico (na sociedade contemporânea).

A ciência, atualmente, teria o papel de esclarecer o senso comum; uma terceira instância, mas tem ocasionado mudanças na autocompreensão da espécie humana.

Com Copérnico, a visão acerca do universo e do lugar que o homem ocupa nele foi alterada; já com Darwin, a própria história da humanidade recebeu novos horizontes, haja vista que a posição biológica do homem diante dos relatos religiosos foi radicalmente alterada.

Enfim, o que aconteceria se, nesse processo de esclarecimento do senso comum pela ciência,85 a imagem objetivamente da ciência tomasse o lugar da autocompreensão normativa, que dá fundamento a nossas atribuições de responsabilidade e à nossa compreensão de todos os seres humanos como iguais?

É preciso avaliar, ainda que hipoteticamente, as possíveis conseqüências no que diz respeito à distribuição de renda e riqueza, de oportunidades e até mesmo de talentos, pois, caso se torne possível a intervenção com vistas ao aperfeiçoamento genético humano, a distribuição de dotes naturais deixará de ser moralmente irrelevante.

O desenvolvimento da biotecnologia ampliou as possibilidades de ação já conhecidas, dando margem a um novo tipo de intervenção. Habermas cita Helmuth Plessner, quando diz que nesse novo campo da ciência se desvanece a fronteira entre a natureza do que somos e a disposição orgânica do que damos a nós mesmos, fazendo surgir um novo tipo de auto-referência para os “sujeitos produtores”.

Dependerá da autocompreensão desses “sujeitos produtores” como deverão utilizar o alcance da nova