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CAPÍTULO 1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.2. LINGUÍSTICA DE CORPUS E O ENSINO-APRENDIZAGEM DE

1.2.1. Linguística de Corpus e a preparação de material didático

Há muitos trabalhos que defendem o desenvolvimento de material didático para o ensino de línguas com apoio da Linguística de Corpus (FLOWERDEW, 1993; FOX, 1998; THURSTUN e CANDLIN, 1998). Berber Sardinha (2006) cita, entre outros, algumas dissertações e teses que apresentam atividades de ensino com corpus em vários âmbitos do ensino de língua estrangeira. Por exemplo, em inglês, Vicentini (2006), Bértoli Dutra (2002), Amarante (2005); em inglês instrumental, Ferrari de Oliveira (2004); no ensino de língua espanhola, Alonso (2006). Além dessas dissertações e teses, temos publicações como Viana (2011), Cruz Piñol (2012), Fernández Pérez (2012), por citar apenas algumas entre as mais recentes.

Os estudos da linguagem por meio de corpora, intensificados pelo avanço tecnológico, têm mudado a forma como estudamos a língua. Os achados estão influenciando várias áreas da linguagem, assim como o ensino de línguas. Graças a esses estudos, podemos afirmar que a linguagem é padronizada. Os linguistas de corpus mostram evidências de que as palavras se combinam para gerar significado, e que o significado das palavras em uso está relacionado ao seu contexto. Desse modo, a melhor forma de descobrir os significados das palavras e, por conseguinte, do texto, é observá-las em seu contexto, o que justifica as abordagens criadas e a crescente inclusão dos dados provenientes da análise de corpora em materiais didáticos.

Resultados de estudos realizados em línguas inglesa (LJUNG, 1990) e alemã (MINDT, 1994) apontam importantes diferenças entre o que os livros ensinam e a maneira como um falante nativo usa a língua, segundo as evidências do corpus.

É verdade que, apesar do reconhecimento da importância da Linguística de Corpus por parte de autores de livros didáticos de língua estrangeira, a grande maioria dos materiais ainda está elaborada com base em uma visão não-empírica. Biber et al., em sua obra Longman Grammar of Spoken and

Written English (1999), por exemplo, alertam os autores e os professores no

que tange à discrepância existente nos livros didáticos que não se preocupam com a frequência. Para melhor descrever o sistema linguístico, deve-se considerar a frequência de ocorrência dos itens lexicais.

Willis (1990), ao expor quais elementos devem compor o conteúdo programático do Lexical Syllabus, defende a necessidade de levar em conta a frequência de ocorrência de um item lexical como fator primordial para sua inclusão ou exclusão.

A organização do curso em função do léxico difere sobremaneira da organização tradicional em torno de temas gramaticais sequenciados segundo critérios que se baseiam mais na intuição do que em dados de pesquisa.

Willis critica os autores de livros didáticos e de gramáticas pedagógicas que fazem uso dessa intuição para determinar os conteúdos programáticos. Critica, do mesmo modo, o uso de dados inventados ou extraídos da literatura, com o objetivo de ilustrar a teoria.

Nation e Waring (1997) indicam que a frequência oferece uma maneira racional para que o aprendiz não gaste tempo de estudo com itens pouco frequentes e enfatizam a necessidade de o autor utilizar listas de frequência no momento de decidir qual item lexical ensinar.

Dessa forma, Mindt (1994) sugere que os autores de livros didáticos utilizem os estudos de corpora como fonte de informação, a fim de que deem maior atenção às escolhas de uso mais frequente.

Conforme Sánchez (1995), as listas de frequência derivadas de um corpus são pontos de referência confiáveis, eficazes e úteis, mas não configuram fontes exclusivas e dogmáticas. Os vocabulários básicos, por exemplo, devem ser utilizados com grande flexibilidade pelos autores de livros didáticos, considerando-se a globalidade do uso e as restrições e facilidades que derivam da seleção de um contexto determinado.

Por certo, o mais útil das listas é seu papel de guia para deduzir as contextualizações e situações que exijam esse vocabulário.

Ljung (1990), em uma análise comparativa entre o léxico do corpus

Cobuild e diferentes livros didáticos destinados ao ensino do inglês a

estrangeiros, concluiu que esses livros oferecem ao estudante um tipo de linguagem pouco representativo do registro considerado normal em numerosas variedades linguísticas do inglês escrito.

Para chegar a tal conclusão, faz-se preciso analisar o léxico do ponto de vista da frequência, o contexto no qual aparecem as palavras, as estruturas em que estão inseridas e a concreta acepção do vocábulo em questão.

Não há dúvidas da dificuldade que representa ao professor determinar quais são as palavras que um estudante em particular vai precisar em sua interação comunicativa cotidiana, visto que na maioria dos casos, não se pode determinar em longo prazo em que situações e para que necessidades o estudante usará o espanhol no futuro. Para isso, é importante que adquira certo grau de autonomia (autoaprendizagem) na hora de utilizar palavras que lhe são pouco familiares. O estudante deve estar preparado para ser capaz de deduzir significados, reconhecer as diferentes acepções de uma unidade léxica, seus aspectos formais e combinatórios, assim como seu funcionamento no discurso.

A organização de um curso baseado em corpus pressupõe uma metodologia de trabalho autônomo e, ao mesmo tempo, de cooperação entre estudantes e professor, estando composta por textos autênticos, ou seja, textos que não foram criados para ensinar línguas. O cerne do processo é o estudante, visto como investigador e descobridor, cabendo ao professor o papel de orientador. Tampouco se pode descuidar, ao elaborar as atividades didáticas, do contexto do aluno e do contexto no qual o aluno vai usar a LE, assim como a faixa etária do mesmo e seu nível de escolaridade. Para este estudo, baseamo-nos em estudantes com as características de nossos informantes, que são descritas em detalhe no item 2.2 do capítulo 2. Metodologia.

Trata-se de alunos universitários, entre 25 e 35 anos, com nível B2 de conhecimento da língua espanhola, de acordo com o Marco comum europeu

de referência para as línguas (COUNCIL OF EUROPE, 2001). Aprendem

espanhol em um instituto de idiomas, o que significa que estudam a língua por vontade própria e com o objetivo de se comunicar.

Além dos fatores frequência e contexto, outro aspecto importante da Linguística de Corpus no ensino de línguas é a possibilidade de se trabalhar com exemplos de uso real e autêntico da linguagem.

Os exemplos extraídos de corpora expõem o estudante ao tipo de vocabulário e expressões que encontrará em situações reais de comunicação e não a sentenças inventadas.

De acordo com McEnery e Wilson (1996), os exemplos extraídos do corpus são importantes para a aprendizagem de línguas porque expõem os estudantes aos tipos de frases e vocabulário que possivelmente serão encontrados em textos autênticos da língua ou no seu uso em situações reais de comunicação. A utilização de textos autênticos é fundamental se o objetivo de ensino é a comunicação, a interação e a execução de tarefas no mundo real. Ela promove um aumento da motivação, visto que o estudante sente que está, em verdade, aprendendo a língua.

A Linguística de Corpus possui uma ampla instrumentação que pode ser aproveitada no contexto da sala de aula, e há uma série de corpora e ferramentas computacionais sendo desenvolvidas. Para Thurstun e Candlin (1998), a crescente popularização de corpora e a disponibilidade de programas

de análise linguística vêm oferecendo novas direções para o desenvolvimento de materiais didáticos.

Um corpus pode ser útil a professores e autores de materiais didáticos, já que constitui um conjunto de materiais linguísticos a partir dos quais se pode encontrar uma fonte inesgotável de informação com relação às formas linguísticas.

Pode-se comparar, por exemplo, o vocabulário extraído do corpus com os vocabulários em que se fundamentam os livros didáticos para o ensino de línguas. Para elaborar exercícios e atividades em geral, podem aproveitar, também, os textos extraídos de um corpus.

Atualmente, outra preocupação que se observa, é a de se incorporar as variedades linguísticas hispano-americanas aos manuais de E/LE, especificamente. Esse requisito ilustra a preocupação de se trabalhar os diferentes léxicos para um mesmo objeto, de acordo com as diferentes culturas dos países hispano-falantes, tendo como objetivo conhecê-las para integrá-las e não separá-las. É importante que os alunos conheçam as variedades linguísticas, principalmente por seu aspecto cultural, e um corpus pode ser útil nessa tarefa.

Um corpus oferece a possibilidade de listar as variedades linguísticas próprias, atuais e mais frequentes do uso hispano-americano, o que permite um tratamento adequado dos americanismos nos livros didáticos.

É preciso reconhecer que os corpora não constituem um conjunto de exercícios ou atividades que o professor pode aplicar diretamente na sala de aula, mas, na verdade, um conjunto de materiais linguísticos que podem representar fonte inesgotável de referência e inspiração para autores e professores.

Um dos inconvenientes habituais que caracterizam autores e professores, segundo Sánchez (1995), é a carência de variedade no uso de formas e palavras ou no próprio uso de textos contextualizados em situações determinadas. O corpus pode paliar essa dificuldade, permitindo que os exercícios não sejam sempre os que os estudantes fazem a cada dia ou em cada aula. Com a ajuda do corpus, é fácil ampliar o horizonte situacional e formal.

A tipologia de exercícios habituais de sala de aula também é susceptível a adaptações com corpus. Citem-se, enquanto exemplos disso, a apresentação de um texto do qual foram extraídas determinadas palavras; a apresentação de um texto com espaços –listando-se as palavras eliminadas– ou de outro, com espaços e opções de sinonímia para as vozes extraídas (esse tipo de exercício pode ser mais sofisticado se elaborado em computador); a reconstrução de palavras em orações selecionadas a partir de um corpus; a reconstrução de orações do corpus das quais foi extraída a parte final; a elaboração de uma grande variedade de exercícios sobre preposições, advérbios e similares; a organização de um texto desordenado, etc.

O professor tem a possibilidade de acrescentar a qualquer corpus seus próprios textos, sobre os quais pode elaborar exercícios, aumentando, assim, as possibilidades de trabalho e, principalmente, ajustando-se melhor aos fins especiais de cada aula ou tema. Não se deve, outrossim, considerar um corpus algo fechado.

Resta lembrar que o corpus reflete o uso linguístico, ao passo que os livros didáticos costumam apresentar o que é tido como gramaticalmente correto. Para que os estudantes possam ir adquirindo uma linguagem mais natural, é importante que tenham acesso à língua em uso, utilizada no cotidiano, e muitas vezes, de forma coloquial. A cada dia é maior a preocupação em ensinar aos estudantes uma linguagem mais natural e não se prender tanto à forma gramaticalmente correta.

O professor de língua deve estar sempre consciente das características do material que tem em mãos, para saber se o mesmo atende ao seu alunado.

Evidentemente, nem professores nem livros didáticos têm por que se ater fielmente a um corpus. Não é essa a razão de ser dos repertórios linguísticos.

1.2.2. Desenvolvimento de metodologias ou abordagens de ensino por