CAPÍTULO 1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.3. PAPEL DO LÉXICO NO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS
1.3.1. Panorama histórico do ensino do léxico em língua estrangeira
Ao longo da História, o processo de ensino-aprendizagem de línguas enfatizou principalmente a sintaxe e a fonologia. Segundo Zimmerman (1997), professores e pesquisadores da área de aquisição de segunda língua priorizaram a sintaxe e a fonologia. Essa posição inspirou e norteou uma série de metodologias e abordagens de ensino em que o vocabulário era tratado como um subproduto da língua, ou seja, como algo que não merecia atenção. Dessa forma, muitas dessas metodologias apresentavam o léxico ora de maneira muito simplificada, ora em longas listas descontextualizadas a serem memorizadas pelos estudantes. Assim sendo, a palavra não impunha normas ou restrições à língua e estava totalmente subordinada à sintaxe. Essa concepção simplista dominou o ensino-aprendizagem de línguas até os anos 80, quando estudiosos começaram a dar uma atenção especial ao léxico.
Descrevemos, a seguir, o papel do léxico dentro das várias metodologias de ensino-aprendizagem de línguas com o objetivo de apresentar sua trajetória. Para isso, vamos nos apoiar na descrição que Zimmerman (1997) faz sobre o papel do vocabulário em oito momentos históricos do ensino de línguas estrangeiras.
1) Método de Tradução e Gramática
Foi bastante difundido no século XIX e início do século XX. Esse método não tinha como objetivo a comunicação, mas o desenvolvimento da leitura mediante a tradução de textos clássicos. O vocabulário tinha um papel importante, porém limitava-se à tradução. Restringia-se a glossários de palavras com suas traduções correspondentes na LM do aprendiz. O
vocabulário ensinado era obsoleto, e a aprendizagem baseava-se na memorização de listas de palavras com seus equivalentes na LM.
2) Movimento de Reforma
Teve sua hegemonia até o início do século XX e baseou-se na reforma liderada pelo linguista Henry Sweet, que defendia a primazia da língua falada e procurava compensar a ineficiência do Método de Tradução e Gramática para ensinar os aprendizes a se comunicarem na língua alvo. O vocabulário passou a estar associado à realidade e era selecionado de acordo com sua simplicidade e utilidade. As palavras nunca eram ensinadas isoladamente nos estágios iniciais; segundo Henry Sweet, “apesar de a linguagem ser feita de palavras, nós não falamos em palavras, mas em frases. De um ponto de vista tanto prático como científico, a frase é a unidade da sentença, e não a palavra. De um ponto de vista puramente fonético, as palavras não existem” (ZIMMERMAN, 1997:7).
3) Método Direto
O Método Direto foi introduzido por Sauveur em 1874, nos Estados Unidos. Foi o primeiro método a estabelecer-se mundialmente depois da Reforma e sofreu influências das ideias debatidas pelos reformistas. Apresentava uma posição totalmente inovadora para o ensino-aprendizagem de línguas mediante a associação direta do significado com a língua alvo, que era usada como língua de instrução em pequenos grupos. Não havia o recurso da tradução. Era considerado revolucionário porque dava ênfase à linguagem falada e à comunicação e deixava em segundo plano a língua escrita. O ensino do léxico é simples e gradual, sendo o vocabulário concreto ensinado por meio de desenhos ou mímicas, e o vocabulário abstrato por associação de ideias. Sempre é apresentado dentro de um contexto, e nunca mediante listas de palavras.
4) Método de Leitura / Ensino Situacional
O Ensino Situacional surgiu na Grã-Bretanha, em um movimento iniciado pelo linguista Palmer (1921). O objetivo era desenvolver fundamentos mais científicos para os métodos de prática oral. A proposta é o ensino mediante a prática das estruturas básicas em atividades que imitam a vida real, situações cotidianas. A língua falada é a preocupação central do ensino nesse método. Paralelamente, surge, nos Estados Unidos e na Inglaterra, o Método de Leitura,
que tinha como objetivo desenvolver a habilidade de leitura e, para isso, desenvolver vocabulário. Pela primeira vez, o léxico foi considerado um dos aspectos mais importantes no ensino de línguas. O linguista Michael West (1930, apud ZIMMERMAN, 1997) defendia a ideia do ensino de léxico norteado pelas listas das palavras mais frequentes.
5) Método Áudio-lingual
O Método Áudio-lingual foi desenvolvido pelo linguista americano Charles Fries, em 1945, na Universidade de Michigan. Com a gramática como o seu ponto de partida e com a crença de que a aprendizagem de uma língua era um processo de formação de hábitos, esse método enfatizou a pronúncia e a repetição oral sistemática de estruturas. O léxico era selecionado de acordo com a simplicidade e familiaridade e introduzido por meio de exercícios de repetição (drills). O excesso de vocabulário era visto como prejudicial, pois o estudante poderia simplificar o papel do léxico, levando a três suposições falsas sobre a natureza da língua: 1) de que a língua tem equivalentes exatos em diferentes línguas; 2) de que as palavras têm apenas um significado; 3) de que as palavras têm apenas um significado legítimo e que todos os outros são falsos. Dessa forma, os itens lexicais simplesmente mostram tópicos gramaticais e não têm valor comunicativo por eles mesmos.
6) Abordagem Comunicativa
Nasceu da influência dos estudos de Dell Hymes (1972) sobre competência comunicativa, dando maior ênfase aos fatores sociolinguísticos e pragmáticos que governam o uso da língua. Assim sendo, a ênfase passou do comando de estruturas para a proficiência comunicativa, sendo que o léxico não é o foco principal, pois o que prevalece é a fluência. Para a Abordagem Comunicativa, a aprendizagem do léxico em LE ocorrerá da mesma forma como ocorre na LM, mediante o contexto e a exposição à segunda língua, e está intimamente relacionado com o ensino da cultura, pois cada palavra tem um valor cultural.
7) Abordagem Natural
Foi desenvolvida por Krashen e Terrel (1983) e baseia-se na crença de que, havendo input apropriado e compreensível, a aprendizagem ocorrerá naturalmente, sem necessidade de explicação gramatical ou lexical. A ideia central é que os aprendizes possuem um sistema de aquisição e um sistema
de aprendizagem que funcionam separadamente, ou seja, quando aprendemos uma língua de forma inconsciente e natural, estamos funcionando dentro de sistema de aquisição; por outro lado, quando esse processo é consciente, estamos funcionando dentro do sistema de aprendizagem. Assim, o léxico passa a ter um papel importante nessa abordagem. O método recomendado de ensino de léxico enfatiza a importância de um insumo relevante, com a atenção do aluno focada na compreensão de mensagens.
8) Perspectivas presentes e futuras
Atualmente, as abordagens, em geral, admitem a importância do léxico, enfatizando o trabalho com grupos de palavras (chunks), locuções e expressões fixas e semifixas, como a proposta de Lewis (1993), Abordagem Lexical, e a de John (1994), Abordagem Movida a Dados (DDL), já explicadas no item 1.2.2.
Essas abordagens têm seu foco na questão lexical e foram inspiradas na Linguística de Corpus e em uma série de publicações que afirmam a importância do léxico no ensino das línguas estrangeiras e da materna.
Tratando especificamente do ensino do léxico em E/LE, entre os defensores do estudo do léxico dentro da Abordagem Lexical, está Higueras (2006).
Conforme comenta Higueras (2006), os estudos procedentes da Abordagem Lexical (LEWIS, 2000; 1997; 1993) apresentam uma mudança na forma de enfocar tanto a importância concedida ao léxico (que ocupa posição central no ensino), quanto na metodologia que deve ser utilizada para melhorar a competência léxica dos estudantes, já que a Abordagem Lexical defende que tem de haver sempre oportunidades tanto para o ensino direto quanto para o indireto. Outro aspecto importante da Abordagem Lexical para o ensino do léxico, já tratado anteriormente, mas que merece ser mencionado novamente, é sua ideia básica de que aprender uma língua é saber segmentar o léxico em unidades complexas (pedagogical chunking). Lewis (1993) conclui que devemos centrar a atenção do estudante nas unidades léxicas complexas e não na palavra, com a finalidade de observar as palavras que costumam “caminhar” juntas (os padrões), de acordo com o contexto.
A Abordagem Lexical é uma espécie de Enfoque Comunicativo que vê na palavra e nas expressões da língua sua unidade mais importante. Herda
suas ideias sobre a aprendizagem e acrescenta a importância do ensino de unidades léxicas. Representa um movimento contrário tanto ao audiolinguismo quanto ao cognitivismo ao negar a importância à estrutura gramatical.
É importante destacar, aqui, que as atividades propostas neste estudo se fundamentaram especificamente nessa ideia, ou seja, no Enfoque Comunicativo e na Abordagem Lexical, partindo das necessidades dos estudantes e criando estratégias para se conseguir que eles se responsabilizem por sua aprendizagem dentro de um ensino contextualizado.
1.3.2. Aplicações da Linguística de Corpus para promover a aprendizagem