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Literatura de viagem: aproximações entre o real e o ficcional

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 77-90)

2ªPARTE: A OBRA LOS PASOS PERDIDOS DE ALEJO CARPENTIER

III- O RELATO DE VIAGEM: HISTÓRIA E APLICAÇÕES

3.2 Literatura de viagem: aproximações entre o real e o ficcional

A literatura mundial atribui a Homero o mérito da primeira narrativa de viagem que chega até nós. Em sua Ilíada relata a Guerra de Tróia, o primeiro relato do conflito, e na Odisseia narra a saga do rei Ulisses para regressar ao seu lar, Ítaca. Nessas obras, reflete-se o pensamento mítico registrando a coexistência nem sempre harmoniosa de humanos e deuses.

Três séculos mais tarde, outro grego chamado Heródoto registrou os primeiros relatos baseados em viagens pessoais. Em V a.C., conta o crescimento e o ocaso do império persa e suas jornadas pelo Egito, Babilônia, Ucrânia, Itália e Sicília. Desde então a literatura de viagem estaria influenciada pela visão de um autor que empreende uma longa jornada com um ou vários destinos em sequência. Como a tradição oral imperava na época, essas histórias eram geralmente acompanhadas por um instrumento musical. As longas aventuras descritas estavam dispostas em versos que eram cantados em espaços abertos, as Ágoras. Música e literatura estavam intimamente ligadas.

No Renascimento, o acompanhamento musical já não era mais o motor primordial que disseminava entre o povo o conteúdo das narrativas. Como a escrita se apresentava como elemento documental em desenvolvimento, a maior parte dos relatos de viagem era feita na forma de diários ou cartas de viagem.

Dentre os muitos relatos existentes, as viagens de Marco Polo possuem especial importância no desenvolvimento do legado de relatos de viagem. O conquistador Cristóvão Colombo (1450-1506) leu o Livro das maravilhas aproveitou- se do relato constituído pela descrição de riquíssimos reinos como Cipango e Catai e as informações contidas nas abundantes notas às margens da publicação. Toda uma narrativa que somava os interesses mercantilistas aos interesses épicos de conquista.

Como fruto de suas leituras e expedições, Colombo nos brindou com seus

Diários da Descoberta da América. Esses registros se tornariam instrumento no

período das grandes navegações e dos grandes impérios, quando houve um intenso trânsito social de expedicionários, missionários entre outros interessados em ocupar novos territórios. Cabe ressaltar, contudo, que a maneira como Colombo narrava assemelhava-se mais à relatos literários que científicos. Ainda que buscasse a minúcia em suas descrições o encantamento diante das paisagens americanas faria com que o relato de Colombo fosse considerado pelo escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez como o “ primeiro livro do realismo mágico”

Outro exemplo, posterior ao relato das três primeiras viagens de Colombo, é a Carta do escrivão Pero Vaz de Caminha (1450- 1500) a qual descreve as inúmeras belezas encontradas na porção da América que seria colonizada pela Coroa portuguesa. Caminha também deslumbrou-se com paisagens e intrigou-lhe o costume tão distinto, aos seus olhos europeus, dos habitantes daquele longínquo território, como se lê em:

Dali avistamos homens que andavam pela praia [...] Eram pardos, todos nus, [...] Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram. [...] Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito [...]Davam-nos daqueles arcos e setas por sombreiros e carapuças de linho ou por qualquer coisa que homem lhes queria dar [...]Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo

cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença. (CAMINHA 1500)

Cientistas também relataram suas viagens. Uma das mais representativas é a do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), que lança Diário e Anotações sobre sua expedição que acaba durando três anos mais que o previsto (1871 a 1876), porém norteia toda a produção científica do então jovem Darwin, que vinte anos depois, abalaria a comunidade científica ao publicar A Origem das Espécies (1859), no qual introduziu a ideia de evolução a partir de um ancestral comum, por meio de seleção natural16.

O viajante concentra em sua empresa o desejo sincero de obter uma mudança através da viagem. A título de exemplo, cita-se a viagem de Cristóvão Colombo às terras Americanas. Nelas, o conquistador vivencia uma experiência que paira entre o ordinário e o extraordinário. É possível perceber o desconcerto de Colombo em seus relatos nos primeiros meses de expedição, no ano de 1492, quando se lê que: “Parecia-lhe que tudo aquilo devia ser feito de algum encantamento. Ele disse que tudo o que se via era de tal beleza que não conseguia mais afastar-se de tantas belas coisas nem do canto dos pássaros, grandes e pequenos”. (KAPPLER, 1993: 108)

O encontro entre Europa e América acarretou em uma revolução em ambas as partes, sentida pelo Ocidente como explicita o historiador mexicano Edmundo O‘Gorman (1992: 184-185):

A partir do momento em que se aceitou que a orbis terrarum era capaz de ultrapassar seus antigos limites insulares, a arcaica noção do mundo como circunscrito a uma só parcela do universo [...] perdeu sua razão de ser e se abriu [...], a possibilidade de que o homem compreendesse que no seu mundo cabia toda a realidade universal de que fosse capaz de se apoderar, para transformá-la em casa e habitação própria; que o mundo, consequentemente, não era algo dado e feito, mas algo que o homem conquista e faz, que lhe pertence [...].

16 O Darwinismo postulava, essencialmente, que a evolução ocorria em função da mudança da

população e não da mudança do indivíduo isoladamente. Essa se tornou a explicação científica dominante para a diversidade de espécies na natureza na época.

Dando espaço para a instauração de novas realidades, desde as chamadas zonas de contato, que Mary Louise Pratt (2011:31-35) define em Ojos Imperiales: relatos

de viaje y transculturación:

[...]“zonas de contato”, espaços sociais onde culturas díspares se encontram, se chocam e se enfrentam, frequentemente dentro de relações altamente assimétricas de dominação e subordinação, tais como o colonialismo, a escravidão, ou suas consequências como se vivem no mundo de hoje. [...] desloca o centro de gravidade e o ponto de vista em relação ao espaço e o tempo do encontro, ao lugar e ao momento em que indivíduos que estiveram separados pela geografia e pela história agora co-existem em um ponto em que suas respectivas trajetórias se cruzam.

Beatriz Columbi em seu livro Viaje intelectual: migraciones y desplazamientos

en América Latina (1880-1891) discorre sobre a figura de intelectuais cuja produção

artística se situa entre o fim do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Analisa a maneira como os acontecimentos históricos entre Antigo e Novo mundo influem na escrita de indivíduos que transitam e bebem da cultura de ambos os espaços, para a estudiosa bonaerense,

A viagem é uma iniciação em numerosos rituais, particularmente, no de ser escritor. Muito antes que a época que me ocupa e durante todo o séculoo XIX, Paris foi a parada obrigatória da peregrinação de distintas gerações letradas e em alguns casos, o lugar de residência permanente de exilados desterrados hispano-americanos. (COLUMBI, 2004: 185)

A narrativa de viagem, tal como será apreciada nesta tese, segue o entendimento proposto nos estudos de Blanca López de Mariscal (2007:1) quando declara que

Em todos os relatos de viagem escritos [...] podemos encontrar uma grande riqueza informativa sobre encontros e transferências culturais […] nos oferecem informação, não somente sobre o encontro com o <<outro>>, mas também, e em grande medida, sobre a figura do narrador e o<< mundo de vida>> do qual este procede.

Este estudo tem o propósito de, tendo em vista os aspectos que caracterizam o romance Los pasos perdidos como um relato de viagem, refletir sobre o modo como o protagonista de Carpentier apreende a realidade americana depois de anos

vivendo em um país com cultura e língua diferentes dos seus e em que medida o olhar do anônimo musicólogo comunga com a proposta do real maravilhoso.

Os escritores hispano-americanos se apropriaram, diversas vezes, do discurso contidos nos relatos de viagem, reais ou fictícios, em sua prática literária. Pratt (2011: 418) discorre sobre a importância da literatura de viagem para a América Latina, como se lê em:

A literatura de viagens, tanto nacional como regional, desempenha um papel-chave nos arquivos do modernismo latino-americano. [...] Na Europa os movimentos de vanguarda de princípios do século XX foram decididamente cosmopolitas e continentais; sobretudo, anti- nacionais. Nas Américas, muito pelo contrário, a construção de um capital cultural nacional foi uma preocupação comum aos artistas da época, incluindo os vanguardistas. Às pessoas cultas lhes correspondeu construir os Estados-nação modernizadores e gerar capital cultural que definiria os cidadãos e criaria para eles um pertencimento.

O filósofofrancêsBarão de Montesquieu, em seu relato imaginário, descreve a visita de dois persas à París no século XVIII. Nas cartas, os narradores são persas que descrevem a seus compatriotas a cidade nos tempos de Luís XIV. Montesquieu nesta obra critica a sociedade e os valores vigentes na época. O poeta nicaraguense Rubén Darío dialoga com a obra Carta aos Persas (1721) de Montesquieu em sua crônica “París y los escritores extranjeros 17”

Na crônica de Darío, a cidade de Paris funciona como um imã que atrairia a todos os estrangeiros. Há uma profunda crítica a imagem que se tem da capital francesa e a opinião do nicaraguense a respeito dela. O autor problematiza que o espaço parisino não é exclusivo no que concerne ao desenvolvimento cultural e mostra seu incomodo diante da grande quantidade de estrangeiros que vivem em condições alarmantes, completamente à margem da sociedade. Em uma passagem da crônica, Dario retoma um fragmento da obra de Montesquieu, em que um parisino pergunta ao estrangeiro como este poderia ser de origem persa, para criticar a ideia que os europeus tinham sobre as demais civilizações, ao reescrever a ironia em forma de pergunta: Como pode este homem ser estrangeiro e, ainda assim, possuir talento?

O colombiano Gabriel García Márquez estabelece uma ponte com Os Diários

de Colombo em El otoño del patricarca para apresentar o descobrimento da América

sob a perspectiva dos que ali habitavam. Em tom de paródia, García Márquez sugere, dentre outras teorias, que os espanhóis que chegaram na América com Colombo não seriam os primeiros europeus a visitarem o território.

Na prosa do escritor colombiano são os indígenas que exercem poder sobre os estrangeiros chegados de além-mar. Ao trazer o foco narrativo para a perspectiva dos índios, García Márquez os coloca como os manipuladores da relação entre os dois mundos. O contrario do que se lê nos relatos datados da colonização europeia. Em sua primeira viagem, o almirante Colombo relata em 11 de outubro de 1492 suas impressões a respeito do território e de tudo que ali encontrara. Após dois meses de tortuosa navegação no oceano, os tripulantes da caravela Santa Maria desembarcaram e encontraram uma paisagem nunca antes contemplada. Colombo, ao discorrer sobre os habitantes daquele território escreve que:

Eu [...] pois percebi que eram pessoas que melhor se entregariam e converteriam à vossa fé pelo amor e não pela força, dei a algumas delas uns gorros coloridos e umas miçangas que puseram no pescoço, além de outras coisas de pouco valor, o que lhes causou grande prazer e ficaram tão nossos amigos que era uma maravilha. Depois vieram nadando até os barcos dos navios onde estávamos, trazendo papagaios [...] e muitas outras coisas [...]. Enfim, tudo aceitavam e davam o que tinham com a maior boa vontade. (COLOMBO, 2010: 44-45)

Verifica-se no seguinte fragmento de El otoño del patriarca, a carnavalização da cena descrita por Colombo:

... e gritavam que não percebíamos em língua de cristãos [...] depois vieram ter conosco com as suas canoas a que eles chamam almadias, como disse, e admiravam-se de os nossos arpões terem na ponta uma espinha de sável, [...] e trocavam-nos tudo o que tínhamos por estes barretes de cor e estas fiadas de pepitas de vidro que nós púnhamos ao pescoço para lhes sermos amáveis. [...] e como vimos que eram bons servidores e de bom engenho fomo-los levando até à praia sem que dessem conta, mas a chatice foi que entre o troque-me isto por aquilo e eu troco-lhe isto por aquilo outro armou-se um cambalacho dos tomates e daí a pouco toda a gente estava a cambalachar os papagaios, o tabaco, as bolas de chocolate, os ovos de iguaria, tudo quanto Deus criou, pois tudo aceitavam e davam de boa vontade aquilo que tinham, e até queriam trocar um de

nós por um gibão de veludo para nos mostrarem nas Europas [...] (GARCÍA MÁRQUEZ, 1975: 2)

Outra passagem repleta de ironia, inverte o assombro entre o encontro das civilizações. Enquanto o europeu se admira ao encontrar o nativo

Mas me pareceu que era gente que não possuía praticamente nada. Andavam nus como a mãe lhes deu à luz. [...] muito bem-feitos, de corpos muito bonitos e cara muito boa; os cabelos grossos [...] e curtos [...] É gente muito bonita [...] Todos, sem exceção, tem pernas bem torneadas, e nenhum tem barriga, a não ser muito bem feita. (COLOMBO, 2010:45-46)

O narrador em García Márquez (1975: 23-25) descreve com sarcasmo os recém chegados da Europa, como se lê em

... tinham chegado uns forasteiros que tagarelavam em língua castelhana pois não diziam o mar mas a mar e chamavam papagaios aos guacamaios, [...] e que, tendo visto que saíamos a recebê-los, [...], encarrapitavam-se na mastreação e gritavam uns para os outros que olhem que bem feitos, de mui fermosos corpos e mui boas caras, [...] alvoroçaram-se como periquitos molhados gritando [...] e eles isto e mais aquilo, e nós não percebíamos por que catano se divertiam tanto conosco, meu general, se estávamos tão naturais como as nossas mães nos pariram e em compensação eles estavam vestidos como a dama de paus, apesar do calor, [...] têm o cabelo arramado como as mulheres, embora sejam todos homens [...]e gritavam que não percebíamos em língua de cristãos

O escritor argentino Abel Posse publica três livros que compõem a chamada série do descobrimento da América18. Com narrações em terceira pessoa, e tomando como cenário passagens que envolvem conquistadores europeus, Posse cumpre a tarefa intelectual de revisar o passado da América desde uma perpectiva latino-americana aliando visão crítica e fatos históricos como elementos de criação no campo da arte da palavra. Segundo Abel Posse (1997: 83):

É evidente que a história se reescreve, e não para negar o que já foi escrito, mas sim para completa-lo [...]; nós, escritores da América Latina ajudamos a dar uma nova visão, a tornar mais aceitável o

18 Há uma quarta publicação titulada Los Heraldos negros que foi excluída da análise por não

conseguirmos encontrá-la. Sabe-se apenas que o título do romance é uma alusão à obra de Cesar Vallejo e que narra a história de um grupo de jovens jesuítas recrutados para salvar o Cristianismo e recriar o mundo perdido pelo Mal.

contado, porque fraguamos imaginativamente a crônica, porém sobretudo relemos para reescrevê-la

O primeiro romance é Daimón. Na meta-ficção do argentino publicada em 1978, Lope de Aguirre é a personagem central do romance barroco de Posse. O conquistador vasco que chega às terras americanas com a mesma missão que tantos conquistadores europeus se rebela contra a Coroa espanhola e o Cristianismo para encontrar o Eldorado. Esse é o ponto de partida do romance que se desenvovolverá em torno da volta de Aguirre, desde o mundo dos mortos, para empreender uma nova viagem ao território americano.

A tirania encontrada nos que têm sede pelo poder se encontra nos relatos da colônia, mas também na contemporaneidade latino-americana. A ficcionalização do passado americano se encontra com a imperialização no presente argentino. Com a problematização de uma questão de poderio que remonta séculos de história, Posse alcançou também um caminho para a discussão dos problemas vivenciados pelo autoritarismo do governo argentino, como lemos na análise de Teodosio Fernández (1997: 31) sobre o romance Daimón:

Quando Posse publicou Daimón, em 1978, o panorama havia mudado notavelmente. Os anos setenta supuseram para Argentina o regresso de Perón, em 1973, e depois o governo militar que a partir de 1976 acentuou o clima de repressão e violência compartilhado pelos demais países do cone sul. [...] O romance histórico foi uma das possibilidades, em um momento no qual o gênero mostrava-se na Hispano-américa com grande vitalidade. Daimón e Los perros del Paraíso [...] foram as contribuições de Posse ao desenvolvimento de das modalidades mais novedosas desse gênero.

Em Los perros del paraíso, cuja primeira publicação se deu em 1983,

Cristóvão Colombo é o protagonista do relato. Há no relato a descrição de quatro

viagens, que não coincidem cronologicamente com as de Colombo, uma das características presente na obra de Posse que faz desta e das outras três uma meta-ficção. O texto do argentino dialoga com textos históricos de forma irônica, crítica e séria, levantando o questionamento acerca do sistema colonizador que ainda se percebe na atualidade. Sobre este romance, Posse (1997: 65) comenta que:

... é evidente que o episódio do descobrimento e a conquista de nosso continente era um pouco o Big Bang, não somente para América, mas também para a própria Europa [...]. Quis fazer presente o passado, ou se o prefere, visitar o passado com o sentido do presente. De alguma maneira, Colombo e a rainha Isabel seguem presentes em nossas vidas.

Em El largo atardecer del caminante, publicada em 1992, Posse recria o destino final de Álvar Núñez Cabeza de Vaca, figura histórica que ficou conhecida por caminhar desnuda e descalça cerca de oito mil quilômetros. Esse percurso teria durado dez anos e compreenderia o espaço entre a Flórida, onde naufragou, até o México. Diferente de Colombo, Cabeza de Vaca se destacou, além das navegações, por lutar contra a poligamia e a escravidão indígena. Segundo ele, somente a fé cura. Somente a bondade, conquista. No romance de Posse duas histórias correm em paralelo: a da velhice de Cabeza de Vaca em Sevilha e a segunda em que reescreve sua história pelas Índias num desejo de imortalizar-se.

Nas narrativas de Abel Posse há uma revisão do passado histórico com toques de busca pela descoberta de um identidade latino-americana. O olhar europeu na construção de uma realidade americana não é elemento suficiente para a construção de uma identidade verdadeiramente latino-americana. É preciso elencar mais personagens, evocar passagens que não se restrigem ao passado do continente. É preciso olhar também para o presente. O escritor argentino, com a escrita de seus romances também alcança um reencontro pessoal com a América, como lemos em

Eu também descobri a América. Minha vida diplomática me levou a viver no Peru, e ali descobri a América profunda, o universo indígena, a Historia da América e, também, o fio de tudo aquilo, ali descobri Espanha. Sofro, pois, uma transformação: eu era um escritor netamente argentino, ao modo de como eram os escritores argentinos da época: portenhos, europeizantes, exclusivistas, e tive uma revelação de minha historia e de minha linguagem (POSSE 1997: 40)

Antes de García Márquez e Posse, Carpentier em seu romance Los pasos

perdidos revisitou as crônicas de navegadores e de jesuítas sobre a conquista da

América; bebeu também nas fontes de Alexandre Von Humdoldt. Não para recontar o passado de seu continente, mas sim como elementos que serviriam para

problematizar o lugar o intelectual latino-americano em meio a tarefa de plasmar desde realidades tão distintas uma consciência de identidadade latino-americana.

Em Carpentier o protagonista não é um valente consquistador, é, ao contrário, um frustrado intelectual que se vê preso em uma tarefa que detesta. Um musicólogo que não se orgulha do trabalho que lhe fornece a remuneração necessária para viver, mas que não tem coragem de desbravar os mares incertos no estudo da musicologia. Alguém que se ressente diante de um casamento de aparências, mas que prefere afugentar-se em um romance extra-conjugal a empreender uma mudança em seu lar.

A prosa de Los pasos perdidos se apresenta ao leitor como um diário de viagem. Ao longo da narrativa, o protagonista recorre aos textos bílblicos e as crônicas sobre a época da colonização, como um estudante busca em referências teóricas um eco cúmplice para sua análise. O musicólogo se vê aturdido em um trabalho de campo que lhe oferece mais que um descobrimento etnográfico. Ali se

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 77-90)